Grande Futebol
Lutar pela Europa na Liga de Gibraltar com o patrocínio de Míchel Salgado
2018-03-22 17:20:00
Vários portugueses representam o Gibraltar United, clube detido, em parte, pelo antigo internacional espanhol

Na Liga de Gibraltar, há uma equipa com uma grande influência portuguesa. Há até quem defina o grupo lusitano como a "base" do conjunto principal do Gibraltar United, um clube que tem num dos donos uma figura muito conhecida entre os adeptos de futebol: Míchel Salgado, antigo jogador do Real Madrid e internacional pela seleção de Espanha. Esta época, o objetivo é chegar às eliminatórias de qualificação para a fase de grupos da Liga Europa e está perto de ser alcançado.

Foi há pouco menos de um ano que Míchel Salgado entrou na vida do Gibraltar United. O clube foi fundado em 1943, ganhou vários títulos nacionais nos anos 40, 50 e 60 e já não é campeão de Gibraltar desde 2002. Em 2017, Míchel Salgado juntou-se a Pablo Dana, um empresário com negócios no Dubai, e investiu no Gibraltar United, sendo agora um dos donos do clube. A quantia investida pelo ex-futebolista foi tudo menos discreta.

“O Míchel Salgado investiu aqui quatro milhões de euros”, contou ao Bancada o português Marco Meireles, um dos portugueses da equipa. “Apareceu a oportunidade e ele aproveitou. Ele não está sempre aqui porque tem várias coisas para fazer, mas ele vem aqui várias vezes. Quando falámos com ele, pareceu-nos uma pessoa cinco estrelas. Tanto ele como o Manolo Hierro [antigo jogador de vários clubes espanhóis e irmão de Fernando Hierro] - que é diretor desportivo e está mais presente - apoiam-nos muito.”

Míchel Salgado entrou na vida do clube em 2017 (foto: Facebook Gibraltar United)

Marco Meireles chegou ao clube esta temporada, vindo do Benfica de Macau. Em Portugal, passou pela formação do FC Porto e do Nacional e, nos seniores, jogou na AD Machico, no Aljustrelense e no CD Ribeira Brava. A partir daí, jogou sempre no estrangeiro: Sporting Kristina e MP Mikkelin (Finlândia), Grêmio Barueri (Brasil), Benfica de Macau (Macau) e, finalmente, chegou a Gibraltar para jogar no Mons Calpe, em 2016. As primeiras impressões, assume, não foram as melhores. “Cheguei aqui e estava à espera de outro tipo de condições. Só temos um estádio para todas as equipas e não sabia disso. Nós jogamos em Gibraltar, mas treinamos e vivemos em Espanha, na Andaluzia. Isto está a evoluir aos poucos, mas não estava à espera que as condições fossem estas. Mas temos de trabalhar com o que temos. Não têm as condições do Campeonato de Portugal [terceiro escalão], por exemplo”, contou, explicando ainda que o Gibraltar United tem dez jogadores profissionais (incluindo os portugueses), com os restantes elementos do plantel a terem outro trabalho para além do futebol.

Outro dos portugueses da equipa é Filipe Aguiar, formado no Marítimo. Ele e Marco Meireles são unha com carne e já jogaram juntos em várias equipas, como o CD Ribeira Brava, o Benfica de Macau ou o Mons Calpe. Ao Bancada, Filipe Aguiar também elogiou Míchel Salgado e até admitiu que o espanhol foi importante no seu ingresso no Gibraltar United depois de não ter tido uma experiência fácil no Mons Calpe. “Ele é bastante humilde, é fácil de lidar com ele. Ele consegue interagir com os jogador. É normal, já foi jogador e sabe falar connosco. Ele entra nas brincadeiras. (...) No ano anterior estive cá no Mons Calpe, que também tinha um projeto para a Liga Europa. A época correu com sobressaltos. Estive lesionado, jogava e não jogava, o Mons Calpe mudou treinador umas três vezes. Acabou a época, soube que o Miíchel Salgado ia entrar no Gibraltar United e tinha um projeto interessante. No primeiro ano, era chegar ao segundo lugar e, no primeiro, era lutar pelo título. Eu falei com o Marco, tinha um contacto no Gibraltar United e negociei com o diretor desportivo e com o presidente”, disse.

Tanto Marco como Filipe garantiram que outro dos fatores que influenciou a decisão de assinare pelo Gibraltar United foi o facto de deixarem a Ásia, onde jogavam no Benfica de Macau, para virem para a Europa. Aliás, para além do projeto, foi isso que mais contou. Mais que o dinheiro, disse-nos Filipe Aguiar. “Foi mais pelo projeto que eles tinham do que pela oferta que eles estavam a dar. É o primeiro ano, é tudo novo para o presidente e tinha de passar tudo pelo Michel Salgado. Foi ela por ela, mas chegámos a um acordo. Tivemos propostas de Macau, das Filipinas, mas isto é a Europa, que é sempre melhor que a Ásia. Aqui, com três dias de folga, dá para ir a casa.”

