Grande Futebol
Hope Solo defende igualdade de pagamentos, algo muito distante em Portugal
2017-11-11 16:30:00
A guarda-redes norte-americana apresentou números e argumentos a favor da igualdade entre géneros no futebol.

Presente na Web Summit, em Lisboa, Hope declarou-se uma defensora da igualdade de pagamentos no futebol masculino e feminino. “Está na lei dos EUA pagar igualmente a quem tenha a mesma função e as mesmas responsabilidades no seu trabalho e trabalhe o mesmo número de horas, mas a equipa masculina e a equipa feminina [dos Estados Unidos], com o mesmo empregador, recebem valores muito diferentes. Posso dar alguns números: Tim Howard, que foi o guarda-redes da seleção masculina durante bastante tempo, no seu ano de Mundial, que foi em 2014, jogou um total de oito jogos. Em 2015, o meu ano de Mundial feminino, joguei um total de 23 jogos. Eu venci o Mundial e recebi o prémio de melhor guarda-redes no Mundo. O Tim não venceu o Mundial, nem foi considerado o melhor guarda-redes do mundo e recebeu mais 10 % do que eu. Isso vai contra a lei dos EUA”, garantiu a jogadora norte-americana, que recorreu a mais números para suportar os seus argumentos.

“Estive em várias reuniões com a Federação ao longo da carreira, em que dizíamos que queríamos ser pagas como os homens, mas respondiam que não, não o merecíamos. Mas, em 2015, a seleção masculina teve um prejuízo de dois milhões de dólares. No mesmo ano, a equipa feminina trouxe perto de 20 milhões para a Federação. É uma loucura. Querem falar sobre até onde pode ir o futebol feminino? Trouxemos quase 20 milhões para a Federação enquanto os homens perderam dois milhões. Em 2016, só em receitas de bilheteira, as mulheres tiveram um excedente de 5 milhões para a Federação, enquanto os homens perderam um milhão, em 2016. À medida que o tempo passava e eu via os números e via os factos, ia ficando revoltada. As pessoas dizem que a Hope está sempre zangada. Sim, estou! Não estão a cumprir a lei dos EUA e vou fazer o que for preciso para combater isso”, garantiu.

O apelo a que mais jogadoras se juntem à luta

Hope Solo diz que é necessário que mais jogadoras se juntem à sua luta e afirma que a sua suspensão de seis meses e demissão, em 2016, por ter chamado cobardes às jogadoras suecas, nos Jogos Olímpicos, foi na realidade motivada pelo facto de ser uma voz incómoda para a Federação do seu país. “Vemos homens, o tempo todo, por todo o mundo, fazer comentários nas entrevistas após o jogo semelhantes a dizer que os adversários foram cobardes. Estamos zangados após o jogo, somos apaixonados por vencer… estava irritada, mas nunca quis desrespeitar as minhas adversárias. Tenho várias boas amigas que jogam na equipa sueca, eu joguei na Suécia no início da minha carreira e a primeira coisa que fiz quando cheguei ao hotelfoi falar com a capitã, que conheço bem e disse-lhe: ‘Não queria faltar-vos ao respeito, não acho que sejam covardes, só acho que o estilo de jogo foi cobarde, porque foi muito defensivo e ela disse-me: ‘Hope, não te preocupes com isso, nunca seríamos a equipa número 1 do mundo se não tivéssemos jogado à defesa.’ Até ela sabia que era um estilo muito defensivo e para mim isso vai contra o espírito dos Jogos Olímpicos”, contou Hope.

Há cerca de um ano e meio, Hope Solo colocou um processo em tribunal para exigir que a Federação Norte-Americana pague tanto à equipa feminina de futebol como à masculina, mas ainda aguarda a conclusão do caso. E a guarda-redes sente que não está sozinha na luta. “As jogadoras, por todo o mundo, estão a começar a desafiar o status quo e a questionar por que é que isto é assim. Só porque as regras foram feitas, na sua maioria, por homens, por que é que aceitamos isto?” e dá como exemplos, “jogadoras da Austrália, dos Estados Unidos e algumas das melhores jogadoras do Brasil, que entraram em greve contra a Federação por queixas de sexismo e por falta de apoio e dinheiro.”

No entanto, a situação na Europa e, em particular, em Portugal é bastante diferente da que é vivida por Hope Solo nos Estados Unidos, provavelmente o país onde existe menor diferença entre futebol masculino e feminino.

