Grande Futebol
Djaniny: um novo pai, o Maradona, o fantasma no Benfica e o rei do México
2018-05-11 18:00:00
Agora, é o rei do México. Há uns anos, chegou a ser um flop e, nos Açores, um rapaz amado e odiado.

Djaniny é o rei do México. Não, o México não é uma monarquia, mas, no futebol, Djaniny seria um bom candidato a rei. Ser o melhor marcador do campeonato, depois de três boas temporadas, faz deste cabo-verdiano uma estrela. Ele que foi um autêntico fantasma, no Benfica (não chegou a jogar na equipa principal), que encontrou um novo pai e que era amado e odiado, nos Açores. Pelo menos foi o que nos disse quem conhece bem este rapaz desde tenra idade. Deixemos isto mais para a frente.

Falámos com Filipe Soares, atualmente a jogar no Angrense, que foi um dos que recebeu Djaniny no Valense, clube da ilha de São Jorge, quando o jovem Djaniny veio de Cabo Verde. Conta-nos a história do primeiro encontro entre eles.

“Ainda me lembro, como se fosse hoje, do primeiro dia em que o vi. Já se falava que ia chegar um cabo-verdiano que vinha para a escola profissional da ilha de São Jorge, mas que vinha jogar para o Velense. Eu estava a descer a rua da minha casa, julgo que estava com uns colegas que jogavam comigo na altura, e passa o rosto e a alma daquele clube, Dominique Gambão, com o Djaniny na carrinha do clube. Parou para o conhecermos, mas o rapaz tinha acabado de chegar e penso que nem deu uma palavra, tal era a timidez (…) era um miúdo muito tímido, pouco falava, normal para a idade que tinha e por estar a viver uma mudança radical na sua vida – deixar a família para trás para vir em busca do seu sonho. Mas com o passar do tempo essa timidez passou e deu lugar à alegria e boa disposição característica do povo cabo-verdiano”.

Para além da timidez, Filipe Soares fala-nos de um rapaz humilde, mesmo num contexto em que era melhor do que os colegas. “Via-se que ele era um homem humilde, com um bom coração. Apesar da superioridade futebolística apresentada, não se achava superior a ninguém. Dava-se bem com toda a gente e era uma pessoa muito querida por colegas e toda a estrutura e adeptos do Velense. Mas claro que, pelos adversários, era ‘odiado’”, acrescenta, entre risos.

Falámos também com Hugo Gomes e Dejan Skolnik, ex-colegas de equipa. O primeiro define Djaniny como “uma pessoa calma e muito brincalhona”, enquanto o esloveno define Djaniny como “uma pessoa muito positiva, muito simpático, afável e sempre disponível para estender a mão”.

Morna, batuque, funaná, cachupa e… golos

Antes de continuar, enquadremos a ascensão de Djaniny. Tal como nos disse Filipe Soares, Djaniny veio, ainda rapazola, do país da morna, do batuque, do funaná e da cachupa. Nasceu há 27 anos, em Santa Cruz, na costa oriental da ilha de Santiago, em Cabo Verde. Começou a jogar no CD Scorpion Vermelho.

Djaniny (terceiro em cima), ainda no Scorpion Vermelho

Foi descoberto pelo Velense, num torneio de convívio, numa festa em Cabo Verde. A viagem para Portugal foi pela porta dos Açores e passou dois anos em Velas, na ilha de São Jorge. Pelo menos trocou uma ilha por outra ilha. Não estranhou.

O que estranhou foi toda aquela azáfama de um clube e uma cidade já mais organizados do que o ambiente de onde vinha. Mas nada lhe faltou, garante-nos Filipe Soares, referindo-se a Dominique Gambão, dirigente que recebeu Djaniny e que faleceu há três meses.

O Djaniny encontrou um pai adotivo que fez, literalmente, tudo por ele e que o ajudou, juntamente com outras pessoas, a sair de São Jorge e a prosseguir a sua carreira. O Dominque adorava esse rapaz como se fosse seu filho. Tinha uma estima muito grande por ele e, também por isso, acho que nunca faltou nada ao Djaniny, a não ser a sua família de sangue”, recorda Filipe Soares.

É curioso como é que o Santa Clara, mesmo ali ao lado, não conseguiu apanhar aquele peixe miúdo, que já mostrava ter potencial para ser peixe graúdo. Nos Açores, foram muitos golos. Filipe Soares faz a estimativa:“Ele marcou muitos golos em São Jorge. Não sei precisar, mas julgo serem mais de 50 em duas épocas”.

