Grande Futebol
Beccacece: Um rockstar bad boy a desestabilizar o futebol argentino
2018-11-06 17:15:00
Pela mão do bad boy Sebastián Beccacece, o Defensa y Justicia está a surpreender tudo e todos.

Quando pensamos em futebol argentino, dificilmente o nome Defensa y Justicia é um dos primeiros a surgir no pensamento de alguém. Muito menos, Defesa y Justicia é um dos nomes que mais vezes será referido se pedirmos a um grupo de pessoas para destacar os cinco clubes argentinos que mais facilmente reconhecem. Normal. Afinal, o Defensa y Justicia é o clube que mais temporadas da história do futebol argentino disputou na segunda divisão do país e só em 2014, quase oitenta anos depois da sua fundação, o Defensa y Justicia alcançou pela primeira vez a primeira divisão da Argentina. Hoje a história é bem diferente. Pela mão do bad boy Sebastián Beccacece, o Defensa y Justicia está a surpreender tudo e todos e a desafiar a lógica e hierarquia do futebol argentino.

Nove jogos, seis vitórias, três empates, nenhuma derrota. Seis golos sofridos. Por esta altura, o Defensa y Justicia é a grande surpresa do início de temporada argentino e o Halcón, clube da grande Buenos Aires, é o único conjunto ainda invicto na primeira divisão argentina. Com seis golos sofridos, só mesmo o River Plate supera o registo defensivo do Defensa y Justicia de Beccacece, antigo braço direito de Jorge Sampaoli. Polémico, badboy, rockstar, aos 37 anos e depois de uma passagem desastrosa pelo Chile, que o próprio definiu como um fracasso pessoal e desportivo, Beccacece parece assumir-se definitivamente como o técnico jovem argentino a seguir com especial atenção.

Com apenas cinco vitórias em 24 jogos ao comando da Universidad do Chile, Beccacece deixou o país como um dos piores treinadores da história do clube da capital chilena. Tudo começou mal para o jovem técnico argentino de Rosario e jamais se endireitou. Ainda antes de assumir o comando técnico da equipa, em plena concentração para um jogo frente ao Huachipato, Beccacece reuniu individualmente com os jogadores para dar a conhecer quem fazia ou não fazia parte dos planos da equipa para o torneio seguinte. Naturalmente, as reuniões criaram mau estar no blaneário - a imprensa chilena falou mesmo em caos - e o então treinador Martín Lasarte viu-se obrigado a enviar de volta para casa vários jogadores.

Se fora de campo as decisões de Beccacece foram muitas vezes questionáveis, dentro dele a coisa não foi melhor. Num encontro para a fase preliminar da Copa Libertadores, por exemplo, que a Universidad Chile caiu perante o River Plate do Uruguai, Beccacece decidiu deixar no banco jogadores fundamentais como Guzmán Pereira e Mathías Corujo, algo que ainda hoje os adeptos chilenos não compreendem. Beccacece que também foi bastante criticado pela forma como analisou as prestações da equipa junto da imprensa, sendo muitas vezes acusado de falta de auto critica. Uma vez quando questionado pela não utilização de Leonardo Valencia, perguntou à jornalista em questão se esta tinha algum caso com o jogador.  

Além de tudo isto, a passagem de Beccacece pelo Chile ficou também marcada pela instabilidade e total ausência de um plano de jogo. As substituições precoces nos jogos, muitas vezes até antes da meia hora de jogo foram uma constante e durante o Clausura 2016, Beccacece utilizou quinze formações diferentes nos quinze jogos disputados ao longo do torneio. Torneio durante o qual acabou por utilizar 26 jogadores quando havia tornado público o seu desejo de contar apenas com 20 jogadores no plantel.

Polémica foi também a utilização de jogadores como Bruno Miranda, por exemplo, avançado boliviano de 18 anos que Beccacece decidiu estrear em pleno clássico frente ao Colo Colo, acabando por acusar a pressão. Tal como a utilização de Gustavo Canales, que Beccacece decidiu obrigar a jogar frente ao Colo Colo e à Universidad Católica apesar de se encontrar lesionado, obrigando o jogador a jogar infiltrado. Algo, aliás, recorrente. Num outro jogo da equipa da Universidade Chile, Beccacece fez utilizar Leonardo Valencia enquanto este recuperava de uma lesão, acabando o jogador a ficar de fora várias das partidas seguintes.

