Portugal
“Se os sócios não se impuserem, um dia ficaremos sem o Benfica”
2019-12-11 11:10:00
Em entrevista ao Bancada, Rui Gomes da Silva diz que já tem “projeto, programa e lista pensada” para suceder a Vieira

O ex-vice-presidente do Benfica abandonou a direção encarnada, que integrava desde 2009, e passou a ser uma voz de oposição a Luís Filipe Vieira.

“Não houve um momento em que decidi ser oposição, mas um processo evolutivo. O anúncio da ‘parceria estratégica’, em junho de 2016, os erros que nos fizeram perder o penta, a não aposta na Europa nas épocas seguintes a 2016. E agora a OPA. Ou seja, os negócios em detrimento dos sonhos dos sócios, que o Benfica tem capacidade de poder vir a concretizar”, esclarece.

Nos últimos (quase) três anos, Rui Gomes da Silva manifestou preocupação, discordou da estratégia e teceu críticas, que se agravaram há poucos dias, precisamente desde que foi tornada pública a OPA do Benfica à SAD, que deve estar concluída até ao início de 2020.

O ex-dirigente apelidou a operação de “OPA da vergonha”, que serve para “dar a ganhar uns milhões largos de euros a um punhado de amigos, novos amigos, ex-amigos, ou ex-amigos que voltaram a ser amigos”. Terá sido este, porventura, o mais forte ataque de Gomes da Silva a Luís Filipe Vieira.

Entretanto, decidiu escrever uma carta aberta ao líder da Assembleia-Geral, Luís Nazaré, onde dava conta do que considera ser um guião para retirar o Benfica dos adeptos.

Luís Nazaré respondeu, dentro das limitações que o seu cargo implica. Terá Rui Gomes da Silva ficado esclarecido?

“Não, obviamente não fiquei esclarecido com as respostas de Luis Nazaré. O que é diferente de não ter ficado satisfeito. Desde logo, pela nobreza do gesto da resposta, a que acresceu o facto de a fazer no local onde eu lhe lancei o repto. Depois porque – pelo cargo que ocupa – Luis Nazaré respondeu no limite do que podia e, possivelmente, deveria fazer”, refere Gomes da Silva, ao Bancada.

Porém, prossegue, “há entrelinhas que subentendemos”, que neste caso, “valem mais do que as linhas que lemos”.

Rui Gomes da Silva teme mesmo que o Benfica deixe de pertencer aos adeptos. “Claro que temo!”, exclama, desmentindo qualquer dramatização do discurso.

“Não quero ser o Valencia de Portugal, mas acho que se – nós, os sócios – não nos impusermos, um dia acabaremos sem o Benfica, por decisão de uma maioria levada pelos cantos de sereias futebolísticas”, acusa.

O ‘ex-vice’ fala em "conivência" de pessoas que rodeiam Vieira, “conivência de todos os que, ocupando cargos eletivos, não usam as prerrogativas do mesmo para defenderem o Benfica”.

E pelo facto de não o fazerem, acrescenta, “torna-os tão responsáveis como os profissionais e o presidente”.

“Um dia virão negar ‘três vezes, antes do galo cantar’, como se não soubessem de nada, repetindo-se a história, só que desta vez sem qualquer laivo de santidade pelo meio”, aponta, ao Bancada, numa altura em que o Benfica (campeão nacional) segue líder, aumentou a vantagem relativamente ao FC Porto, segundo classificado, e derrotou o Zenit no adeus à Champions, o que permite garantir o objetivo em jogo, na noite de ontem: a qualificação para Liga Europa.

Serão as vitórias um trunfo de Luís Filipe Vieira? “Sim e não. Sim, porque os resultados são sempre importantes. Não, porque já vi presidentes perderem eleições depois de terem sido campeões”, afirma.

O Benfica conseguiu, finalmente, uma boa exibição na Europa e convenceu ao golear o Boavista. É neste cenário que Rui Gomes da Silva aumenta o volume de críticas, sem receio de antipatias de adeptos.

“Nunca tive medo de ter razão. E se, durante um pequeno período de tempo, não virem a razão que tenho, isso será por uma boa causa. O que não será o caso, aqui, já que são muitos os que estão contra. Tantos que a Direção não arrisca colocar a questão numa Assembleia Geral do Benfica”, refere.

A Bruno Lage, Rui Gomes da Silva dedica palavras de gratidão. Será Bruno Lage o treinador que o ex-dirigente pretende na liderança técnica do Benfica?  

“É uma boa pergunta, mas se as eleições não forem antecipadas, temo que o Seixal mostre outra luz ao presidente, ao primeiro ou segundo mau resultado da equipa… Mas nunca esquecerei o que devo a Lage, em função da vitória da época passada. E se tivermos isso em contraponto com o desejo de quem o escolheu, que era ficar à frente do Sporting…”.

Rui Gomes da Silva diz-se pronto para liderar o Benfica. “Já tenho projeto, programa e lista pensada, em termos globais”, realça.

“Quanto a parcerias estratégicas, a minha será com os sócios!”, responde, numa alusão clara ao agente Jorge Mendes.

“Serão os sócios e só os sócios os meus parceiros, para ganhar o que eu quero, o que nós queremos para o Benfica, sem fazer negócios tão estranhos como os que vemos todos os dias aparecerem”, acusa.

O ex-dirigente defende que “só Jorge Mendes” ganha com esta ligação entre o Benfica e o superagente. E vê os dirigentes do Benfica “darem uma ideia de fim de festa”.

“Estou muito preocupado. Mas o que me preocupa mais, olhando para quem está no Benfica hoje, é o facto de darem a ideia de fim de festa, de um ‘salve-se quem puder’, a lembrar o abandono de cidades em vésperas de chegada das tropas de libertação. Há sempre cenas destas nos filmes da II Guerra Mundial, da Guerra do Vietname, de todas as guerras”, conclui, antecipando uma mudança de ciclo na Luz.