Chegou ao Benfica como estagiário, em 2001, para trabalhar com miúdos de nove anos e parte, hoje, em busca de um desafio chamado AS Mónaco. Por este treinador “exigente”, mas “amigo dos jogadores”, passaram futebolistas do calibre de André Gomes, Bernardo Silva e Renato Sanches, mas na memória de quem se cruzou com João Tralhão ficam os conselhos em momentos difíceis e os castigos a quem se levanta da cama a más horas para ir treinar. O Bancada esteve à conversa com quem muito deve ao treinador escolhido por Thierry Henry e ficou a saber como lidava, João Tralhão, com atrasos e crises de confiança.
Diz, quem o conhece, que é um homem de gargalhada fácil e pronto para a brincadeira. Sérgio Teles cruzou-se com João Tralhão na temporada 2011/12 e as coisas nem estavam a correr de feição para o jovem que tinha deixado a Madeira, de onde é natural, dois anos antes. Atualmente ao serviço do Farense, Teles percebeu, naquela altura, que não fazia parte dos planos de João Santos, então o líder técnico, e, por isso, a confiança estava a atingir níveis preocupantes. Para agravar a situação, viu-se a braços com uma operação para remover o apêndice.
“Estive a um passo de sair do Benfica porque na altura o treinador era o João Santos e não contava comigo. Mas assim que saiu do comando técnico, o João Tralhão foi logo buscar-me quando eu estava para sair do Benfica. Tinha sido operado a uma apendicite e estava a recuperar. Ele chamou-me e desde esse dia joguei todos os jogos até final da época e, a cada jogo, a cada dia, ele fazia-me ver a qualidade que eu tinha, os meus pontos fortes e o que devia melhorar”, recorda, com grande carinho, Sérgio Teles. “Mais do que um treinador, para mim, foi um amigo, um conselheiro”, acrescentou.
Quem corrobora desta opinião, em conversa com o Bancada, é Pedro Rebocho. Atualmente a atuar na liga francesa, ao serviço do EA Guingamp, o lateral esquerdo, que trabalhou com João Tralhão durante duas temporadas, destaca a capacidade do treinador em se relacionar com os seus jogadores: “Um dos pontos fortes do mister João Tralhão é a relação que constrói com os jogadores. É muito natural e genuíno na forma como lida com os jogadores. A mim conquistou-me pela sinceridade. Foi sempre sincero comigo e isso ajudou-me”, explicou o jogador de 23 anos que tem agora a oportunidade de defrontar João Tralhão no futebol francês.
“Quando me cruzar com ele vou oferecer-lhe a minha camisola”, revelou Pedro Rebocho, ao Bancada.
Adormecer e falhar a convocatória
Porém, desengane-se quem pense que João Tralhão é apenas sorrisos e amizades. Não fosse a vontade de Thierry Henry em contar com a colaboração do antigo treinador do Benfica atestar a sua competência, Pedro Rebocho partilhou com o Bancada o dia em que uma falha do despertador valeu um jogo visto das bancadas, porque com Tralhão não se brinca aos atrasos.
“Eu e o Guzzo, uma vez, chegámos atrasados ao treino. Era para estarmos lá às 10h e acordámos era já 10h20, mas como morávamos perto do centro de estágios, não estava tudo perdido. O Guzzo estava muito preocupado e lembro-me de lhe ter dito ‘não te preocupes que ele é meu pai. Estás comigo estás com Deus’.
Eu pensei que íamos chegar e pedir desculpa e que ficava tudo resolvido. Chegámos ao treino e ele mandou-nos correr à volta do campo. Nós pensámos, ‘bem isto é só para fazer o aquecimento’. Está bem. Deixou-nos de fora o treino todo. Isto foi uma segunda-feira, tínhamos jogo na quarta-feira e não fomos convocados.”
Mas as memórias que deixa João Tralhão são as de um homem capaz de lidar com a malta jovem. Exigente, mas sem autoritarismos exagerados. Um homem que sabe como extrair dos jovens jogadores aquilo que eles precisam para se tornar jogadores de topo mundial. Pelas mão do novo treinador adjunto do AS Mónaco passaram jogadores como Bernardo Silva, André Gomes, Renato Sanches, Hélder Costa e outros, muitos outros, que tornam, nos dias de hoje, o Seixal numa das mais prestigiadas academias de formação de futebolistas de todo o Mundo.
João Tralhão num momento de cumplicidade com Bruno Varela. Foto: SL Benfica
Um homem que marcou até Luisão
Quem também aproveitou para deixar uma mensagem de apreço por João Tralhão foi Luisão. O até há bem pouco tempo capitão do Benfica usou as redes sociais para lembrar os momentos que passou com o treinador e… o preparador físico. Foi na temporada 2007/08 e pela Luz passaram Fernando Santos, José António Camacho e Fernando Chalana: “João Tralhão um dos profissionais que admiro muito, pela qualidade como treinador e também pela pessoa ímpar que é. Muito sucesso nessa nova caminhada no Monaco, tenho a certeza que fará muito sucesso!!! Tive a oportunidade de ser treinado por ele em 2007/2008 como Preparador físico e depois treinador", pode ler-se na conta Instagram do brasileiro.
De regresso à conversa com Sérgio Teles - que nos garantiu já ter enviado um SMS ao novo treinador adjunto do AS Mónaco para o felicitar e desejar toda a sorte do mundo - e à forma como João Tralhão encara os problemas de cada jogador e percebemos a existência de uma grande carga emocional, bem vincada na forma como ajudou o jovem madeirense.
“João Tralhão e uma pessoa de quem guardo um carinho enorme. Ajudou-me, levantou-me, deu-me a mão quando mais precisei. Ele foi um amigo dentro e fora de campo. Tenho várias memórias dele. É uma pessoa super engraçada, mas muito exigente para que possamos ser melhores dia após dia. Eu não diria que ele exigia de nós, simplesmente, dava-nos, para as mãos, as ferramentas para ganharmos os jogos. E assim foi!”, reforçou Sérgio Teles, ele que deixou o Benfica, em 2012, para representar o Deportivo Corunha.