A dificuldade de Beccacece em controlar a disciplina do seu plantel foi grande. A certa altura da sua passagem pelo Chile, um churrasco organizado por vários jogadores do clube terminou com o afastamento de Valencia, Gonzalo Espinoza, Joao Ortíz, Cristián Suárez e de Luis Felipe Pinilla do plantel, com este último a protagonizar ainda um episódio mais tarde quando sofreu um acidente rodoviário após condução sob o estado de ebriedade.

A passagem de Beccacece pelo Chile foi altamente atribulada e não teve só que ver com o seu período enquanto treinador principal. Durante anos braço direito de Jorge Sampaoli, Sebastián Beccacece foi um dos assistentes de Sampaoli na seleção chilena com quem acabou por sair em conflito com a federação do país e exigindo uma larga indemnização devido a isso. Os rumores surgidos na imprensa acerca de vários enfrentamentos com jogadores durante os treinos não faltaram ao longo da sua carreira e até a saída da equipa técnica de Jorge Sampaoli, antes de assumir o Defensa y Justicia não é clara, depois da imprensa argentina ter falado mesmo em agressões entre o técnico principal e Beccacece e nem um pontapé a um frigorífico durante um jogo faltou, ao ponto de acabar suspenso pela federação chilena por três jogos - arremessos de garrafas nunca faltaram ao longo dos últimos meses, diga-se, também.

Sebastián Beccacece ferve em pouca água, mas, agora, ao serviço do Defensa y Justicia tem mais razões para sorrir e andar mais tranquilo e bem disposto. A equipa que veste de verde e amarelo desde os anos 80 devido a um patrocínio de uma companhia de transportes, quando até então tinha o azul e branco como as cores oficiais, é mesmo o conjunto surpresa do início de época argentino e ainda se encontra invicta na competição depois de nove jogos disputados. Hoje mesmo, o diário Olé atribui ao Defensa y Justicia uma das melhores propostas futebolísticas do futebol sul americano.

Aqueles que muitos consideram ter sido o principal responsável pela crispação entre equipa técnica e plantel argentino durante o Mundial 2018 e que terminou com a saída de Jorge Sampaoli do comando técnico albiceleste está agora a fazer história e a surpreender o mundo do futebol pela argentina. Com um plantel “de saldos”, como dizem no seu país, o rockstar badboy Beccacece está a armar uma verdadeira revolução no futebol do seu país. Com um plantel composto por jogadores dispensados dos maiores clubes argentinos, Beccacece está a dar uma lição ao futebol sul americano. Com um estilo de jogo direto, vertical, enérgico e altamente ofensivo, o Defensa y Justicia dá espetáculo em cada campo em que entra e só uma arbitragem polémica frente ao Junior Barranquilla acabou com o sonho continental do Halcón, com o clube argentino a acabar eliminado pelos colombianos nos quartos de final da Copa Sudamericana, e que Beccacece definiu como um roubo.

“Fica a sensação de que nos roubaram algo que nos pertencia. Roubaram-nos, os ladrões”, afirmou Beccacece após o jogo frente ao Junior, em Buenos Aires, que terminou com a vitória do Defensa y Justicia por 3-1. Os dois golos sofridos na Colômbia, porém, fizeram a diferença, mas foi uma decisão do VAR no encontro da segunda mão que enfureceu Beccacece e os responsáveis do Halcón. “Algo deve ter o loiro de cabelo comprido que aos 37 anos está a mostrar que se pode fazer algo e jogar bom futebol com jogadores que se andassem na rua seriam perfeitos desconhecidos. Algo deve ter...”, pode ler-se no Olé.

A ascensão de Beccacece no Defensa y Justicia até podia muito bem não ter acontecido, segundo o próprio. Afinal, o polémico técnico terá sido convidado a assumir a seleção argentina após a saída de Jorge Sampaoli - mesmo que parte da imprensa argentina lhe tenha incutido a responsabilidade pela instabilidade entre técnicos e plantel na Rússia -, oportunidade que diz ter rejeitado por respeito ao antigo selecionador argentino. “Considerei que era conveniente colocar um ponto final na seleção, pois quando as coisas têm de acontecer, devem acontecem de forma legítima. Eu cheguei à seleção pela mão de Sampaoli, não sei se seria justo que ficasse. Tenho uma seleção muito boa com Chiqui Tapia e tínhamos feito um trabalho muito bom com os Sub-20, mas essa acabou por ser a minha decisão. Não condeno quem pense diferente, é na diversidade que se baseia o crescimento”, afirmou em entrevista, palavras que acabaram por ser vistas como uma indireta para Lionel Scaloni que até esteve na bancada do encontro que terminou com a vitória do Defensa y Justicia sobre o Vélez Sarsfield.

