Grande Futebol
Egito: o futebol nascido de uma tragédia
2018-06-02 17:25:00
Nunca deveria ter existido Port Said, mas os factos mostram que, depois de Port Said, o futebol do Egipto mudou.

Sim, o Egito é uma das equipas mais fortes da história de África (talvez a mais forte). Sim, o Egito tem jogadores de topo. Sim, o Egito tem uma história em Mundiais que roça o bizarro. É difícil de acreditar, mas a poderosa armada do norte de África esteve em apenas dois Mundiais, ambos em Itália (1934 e 1990). Aliás, esta presença na Rússia interrompe quase 30 anos de ausência. Mas tudo isto pode muito bem ter mudado por causa de uma tragédia.

A história não é difícil de contar e começou na célebre tragédia de Port Said. Situemo-nos: estamos a 1 de fevereiro de 2012. Em Port Said, no nordeste do Egito – lá bem no topo, virados para o Mediterrâneo e um pouco acima do canal do Suez –, defrontaram-se o Al Masry e o Al Ahly, treinado por Manuel José. Após o final da partida (que o Masry venceu por 3-1), deu-se uma tremenda invasão de campo e uma tremenda tragédia: adeptos armados com pedras, facas e objetos pirotécnicos. Morreram cerca de 80 pessoas e mais de 1000 ficaram feridas, entre jogadores, treinadores e adeptos.

Este episódio trágico – de longe, o mais negro da história do futebol egípcio – levou à reforma de muitos jogadores e à interrupção do campeonato. E foi neste cenário que a Federação de Futebol do Egito decidiu marcar um jogo particular entre a seleção sub-23 e o FC Basileia, para manter atletas ativos. Foi desde jogo que nasceu o interesse dos suíços em jogadores até aí desconhecidos como Salah, Elneny, Fathy, Mohsen e Kahraba.

Mas a relação com a tragédia de Port Said não fica por aqui: foi após este episódio que os egípcios começaram a ver com bons olhos a saída de jogadores para o estrangeiro. Até aí, isso era visto como abandono à nação. Sim, é certo que já tinham existido Hassan, Mido, Zidan ou Zaki, mas a verdade é, depois de 2012, o fluxo não só aumentou como passou a contar também com as principais estrelas egípcias, até aí sempre receosas de deixar a liga doméstica. Quem não se lembra de um Aboutrika que passou a carreira “em casa”?

Nunca deveria ter existido Port Said, mas os factos mostram que, depois de Port Said, o nível dos jogadores do Egipto mudou. E foi daí que nasceu para o futebol europeu um senhor chamado Mo Salah. E eles são, de novo, os reis do futebol africano.

O PERCURSO RUMO AO RÚSSIA 2018 

Alguém é capaz de falar do Egito sem falar de Salah? Se for, saia já daqui, que isto não é para si.

O craque do Liverpool não carregou o Egito às costas, na qualificação, mas quase. Foram cinco golos em cinco jogos – o melhor marcador da zona africana e, de longe, melhor marcador do Egito – e, o último deles, de uma forma épica.

O Egito estaria no Mundial se vencesse o Congo em Borg el Arab, no norte do país, e o placard marcava 1-1 aos 90+5. Aí, veio um penálti festejado como se de um golo se tratasse, num vídeo que se tornou viral. Depois, Salah converteu-o e deu ao Egito de Hassan, jogador do SC Braga, o apuramento num grupo com Uganda, Gana e Congo.

Mas atenção: Salah lesionou-se na final da Liga dos Campeões e a presença no Mundial ainda não é certa. Mesmo que jogue, as condições podem não ser as ideais.

O JOGADOR A SEGUIR: El Hadary

Não, não é o craque-mor da equipa. Não, não é um jovem talentoso ao qual apelamos que dê atenção. É, sim, um rapazito que, a 15 de junho, frente ao Uruguai, pode fazer história: terá 45 anos e 151 dias, tornando-se o jogador mais velho a atuar num Mundial (ultrapassa Mondragón). História será feita, caro leitor. História será feita.

OS CONVOCADOS : (Pré convocatória de 28 jogadores):

Guarda-redes: Essam El Hadary (Al Taawoun), Mohamed El-Shennawy (Al Ahly), Sherif Ekramy (Al Ahly), Mohamed Awad (Ismaily);
Defesas: Ahmed Fathi (Al Ahly), Saad Samir (Al Ahly), Ayman Ashraf (Al Ahly), Mahmoud Hamdy (Zamalek), Mohamed Abdel-Shafy (Al Fateh) Ahmed Hegazi (West Bromwich), Ali Gabr (West Bromwich), Ahmed Elmohamady (Aston Villa), Karim Hafez (RC Lens), Omar Gaber (Los Angeles FC), Amro Tarek (Orlando City);
Médios: Tarek Hamed (Zamalek), Mahmoud Abdel Aziz (Zamalek), Shikabala (Al Raed), Abdallah Said (KuPS), Sam Morsy (Wigan), Mohamed Elneny (Arsenal), Kahraba (Al Ittihad), Ramadan Sobhi (Stoke City), Trezeguet (Kasimpasa), Amr Warda (Atromitos);
Avançados: Marwan Mohsen (Al Ahly), Ahmed Gomaa (Al Masry), Ahmed Hassan (SC Braga), Mohamed Salah (Liverpool FC).

O ONZE PROVÁVEL

O TREINADOR: Héctor Cúper

GUIA BANCADA: O MUNDIAL EM HISTÓRIAS

Grupo A

Rússia: O dia em que Rússia boicotou e "roubou" a Ucrânia para jogar o Mundial
Arábia Saudita: A lenda do "Pelé do Deserto", o terror de Setúbal
Egito: O futebol nascido de uma tragédia
Uruguai: Uruguai quer fazer um Maracanazo. Ou um Maracanazov

Grupo B

Portugal: Portugal, toca a jogar pelo chão que, de “Saltillos”, já foi suficiente
Espanha: O dia em que o General Franco teve medo dos russos e tirou um título à Espanha
Marrocos: "África minha" de Hervé Renard tem novo capítulo em Marrocos
Irão: Carlos Queiroz e o Irão: uma relação de amor e ódio

Grupo C

França: Didier Deschamps, o capitão da saga de 1998 em busca da redenção como treinador
Austrália: Um continente pequeno demais para uma seleção
Perú: O amor que os brasileiros ganharam ao Peru e a Cubillas, com a Argentina no meio
Dinamarca: Elkjaer fumava e bebia, mas corria que se fartava

Grupo D

Argentina: O dia em que Deus deu a mão para Maradona ficar na história do futebol
Islândia: Islândia e a aritmética que permite escolher os 23 convocados
Croácia: Quando Boban e Suker viraram heróis de uma nação
Nigéria: Yekini, um lugar na história da Nigéria e no coração dos portugueses

Grupo E

Brasil: Marinho Peres: capitão, desertor e um sonho que virou pesadelo em Barcelona