Grande Futebol
Foi prisão do Estado Islâmico... e voltou a abraçar o futebol três anos depois
2018-04-19 17:45:00
São visíveis as balas nas bancadas, os cartuchos nos balneários, mas o futebol regressou onde foi proibido por 3 anos.

No final, foi mais uma vez o futebol a fazer sorrir uma população que vive sob constante conflito. A cidade síria de Raqqa voltou a receber um jogo de futebol três anos depois de ter sido ocupada pelo Estado Islâmico. O grupo extremista tinha proibido a prática de qualquer tipo de desporto enquanto lá esteve, mas a libertação de Raqqa, em outubro de 2017, permitiu à população voltar a sonhar e ao regresso do desporto rei a um sítio em que é tão ou mais amado do que na nossa Europa. O jogo em questão foi disputado entre o Al-Rachid, clube local, e o Al-Sad, da cidade de Tabqa, num campo com mais terra do que propriamente relva. Nas bancadas estiveram algumas dezenas de espectadores, a maioria homens, mas com algumas mulheres a quererem também marcar presença no evento, sendo que a coexistência conjunta também tinha sido proibida pelo grupo extremista.

As marcas de balas nas bancadas do estádio de Raqqa e os cartuchos que ainda se encontram no chão dos balneários, não deixam esquecer o passado que lá se viveu e são também traço visível da passagem do Estado Islâmico. Numa das entradas, ainda é possível ler “sala de interrogatórios” e as paredes são revestidas por mensagens de desespero dos prisioneiros, como “ajude-nos, deus nosso”. Quem vivenciou a situação na primeira pessoa, é quem mais respira de alívio por já ter terminado, pelo menos por momentos. "Durante três anos fomos proibidos pelo Estado Islâmico de jogar futebol. Tínhamos de jogar em segredo", confessou Aziz al-Sajer, jogador do Al-Rachid, que esteve detido pelo grupo terrorista durante um mês, em declarações citadas pela agência Lusa.

Este acontecimento merece tamanha difusão, pois enquanto Raqqa esteve ocupada pelos jihadistas, estava proibidos todos e quaisquer atos alusivos ao mundo futebolístico, inclusive o uso de camisolas de clubes do ocidente conhecidos à escala mundial. “Eles tiraram-nos as nossas camisolas todas. Não podíamos ter o nome do Real Madrid ou do FC Barcelona nas nossas camisolas, podíamos ir para a prisão simplesmente por isso”, referiu Aziz al-Sajer. Dá que pensar como seria viver numa civilização em que não seria possível vestir e ir para a rua com as cores do clube pelo qual se torce. É um pensamento que não cabe na mente do povo que ainda não vivenciou tal situação.

A cidade de Raqqa ficou despovoada durante a ocupação do Estado Islâmico, mas a libertação a cargo de uma coligação de combatentes curdos e árabes, apoiada por Washington, trouxe milhares de pessoas de volta. Alguns bairros permanecem em ruínas, mas a mudança respira-se no ar. "Temos esperanças de que a situação melhore no futuro, esta partida é prova disso. O futebol é vida", referiu Mohamed al-Harouni, habitante de Raqqa, declarações citadas pela AFP. "É o primeiro campeonato de futebol após a libertação da cidade do terrorismo do Estado Islâmico. (...) O ‘Daesh’ foi embora e com ele o medo. Temos projetos para o desporto feminino", salientou Nachoua Ramadan, responsável pela comissão de desporto e juventude de Raqqa, em declarações à AFP.

Com o apito final da inédita partida, foi a equipa da casa quem saiu derrotada, por 3-1, mas nem por isso os sorrisos deixaram de ser o sentimento mais presente no estádio em Raqqa. O estádio vai passar a ser o palco de jogos de um campeonato no qual irão marcar presença clubes de várias cidades que são controladas pelas Forças Democráticas da Síria, grupo conhecido por ser uma das principais forças na luta contra o Estado Islâmico na Síria. Depois da tempestade, Raqqa vive agora alguma bonança, incerta por aqueles lados, mas há um dado que fica: “o futebol é vida”. Assim o disse um dos presentes no estádio e é precisamente essa a mensagem do futebol, seja em que parte do mundo for.