Grande Futebol
A ascensão e queda abrupta do "racista" Sunday Oliseh
2018-04-23 21:00:00
Como jogador ou agora como treinador, Sunday Oliseh nunca se pautou pela discrição.

Muito mudou na carreira de William Troost-Ekong desde que o jovem defensor nigeriano, hoje ao serviço do Busaspor, começou a surgir nas contas das Super Águias até ao momento em que, perante a Polónia, há cerca de um mês em Wroclaw, Troost-Ekong entrou em campo com a braçadeira de capitão orgulhosamente ostentada. Tal, muito provavelmente, nunca aconteceria se em vez do alemão Gernot Rohr, que hoje dirige a seleção nigeriana rumo ao Rússia 2018, as Super Águias fossem ainda comandadas pela antiga lenda do futebol do país Sunday Oliseh como o eram quando Troost-Ekong, em 2015, começou a surgir nas convocatórias da seleção. Emblemático pelo bom e pelo mau, as convicções racistas de Sunday Oliseh atrasaram a afirmação internacional de um dos melhores defensores nigerianos da sua geração.

Nascido em Harlem, na Holanda, o desejo futebolístico de William Troost-Ekong passou sempre pelo verde nigeriano. Por jogar com as Super Águias ao peito. Oliseh? Tinha outra ideia. “Sempre quis jogar pela Nigéria, e assim que Stephen Kashi me telefonou em 2015 para me perguntar se estava interessado nisso, disse-lhe que sim. Foi um sonho tornado realidade quando finalmente defrontei o Chade por essa altura. Os Jogos Olímpicos foram um recomeçar para a minha carreira internacional. Sempre fiz parte das equipas da Nigéria até que o Sunday Oliseh me começou a colocar de parte justificando-se que os Oyibo Boys eram demasiado fracos e moles. Espero que Oliseh esteja agora a ver-nos na TV e nos veja a disputar o Mundial”, desabafou à ACL Sports em outubro passado o homem do Bursaspor.

Em 18 jogos ao serviço da seleção nigeriana, Troost-Ekong ajudou as Super Águias a manter a baliza inviolada em onze delas, tendo finalmente assumido a braçadeira de capitão no amigável perante a Polónia em março passado que terminou com a vitória por 1-0 da Nigéria. Nada mau para um homem que, como tantos outros, Sunday Oliseh considerou inferior e fraco mentalmente. Ao lado de Leon Balogun, do FSV Mainz 05, a Nigéria tem na sua zona central da defesa uma verdadeira Muralha Oyibo. Se por esta altura já se perguntou o que é um Oyibo Boy, se calhar está na altura de explicar... Ora, Oyibo, é o termo “calão” dado a um nigeriano que é cultural e etnicamente europeu. Ou seja, filhos de emigrantes nigerianos que acabaram por nascer em países europeus, como é o caso de Troost-Ekong, nascido na Holanda, ou de Leon Balogun, nascido em Berlim, bem como de outros três homens presentes na convocatória nigeriana mais recente.

A polémica entre Sunday Oliseh e os Oyibo Boys não é a mais recente da carreira do antigo internacional nigeriano. Já depois de ter entrado em rutura com a federação do seu país, Oliseh fez estragos em Sittard, na Holanda. Oliseh pegou na equipa holandesa em dezembro 2016 e durante vários meses o antigo médio campeão pelo Ajax e Borussia Dortmund pareceu começar a estebelecer-se como um dos mais revolucionários técnicos africanos da atualidade. Pegou num Fortuna que passou nove jornadas consecutivas sem vencer na segunda liga holandesa, série que deixou a equipa de Sittard enterrada no 19º lugar, lugar acima da despromoção na competição. Até final da época, em 19 jogos, o Fortuna só perdeu mais cinco e Oliseh liderou o clube à manutenção escalando duas posições na liga para um “tranquilo” 17º posto. O melhor, e o pior, porém, estavam para vir ainda.

Até janeiro de 2018 tudo parecia correr de feição a Sunday Oliseh e ao seu Fortuna Sittard. Com uma primeira metade da temporada impressionante, com várias goleadas conseguidas e muitas vitórias registadas, Oliseh passou grande parte das 24 jornadas que dirigiu esta temporada na segunda divisão holandesa no pódium da competição. Em Sittard, com uma equipa jovem, os golos choveram e o futebol entusiasmou. Entre as jornadas 14 e 20, o Fortuna encetou mesmo uma sequência de sete vitórias consecutivas que se definiram como um recorde do clube. Seguiram-se-lhes quatro derrotas consecutivas. O Fortuna caiu da liderança para o terceiro lugar e, com isso, tudo se desmoronou. Problemas internos no clube levaram à demissão de Sunday Oliseh e só os tribunais holandeses irão concluir quem teve razão.

A demissão não podia ter surgido de forma mais irónica, ocorrendo dias depois de em conferência de imprensa Oliseh ter dissertado acerca da volatilidade do trabalho de treinador e de como, apesar do brilhante trabalho que ia realizando, na semana seguinte alguém lhe poder ligar dizendo “Sunday, não precisamos mais de ti”. Aconteceu no dia dos namorados, com o Fortuna Sittard a justificar a decisão com o facto de Oliseh “ter tido acções que tornaram incompatível a convivência entre várias pessoas dentro do clube”. Por seu lado, Oliseh rejeitou culpas no cartório e assegurou que a decisão do clube se prendeu com a sua recusa em “entrar em esquemas fraudulentos e ilegais” como o próprio confirmou em post publicado na conta Twitter. Um anuncio de suspensão oficial que apenas chegou horas depois de Oliseh ter sabido pelos jornais da sua demissão.

Certo, é que apesar da carreira impressionante do Fortuna durante a estadia de Oliseh por Sittard, os rumores acerca da difícil convivência entre o técnico nigeriano e membros da direção do clube foram sempre surgindo na imprensa, com Oliseh a ser apelidado muitas vezes de autocrata e ditador. O mesmo homem que saiu em rutura com a federação do seu país oito meses depois de ter chegado ao cargo de selecionador devido a violações de contrato e falha nos pagamentos de salários e bónus aos jogadores e equipa técnica nigeriana. O mesmo homem que, enquanto jogador, falhou o Mundial 2002 depois de liderar uma revolta no balneário devido à falha de pagamentos de bónus por parte da federação nigeriana aos jogadores e que em 2004 foi despedido do Borussia Dortmund, também ainda como jogador, depois de ter encetado uma cena de pancadaria com Hashemian quando se encontrava por empréstimo no VFL Bochum.

Se durante a carreira de jogador Oliseh nunca foi homem de se ficar, a sua carreira como treinador só podia ser igualmente irreverente. Depois de uma passagem atribulada pelo comando técnico da Nigéria, de revolucionar o Fortuna Sittard e de se estabelecer como a grande esperança dos técnicos africanos na Europa, que futuro aguarda o “racista” Sunday Oliseh que, durante meses, pareceu poder vir a tornar-se no único treinador africano a dirigir uma equipa de uma liga do topo europeu?