Filipe Aguiar (esquerda) e Marco Meireles (direita), dois dos portugueses do Gibraltar United (foto: Marco Meireles)

A época, o objetivo da Liga Europa e um eventual regresso a Portugal

“O objetivo este ano é ir à Europa, conseguir um dos três primeiros lugares. Estamos em terceiro lugar e nas meias-finais da Taça. A final da Taça dá acesso às eliminatórias de qualificação para a fase de grupos. O balanço é bastante positivo, só temos duas derrotas e estavam habituados a vencer poucas vezes. As coisas estão a correr bastante bem. A equipa tem demonstrado um futebol bastante bom para a liga em questão. Ainda faltam 12 jogos e espero que que faltem mais dois para a Taça”, começou por explicar Marco Meireles ao Bancada. Para já, tudo dentro dos planos. O Gibraltar United partilha a terceira posição da tabela da Liga com o St. Joseph's (28 pontos) e goleou o FC Olympique 13 por 6-0 nos quartos-de-final da Taça. Nada mau, principalmente se tivermos em conta que, na época passada, a equipa lutou pela permanência na primeira divisão. A entrada dos novos investidores - entre os quais está Míchel Salgado -  e de novos elementos para a estrutura diretiva - como Manolo Hierro - foi importante nesse sentido. Caso o Gibraltar United chegue à Europa, o investimento vai crescer ainda mais, garantiu Meireles. “Se entrarmos na Liga Europa, o investimento vai ser maior. Vamos, de certeza, contratar jogadores com mais nomes. É a primeira vez na história que este clube vai a uma eliminatória da Liga Europa. Mas o primeiro passo é chegar lá.”

A nível individual, Filipe Aguiar também está muito satisfeito, ainda que esteja a jogar onde não gosta. “Para mim, a época está a ser muito boa. Temos um grupo de portugueses que é a base da equipa. No ano passado estavam a lutar para não descer e agora estamos a lutar pelos primeiros lugar. (...) Estou a jogar a lateral, agora. O treinador pediu-me, não é uma posição que goste, mas estou a jogar bem. O que é importante é jogar”, disse ao BancadaSe tivesse de voltar a Portugal, Filipe Aguiar não o faria a menos que se tratasse de uma liga profissional, como o primeiro ou o segundo escalão. Considera que tem qualidade para isso e até já recebeu essa confirmação por parte de Henrique Nunes, antigo jogador e treinador do Feirense e técnico do jogador no Benfica de Macau. “[Só ia para a] Primeira ou Segunda Liga. Já apanhei jogadores muito bons noutros países, que já jogaram em primeiras ligas, e a diferença não é muita. O mister Henrique Nunes já disse que tínhamos capacidade para isso”. Da mesma opinião é Marco Meireles. “Para voltar a Portugal, tinha de ser numa liga profissional. Sei que tenho qualidade para isso, falta a oportunidade. Às vezes é uma questão de contactos, sabemos como isso funciona. Em Portugal, têm de valorizar mais o jogador português.” 

Os quatro portugueses do Gibraltar United (foto: Marco Meireles)

Jovens à procura do maior e melhor crescimento possível

André Farinha e Filipe Ramalho são os outros dois portugueses que fecham o lote lusitano no Gibraltar United. Os dois têm 19 anos e são seniores de primeiro ano, tendo acabado a formação no Lusitano de Évora no final da última temporada. Com um agente em comum, os dois decidiram aproveitar a proposta do clube, mesmo tendo outros planos em mente. “Já tinha recusado algumas propostas de Portugal porque também queria seguir os estudos na minha terra. Mas surgiu esta oportunidade e decidi arriscar e aceitar”, explicou André Farinha ao Bancada, ao passo que Filipe Ramalho contou uma história que envolveu Míchel Salgado e um olheiro chamado... Deco. “A oportunidade surgiu com o meu agente. Quando cá cheguei, o presidente apresentou-nos e disse-me que não tinha vídeos meus, mas que falou com o Míchel Salgado e ele falou com o Deco. O Deco pediu informações em Portugal e decidiram avançar com a proposta.”

Mas nem tudo tem sido positivo para Filipe Ramalho. Apesar de sentir que está a evoluir e a crescer, não gostou das condições que encontrou quando chegou a Gibraltar e não nega que a decisão "foi um bocado por impulso", até porque só teve uma noite para decidir. “Até agora, estou arrependido e por outro não. Se soubesse que as condições e as pessoas por trás eram estas talvez não tinha aceitado, mas a experiência está a ser boa para a minha carreira”, considerou. Já André Farinha parece estar totalmente satisfeito e não poupou os agradecimentos à equipa técnica do Gibraltar United pela aposta que têm feito. A maior diferença que o lateral destaca é mesmo dentro das quatro linhas. “Aqui, o futebol é muito mais físico do que tático. É um futebol diferente, as equipas não tem muito o objetivo de jogar futebol bonito. Mas já vi alguns jogadores bons.

Filipe Ramalho em ação no Gibraltar United (foto: Facebook Gibraltar United)

Os dois jovens jogadores consideram que a epoca está a ser de bom nível até ao momento, ainda que, para Ramalho, a equipa podia "estar muito melhor", enquanto Farinha disse que o Gibraltar United está "bem no campeonato e nas meias-finais da Taça", pelo que "o balanço é positivo". A nível individual, Filipe Ramalho lamenta o pouco tempo de jogo, mas explicou que isso acontece "por ser o mais novo da equipa" e porque o jogador da sua posição "joga na seleção e tem de jogar mais para ser convocado e o clube receber dinheiro". 

E o futuro? Tanto André Farinha como Filipe Ramalho deixam várias portas abertas, assegurando que querem estar onde sentem que podem crescer mais. “Sinceramente, tenho tudo em aberto neste momento. Tenho várias propostas, umas melhores e outras piores, mas depende de muita coisa. Depende da Liga Europa, das condições financeiras… Mas as minhas ambições para o futuro são sempre ir para um sítio melhor que aquele em que estou”, concluiu Filipe Ramalho.

André Farinha, o camisola 23 do Gibraltar United (foto: Facebook Gibraltar United)