Grande Futebol
Exílio, polémica, controvérsia e fascismo. Filho da guerra. Eis Dejan Lovren
2018-07-14 11:00:00
A vida de Dejan Lovren dava um filme. Hoje, só quer ser reconhecido como um dos melhores defensores da sua geração.

Exílio, polémica, controvérsia e fascismo. Filho da guerra, a vida de Dejan Lovren dava um filme. Ao jeito de Moonlight, atravessando todas as etapas da vida de Dejan Lovren. Dos tempos em que fugiu à guerra, passando pelos tempos em que viveu com a casa às costas, ora como refugiado, ora como emigrante. Até aos tempos em que foi conquistando o Mundo a pulso até chegar a um dos maiores clubes do Mundo, acabando, claro está, com a polémica associada a actos fascistas e ao pedido que o respeitem. Este é Dejan Lovren, o homem que quer ser reconhecido como um dos melhores defesas do Mundo futebolístico da atualidade.

Nascido em Zenica, antiga Jugoslávia e hoje território bósnio, Lovren assumiu desde sempre a nacionalidade croata herdada dos pais. Prometeu à mãe que nunca contaria a sua história. Afinal, como o próprio diz, pode até ter sido Sarajevo que os jugoslavos bombardearam, mas foi em pequenas cidades, vilas e aldeias como Zenica que o verdadeiro massacre aconteceu. Onde o assassínio indiscriminado aconteceu. Onde poucos sobreviveram. Lovren não teria sobrevivido não tivesse fugido para a Alemanha, com os pais, quando ainda só tinha três anos de idade. “O irmão do meu tio foi assassinado à frente de outras pessoas com uma faca. Eu nunca falo do meu tio porque é algo sobre o qual não é fácil falar. O meu tio perdeu um irmão, membros da família... É difícil”.

Durante anos, Dejan Lovren viveu com a casa às costas. Manteve-se por Munique até aos 10 anos de idade, fugindo da guerra da Bósnia, onde afirmou ter sido um rapaz feliz. Perfeitamente integrado e onde começou a dar os primeiros passos enquanto futebolista. A família, porém, nunca se conseguiu legalizar e sem a documentação necessária para se manter no país, assentou arraiais na Croácia, em Karlovac, não muito longe de Zagreb. Hoje, Dejan Lovren é um dos líderes da seleção croata que alcançou uma inédita presença no Campeonato do Mundo que vai sendo disputado na Rússia e longe vão os tempos em que Lovren demorou a instalar-se no país e cuja própria língua pouco falava.

“Somos um pequeno país, com apenas quatro milhões de habitantes, mas temos imenso talento na nossa equipa. Tu olhas para os nossos jogadores, vês as equipas em que jogam e é incrível”, afirmou Lovren há poucos dias. Não podia ter mais razão. Há Modric. Há Rakitic. Há Mandzukic. Há Perisic. Há uma estoicidade, uma determinação, uma perseverança como em poucas equipas em todo o Mundo. O próprio Lovren o diz: “Somos e fomos mais fortes mentalmente do que a Inglaterra” e, isso, talvez só possa ser explicado por tudo aquilo que esta geração de croatas sofreu e viveu enquanto cresceu ao ver o seu país bombardeado e obrigados a dele fugir.

A história de Lovren, porém, não é somente uma história de superação humana e sobrevivência há guerra. Lovren tem o outro lado. O lado quase maquiavélico. O lado que também ajuda a fazer de Dejan Lovren um homem fascinante ou, pelo menos, interessante e complexo. O mesmo Lovren que, no final do encontro perante a Argentina, no balneário, foi filmado a cantar Bojna Cavoglave, uma canção nacionalista muito associada a grupos de extrema direita da Croácia pós-guerra e uma canção da qual faz parte uma estrofe slogan associada com o grupo Ustashe, um grupo terrorista croata da época da segunda guerra Mundial aliada dos Nazis.