“No primeiro treino, todos nós estávamos apreensivos para a ver a qualidade do menino. Os olhos estavam postos em cima do Djaniny e via-se claramente que a qualidade estava lá e era muita. Com o desenrolar dos treinos, apercebemo-nos de que estava ali um diamante, com capacidades acima da média e que ninguém estava habituado a ver aquela qualidade pelos campos de São Jorge”.

Depois de golos nos Açores, Djaniny foi pescado pela União de Leiria. Os ares do pinhal fizeram-lhe bem. Os cinco golos em 29 jogos não foram impressionantes, mas as características físicas de Djaniny foram. Para além do tamanho, Djaniny conjugava uma velocidade assinalável para o físico que tinha, sobretudo depois do arranque, e conseguia jogar muito bem em apoio frontal, usando o físico, mas também uma técnica bastante razoável. Em suma, um avançado muito completo, tal como nos recorda Hugo Gomes, colega em Leiria: Tem um grande potencial e qualidades técnicas muito evoluídas. É muito rápido e forte fisicamente”.

Djaniny era um dos oito jogadores da União de Leiria que estiveram no célebre jogo frente ao Feirense. Jogaram com oito e não com onze jogadores.

Scorpion Vermelho? Foi vermelho, mas não foi escorpião

Lembra-se de dizermos que Djaniny começou a jogar no Scorpion Vermelho? Anos mais tarde, isto aconteceu pela metade: ele tornou-se mesmo vermelho, mas nunca foi um escorpião matador. As características físicas e técnicas foram suficientes para despertar a atenção do Benfica, mas já diz o povo: o que nasce torto tarde ou nunca se endireita. Pois bem, a transferência de Djaniny para o Benfica começou logo mal. Resumamos: primeiro, o Velense queixou-se de que Benfica e União de Leiria combinaram o negócio sem “dar cavaco” ao clube açoriano, que dizia ter 10% do passe do jogador. Mais tarde, Djaniny foi chamado a assinar contrato com o clube encarnado, que optou por não chamar o empresário do jogador. Aliás, o pai de Djaniny chegou mesmo a dizer “o meu filho já não quer ir para o Benfica, porque não está satisfeito com o que fizeram com ele. Trataram o meu filho como um boneco e isso não está certo”.

Certo certo é que Djaniny foi mesmo para a Luz. Só não chegou foi a ver a luz do relvado, pelo Benfica, e não chegou a estrear-se pela equipa principal. Somou apenas dois jogos pela equipa B, mas o próprio chegou a dizer: “Não quero jogar pela equipa B”. Lá lhe fizeram a vontade e vieram empréstimos ao Olhanense e, mais tarde, ao Nacional.

Em Portugal, não deu. Ele tentou, mas não deu. Meteu-se num avião e foi aterrar do outro lado do Atlântico, no México. Em Torreón, tem sido um rei no Santos Laguna. Começou como reizinho, na primeira temporada (11 golos), passou a rei na segunda (14), voltou a reizinho na terceira (8 golos) e, agora, é reizão. O dono daquilo tudo.

Leva 19 golos, nesta temporada, e é o abono de família de um Santos Laguna apurado para a meia-final da Liga Clausura.

Djaniny com Ronaldinho, no México

Posto isto, poderá ser opção para se afirmar, à segunda tentativa, na Liga Portuguesa? Hugo Gomes, que se cruzou com Djaniny na União de Leiria, acredita que sim, sobretudo porque é, agora, um jogador mais maduro. O Djaniny ainda pode singrar no nosso campeonato. Tem qualidade suficiente para isso. Talvez agora, com mais maturidade, pois talvez não se tenha afirmado como esperado devido à idade que apresentava na altura e a uma ascensão repentina na sua carreira”.

Levar fruta, mas passar por todos

Filipe Soares fala de Djaniny com clara ternura a admiração. Mesmo que, há uns anos, Djaniny o tenha feito sofrer bastante. “O que o vemos fazer no México era o que ele fazia nos campos de São Jorge: aquela passada larga, a fazer um drible e a parecer que vai perder o controlo da bola, mas aquela passada fá-lo ganhar o lance. Aqueles típicos chapéus que ele faz hoje em dia… sofri muito com ele. Encontrávamo-nos muitos vezes cara a cara”, recorda, entre risos.

Apesar de dizer que Dominique Gambão seria a pessoa ideal para falar de Djaniny, o ex-colega recorda-nos o dia em que o cabo-verdiano fez de Maradona. “Ele levava muita fruta, os adversários não o perdoavam. Mas ele partia os rins a qualquer adversário, ficavam doidos com ele. E marcou golos de todas as formas e feitios. Lembro-me de um em que pegou na bola atrás do meio campo, passou por toda a gente e fez golo. As pessoas ficavam de boca aberta com o que viam o Djaniny fazer com a bola”.