Grande Futebol
Diário de um jornalista no Mundial (2)
2018-06-16 12:50:00
António Tadeia vai publicar todos os dias uma entrada neste diário, sempre pelas 13h

Nunca me tinha acontecido uma coisa assim. No final do Espanha-Portugal, depois do show dado por Cristiano Ronaldo, fiquei uma boa meia-hora sentado no meu lugar, sem energia, a olhar para o relvado à medida que as bancadas esvaziavam e que, lá em baixo, os artistas davam lugar aos anónimos que tratavam de começar desde logo a assegurar que tudo estaria em condições para o próximo desafio no belíssimo estádio de Sochi. Estava arrasado.

Não era por causa do clima quente e húmido que vim encontrar nas margens do Mar Negro. Não era por causa de uma estúpida contratura muscular que fiz a treinar há uns dias e que me limita os movimentos. Não era por causa dos problemas familiares que me têm apoquentado nas últimas semanas e que ainda ontem me tinham queimado mais alguns neurónios, entre os diretos feitos do relvado com o Hugo Gilberto e o Paulo Maio Gomes. Não era sequer por causa daquilo que, com algum humor, o meu antigo estagiário Bruno Roseiro trouxe à conversa quando me viu ali prostrado: “a idade não perdoa”. Nada disso. O que me esgotou foi a brutal exibição de Cristiano Ronaldo. Eu estava na Suécia quando ele qualificou a seleção para o Mundial de 2014 com outro hat-trick. Eu estava em Paris quando, mesmo sem ele em campo, Portugal se sagrou campeão da Europa. Antes, estivera em Bruxelas na tarde da mão de Abel Xavier contra a França; na Coreia na noite do soco de João Pinto no árbitro argentino; na final perdida do Europeu de 2004, na Luz; nas saídas dos Mundiais de 2010 e 2014... E nunca tinha acabado um jogo assim.

O hat-trick de Ronaldo à Espanha é a prova viva de que quando se quer, quando se acredita, é possível lá chegar. E esse é um dos ensinamentos mais importantes que esta equipa portuguesa traz à vida de cada um de nós. É por isso que é tão difícil ganhar a Portugal – apenas uma derrota em competição em quatro anos com Fernando Santos – mesmo quando, como foi o caso neste desafio com a Espanha, o adversário é melhor. Porque a Espanha tem de facto uma equipa mais forte do que a portuguesa e mostrou-o na forma como mandou no jogo, nas combinações que tantas vezes tiraram do sítio a organização defensiva nacional, na mestria de Iniesta e Isco a libertar sempre Jordi Alba. O que os espanhóis não tiveram foi aquilo que sobrou a Portugal. Gregarismo. E quando um Deus como Ronaldo faz do esforço e do compromisso – e ontem até da inteligência nas decisões, sempre tomadas em função do coletivo – as suas armas principais, tudo é possível.

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