Grande Futebol
Ari, o herói brasileiro que quebrou barreiras e preconceitos pela Rússia
2018-12-01 11:00:00
Depois de salvar uma mulher grávida das chamas, Ari tornou-se o primeiro jogador negro a ser internacional pela Rússia.

Por esta altura, em Inglaterra, multiplicam-se os debates em honra das “celebrações” dos 40 anos da primeira internacionalização de um jogador negro pela seleção inglesa. Viv Anderson, antigo lateral do Nottingham Forest foi o pioneiro em Inglaterra, mas fruto de uma multiculturalidade escassa, na Rússia, só muito recentemente um jogador negro foi internacional pelo país. Sem surpresa, um homem que não nasceu no país e acabou russo por afinidade e temporalidade. O homem é Ariclenes da Silva Ferreira, Ari para os amigos, brasileiro, tal como Mário Fernandes ou Guilherme, também eles brasileiros de nascimento e entretanto internacionais russos. Esta história, porém, é muito mais do que pioneirismo. É também uma história de heroísmo.

Natural de Fortaleza, foi já aos 32 anos e ao fim de dez temporadas ao serviço de clubes russos que Ari cumpriu o sonho de jogar futebol ao nível de seleções. Não somos românticos ao ponto de pensar que jogar pela Rússia foi sempre o sonho de Ari. Afinal, nascido no Brasil, dificilmente Ari não teve o sonho de vestir a camisola canarinha em tempos. Surgido na equipa principal do Fortaleza em 2005, o futebol tirou Ari do seu país de nascimento pouco depois. Duas temporadas em bom plano no Kalmar FF da liga sueca abriram as portas das principais ligas europeias a Ari em 2007 quando deixou a Escandinávia rumo à Holanda e a Alkmaar. Pelo AZ chegou mesmo a defrontar o FC Paços de Ferreira na primeira ronda da Liga Europa de 2007/08.

Foi na Rússia, porém, que Ari tem passado a quase totalidade da carreira. Primeiro no Spartak Moscovo e, depois, no FK Krasnodar, clube ao qual regressou esta temporada depois de dois empréstimos ao Lokomotiv por parte da equipa de Krasnodar. Aos 32 anos, Ari atravessa mesmo um dos momentos de maior fulgor na carreira. Com oito golos em treze jogos, o início de temporada prolífico do brasileiro permitiu-lhe fazer história e em novembro tornou-se no primeiro jogador negro a ser internacional pela Rússia, tendo sido titular na estreia frente à Alemanha, jogo no qual alinhou durante 55 minutos, e dias depois, entrando aos 77 minutos na vitória por 2-0 da Rússia sobre a Suécia.

Esta, porém, não é apenas uma história de pioneirismo futebolístico protagonizada por um homem habituado a ter de esperar para cumprir sonhos e objetivos. Afinal, não foi senão aos 15 anos que Ari começou a jogar futebol de forma séria quando acabou descoberto na praia por olheiros do Fortaleza enquanto se divertia com os amigos. Ari que é também um herói no país. Há dois anos, com a ajuda de Jefferson Farfán, qual herói de bancada desenhada, Ari retirou uma mulher grávida de um carro em chamas. “Estava com o Farfán e deparámo-nos com este incidente louco, chamas por todo o lado. Sai do carro a correr para tentar salvar os feridos. Foi uma experiência incrível”, recorda o avançado cujo hobby é colecionar bonés com o seu próprio nome inscrito na frente. “Tenho tantos que já nem sei que lhes fazer ou onde os colocar”, confessa.

Sem surpresa, nem tudo foi pacifico na ascensão de Ari pela Rússia e na chegada do veterano avançado à seleção soviética. Roman Pavlyuchenko, antigo avançado internacional russo, por exemplo, chegou mesmo a afirmar que caso Ari fosse chamado à seleção que não veria mais os jogos da equipa nacional do seu país. Ari esteve mesmo perto de representar a Rússia no Mundial, segundo informações veiculadas na imprensa, apenas não tendo podido estar às ordens de Cherchesov por questões burocráticas relacionadas com o passaporte do jogador.

Pioneiro e herói, Ari afirma que a Rússia lhe ganhou o coração, mesmo que ali não existam muitas praias e muito menos como as da terra natal. Recebeu ofertas da China e das Arábias, mas é pela Rússia que se vai mantendo. Como pioneiro. Como herói. Afinal, esta é já a segunda casa de Ariclenes.