Nascido em 1989, Lovren recorda os dias em que viveu sob o medo dos bombardeamentos jugoslavos. “Lembro-me quando as sirenes começavam a tocar. Ficava amedrontado porque só pensava em bombas e que qualquer coisa estava prestes a acontecer. Lembro-me da minha mãe pegar em mim e levar-nos para a cave, nem sei quanto tempo lá passávamos, era até as sirenes deixarem de tocar. Depois disso, lembro-me de eu, a minha mãe, e os meus tios pegarmos no carro e fugirmos para a Alemanha. Deixámos tudo. A casa, a pequena loja que tínhamos, a comida que tínhamos. Pegamos numa pequena mala e fomos para a Alemanha”, desabafa Lovren ao canal do Liverpool FC para o documentário “A minha vida como refugiado”.

“Tivemos sorte. Eu a minha família tivemos sorte. O meu avô já vivia na Alemanha e por isso tinha documentos. Se não fosse isso, não sei o que teria sido de nós. Talvez pudesse encontrar-me com os meus pais debaixo do chão. Não sei o que poderia ter acontecido. Lembro-me de um amigo de infância na escola a chorar, o pai era soldado, perguntei-lhe que se passava e ele disse-me que o pai tinha morrido. Portanto... podia ter sido o meu”, confessou.

Na Alemanha a vida de Lovren não foi fácil. Quando a guerra terminou, foram expulsos do país, mesmo que Lovren se sinta grato por tudo aquilo que o país, que hoje considera a segunda casa, lhe ofereceu. Quando a família regressou à Croácia, porém, as dificuldades instalaram-se. Com a mãe a ganhar o salário mínimo e o pai a trabalhar na construção civil, por vezes, não havia sequer dinheiro para pagar a eletricidade. “Lembro-me do meu pai me levar os patins de gelo. Um dia perguntei à minha mãe onde eles estavam e ela me respondeu entre lágrimas que o meu pai os tinha de vender. Eu adorava ir patinar no Inverno, mas não tínhamos dinheiro sequer para passar aquela semana. Nesse momento pensei ‘não quero voltar a viver isto’”.

“Espero que para as próximas gerações a vida possa ser mais fácil. Para a minha filha e para o meu filho. Talvez eles consigam esquecer e seguir em frente. Não sei se alguma vez vão entender a minha situação ou a minha vida. Entender tudo aquilo por que passei. Hoje eles vivem num Mundo totalmente diferente. Se a minha filha quer um brinquedo, por vezes digo-lhe que não tenho dinheiro. Às vezes não é fácil entender porque o faço, mas ela tem de entender que nada se tem com facilidade. Eu trabalho no duro para ela, portanto ela tem de entender que não precisa de 20 brinquedos. Por vezes é apenas preciso um ou dois para se ser feliz. Há muita outra coisa na vida”, afirmou Lovren.

Domingo, quando Lovren entrar em campo com os restantes companheiros croatas, muito ficou para trás das costas. Até futebolisticamente, onde Lovren subiu a pulso até à chegada a Liverpool e onde, mesmo aí, nunca reuniu consenso. Em outubro, por exemplo, foi substituído à passagem da meia hora quando o Liverpool já perdia por 2-0 perante o Tottenham e Lovren ia registando uma exibição desastrosa. Lovren acabou insultado e humilhado nas redes sociais e a família recebeu mesmo ameaças de morte.

Hoje, tudo isso ficou para trás e tornou o central croata ainda mais forte. “Está na hora de deixarem de escrever parvoíces sobre mim. Está na altura de admitirem que sou um dos melhores defesas do Mundo”, exigiu após a vitória sobre Inglaterra nas grandes penalidades que valeu a passagem da Croácia à final do Mundial. Afinal, pela segunda vez em poucas semanas, Lovren atingia nova final. Depois da Champions, a final do Mundial. Não é para todos. Ainda para mais, numa temporada que começou com confissões de problemas físicos e sob confissão de não conseguir treinar e tomar cinco comprimidos antes de cada jogo para o aguentar.