Carla Couto reconhece que a situação em Portugal não é comparável à d

Carla Couto, antiga jogadora internacional por Portugal, que hoje colabora com o Sindicado de Jogadores de Futebol, disse ao Bancada que “pessoalmente, gostaria muito” que as pretensões de Hope Solo se concretizassem, mas que tal não é expectável no nosso país. “Da realidade, sei que dificilmente isso vai acontecer. Neste momento já vivemos uma realidade um pouco diferente, de há dois anos para cá, porque temos duas equipas [Sporting e SC Braga] que já conseguem que algumas das suas jogadoras sejam só profissionais de futebol e outras que ganhem algum rendimento com o futebol, mas a realidade em Portugal é o amadorismo e infelizmente temos situações de atletas que ainda pagam para jogar futebol”, disse Carla que “gostava que mais jogadoras e mais clubes pudessem dar outro tipo de condições, mas temos vindo a ter uma melhoria efetiva.”

Assim, os Estados Unidos vivem uma realidade muito distante da portuguesa, ainda que em Portugal a situação esteja a melhorar. Para isso, contribuiu a melhoria dos resultados desportivos da Seleção. “Não nos podemos equiparar a uns EUA e a uma Hope Solo porque o futebol feminino nos EUA tem uma dimensão muito maior, já foram campeãs do mundo, vão aos Jogos Olímpicos e sabemos perfeitamente que quando uma seleção nacional ganha títulos, depois a nível interno tem outros apoios. Nós, felizmente, este ano chegámos a uma fase final do Europeu e houve situações que mudaram, houve uma maior aposta, uma maior visibilidade e é um ciclo que se vai fazendo devagar. Mas neste momento já conseguimos que o futebol feminino tivesse uma notoriedade um pouco maior”, conclui Carla, reconhecendo que “como muitos desportos em Portugal, o futebol feminino sobrevive muito da capacidade de superação das próprias atletas.”

Assistências do futebol feminino em Portugal são muito reduzidas

Hope Solo argumentou que, em termos de bilheteira nos Estados Unidos, o futebol feminino conseguiu mais receitas do que o masculino, mas essa realidade está muito longe de ser a vivida por cá. Até hoje, o jogo de futebol feminino que contou com mais pessoas no estádio foi a final da Taça de Portugal da temporada passada, entre Sporting e SC Braga, onde estiveram 12 213 espetadores, segundo a FPF, sendo que os bilhetes eram gratuitos. Antes desse jogo, o recorde pertencia ao Sporting – SC Braga, para a Liga Portuguesa, com 9 263 espetadores e também com entrada gratuita, que tinha batido o registo da final da Liga dos Campeões feminina entre Wolfsburgo e Tyreso, em 2014, que levou 11 217 espetadores ao Estádio do Restelo.

Prémios da Liga dos Campeões feminina não se comparam aos da masculina

Outra forma de “medir” as diferenças entre futebol feminino e masculino é olhar os prémios atribuídos pela UEFA aos participantes nas suas provas. Na Liga dos Campeões feminina, a UEFA, além de financiar as deslocações das equipas, dá prémios de 20 mil euros pela participação em cada uma das eliminatórias a seguir à fase de grupos (32-avos de final, 16-avos, oitavos, quartos e meia final) e as equipas eliminadas nos quartos têm ainda direito a um bónus de 25 mil euros; as que são eliminadas nas meias finais, recebem 50 mil; o finalista vencido recebe 200 mil euros e o vencedor 250 mil.

Ora, quando se trata da competição masculina, a UEFA é bem mais generosa nos prémios (porque as receitas que consegue são também muito maiores). Basta referir que a simples presença na fase de grupos da Liga dos Campeões garante logo 14,7 milhões de euros a cada clube.

Gastos da FPF com competições internacionais da seleção masculina são muito superiores

O Orçamento e plano de atividades da FPF para 2017/18 não descrimina a diferença nos gastos com pessoal entre futebol feminino e futebol masculino, mas permite saber quais foram os gastos com competições internacionais (oficiais e particulares). Aí, é possível ver que, enquanto esse tipo de gastos com a Seleção principal feminina foi de 616 mil euros, com a Seleção masculina ascendeu a mais de 14 milhões de euros, no que foi um ano de Europeu.

Estes são alguns números que ajudam a demonstrar as diferenças no dinheiro que é movimentado pelo futebol feminino e masculino em Portugal e que podem servir para justificar as diferenças nos valores pagos a jogadores e jogadoras.

 

Ainda assim, a questão mantém-se: dado que desempenham as mesmas funções, deveriam as jogadoras de futebol ser pagas da mesma forma que os jogadores?