Beccacece acabou ainda por desmentir os rumores que parte da imprensa argentina avançou, garantindo que não houve qualquer desentendimento com Sampaoli, apenas não quis desperdiçar a oportunidade de continuar a carreira como treinador principal: “Não foi assim. Realmente, as coisas que tive que dizer, disse a ele pessoalmente e de forma privada. Nunca tive uma discussão na frente de um futebolista e não tive desavenças com Jorge Sampaoli nem com ninguém. Sempre o acompanhei e as coisas que precisei dizer, disse-as na cara dele. Considerei que não queria perder a oportunidade de ser o líder de uma equipa”, afirmou.

O sucesso de Beccacece pela Argentina não tem passado despercebido e o técnico do Defensa y Justicia é agora, segundo a imprensa americana, o alvo do Xolos Tijuana para a segunda metade da temporada mexicana depois de Diego Cocca não ter conseguido qualificar o emblema fronteiriço para a fase a eliminar da temporada. Curiosamente, caso se confirme a ida de Beccacece para Tijuana, as carreiras de Cocca e do polémico treinador argentino voltam a cruzar-se, já que foi sob a liderança de Diego Cocca que o Defensa y Justicia subiu, em 2014, pela primeira vez à primeira divisão argentina.

Em 2018/19 o Defensa y Justicia está a ser a equipa surpresa da liga argentina pela mão do badboyd rockstar Beccacece, mas ao longo dos últimos anos não tem sido invulgar a passagem de alguns dos melhores técnicos da nova guarda argentina pelo banco do clube dos arredores de Buenos Aires. Além de Beccacece e Diego Cocca, passaram também pelo comando técnico do Halcón, nos últimos anos, Ariel Holan e Jorge Almirón, este último, anunciado há poucas horas como o novo treinador do San Lorenzo e que curiosamente, enquanto jogador, fez praticamente toda a carreira no México e também passou pelo banco do Xolos Tijuana como treinador.

Depois de uma passagem desastrosa e problemática pelo Chile, Beccacece vai-se assumindo no Defensa y Justicia como um dos mais intrigantes jovens técnicos do futebol sul americano e, seguramente, um dos mais carismáticos, desafiando os poderes instalados no futebol argentino com um clube modesto. Esta que nem é a primeira passagem de Beccacece pelo comando técnico do Halcón, mas que também por isso sentiu ter um trabalho por terminar no clube. Com Sampaoli no Sevilha FC, Beccacece seguiu o seu caminho de forma independente no Defensa y Justicia, que acabou por abandonar quando o antigo companheiro de banco o convidou para o assistir na seleção argentina.

Beccacece não tinha como rejeitar o convite. A amizade e respeito por Sampaoli assim o obrigava. Desde 2002 que Sampaoli e Beccacece trabalham juntos, tinha, na altura, Beccacece, 22 anos, tendo acompanhado Sampaoli no Perú, Equador e Chile. “Quando um irmão te telefona e que convida a acompanhá-lo num sonho como aquele, é complicado dizer que não. Acredito nas relações e por isso partilhei treze anos de profissão a seu lado”, afirmou na altura de assumir a seleção, Beccacece. Uma lealdade que levou mesmo Beccacece a rejeitar uma proposta para integrar a equipa técnica de... Marcelo Bielsa.

Na primeira passagem pelo Defensa y Justicia, Beccacece já tinha deixado boas intenções. Ao longo do Campeonato, Copa e Sudamericana de 2016/17, Beccacece registou uma percentagem a rondar os 70% de vitórias nos 26 jogos que disputou, um número anormalmente alto para um clube modesto como o Halcón. Algo que não mudou, muito pelo contrário, desde que Beccacece regressou ao clube de Buenos Aires. Em 2018/19, o badboy rockstar argentino de 37 anos leva sete vitórias em doze jogos e está ainda invicto na Liga Argentina.

Algo deve ter o loiro de cabelo comprido que aos 37 anos está a mostrar que se pode fazer algo e jogar bom futebol com jogadores que se andassem na rua seriam perfeitos desconhecidos. Algo deve ter... Rockstar, polémico, carismático. Pela mão do bad boy Sebastián Beccacece, o Defensa y Justicia está a surpreender tudo e todos e a desafiar a lógica e hierarquia do futebol argentino com uma das propostas futebolísticas mais entusiasmantes do futebol sul americano.