Prolongamento
Pedro Proença: "Não me revejo nesta guerrilha comunicacional"
2017-08-06 09:30:00
Em entrevista ao Bancada, o presidente da Liga fala da prova que hoje começa e tira a fotografia ao futebol nacional

Em vésperas de arranque da Liga de futebol, o Bancada viu em Pedro Proença, o presidente da Liga Portugal, um misto de satisfação de dever cumprido nos primeiros dois anos de mandato com resignação e impotência face ao que entende não estar a ser o contributo dos clubes. Não só em termos de comunicação, onde diz claramente não se rever na guerrilha instalada entre os grandes e anuncia a intenção de recuperar uma espécie de Conselho de Presidentes, mas também nos meios estratégicos colocados ao dispor da viabilização da indústria, como seria por exemplo a centralização dos direitos televisivos. Mas aí diz que continua a acreditar na auto-regulação e recusa pedir ajuda acima, ao governo, por exemplo. A conversa que se segue, mantida na sexta-feira, vai além do “soundyte” e desvenda caminhos para o futuro imediato do futebol profissional.

Bancada – O Paris St. Germain vai gastar para cima de mil milhões de euros para ter Neymar por cinco anos e, face a realidades como esta, a UEFA tem-se mostrado preocupada com a criação de condições para que aumente a competitividade, de forma a que no longo prazo não se perca a sustentabilidade. Onde se situa a Liga Portugal perante este cenário que tem levado ao aparecimento de clubes claramente hegemónicos em todas as realidades?

Pedro Proença – Já trabalhamos esse tema há algum tempo. Os clubes que competem nas competições profissionais são obrigados a cumprir pressupostos de natureza financeira. Existirão em Portugal poucas atividades que exijam tanto aos candidatos a participantes como o futebol: a não existência de dívidas a jogadores, que agora abrange também funcionários; a obrigação de não terem dívidas à administração fiscal, à segurança social, à federação, aos outros clubes… Há um conjunto de pressupostos de natureza financeira sem os quais os clubes não são admitidos nas provas. E os nossos grupos de trabalho já estão a ocupar-se do projeto de saneamento financeiro dos clubes. Porque não posso só exigir-lhes que cumpram determinados pressupostos de tesouraria. Tenho de os obrigar a cumprir determinados ratios, que lhes permitam chegar ao final de um ciclo, que pode ser uma época desportiva, e não estarem em insolvência. Não vou tão longe como os princípios de fair-play financeiro impostos pela UEFA, mas se olharmos para o modelo de sucesso da Liga espanhola verificamos que ali se passou pela centralização dos direitos televisivos, que permitiu a amplificação das receitas e que as mesmas fossem divididas de forma mais equitativa, evitando o alargar do fosso entre os que mais ganham e os que menos ganham. E isso veio obrigar os clubes que beneficiavam com estas receitas a cumprir esses ratios sem os quais não haverá verdadeira competição. Contabilidades sãs, competição sã. Em Portugal, vamos para o ano incluir no nosso regulamento este projeto de saneamento financeiro, pelo qual vamos obrigar os clubes não apenas à apresentação das certidões de não-dívida mas também a cumprir estes ratios. Não é possível um clube apresentar custos com o pessoal na ordem dos 80 por cento e estar a disputar uma competição com outro que tem ratios de 30 por cento, porque é cumpridor noutras variáveis. E este é o princípio que norteia também o fair play financeiro da UEFA. Esta matéria é absolutamente fundamental para nós. Estes dois anos possibilitaram não só uma reorganização interna da Liga enquanto entidade dinamizadora do negócio, mas permitiram ainda aos clubes aceder a um conjunto de receitas, nomeadamente as que chegam das apostas, permitindo à Liga exigir regras para que os clubes se mantenham sustentáveis.

Bancada – A UEFA diz que o negócio do futebol cresce neste momento cerca de 10 por cento ao ano. O futebol em Portugal também é, já, sustentável?

Pedro Proença – Absolutamente.

Bancada – Responde-me como um todo ou é apenas que a Liga é sustentável?

Pedro Proença – Falo como um todo. Falo da Liga, dinamizadora desta atividade, e dos clubes, enquanto entidades individuais. Quando aqui chegámos havia três competições: a II Liga, a Liga Nos e a Taça da Liga. O grande desafio que se colocava era perceber se Portugal tinha dimensão para estas três competições. A Liga Nos claramente que sim, porque em termos económicos está equilibrada. Apresentámos há pouco tempo a nossa projeção para a próxima época e a Liga Nos projetava em anos anteriores, enquanto unidade de negócio, um superavit de três milhões de euros. Mas a II Liga tinha, quando nós chegámos, qualquer coisa como dois milhões de euros negativos. E quando aqui chegámos o modelo competitivo da II Liga, com 24 equipas, era absolutamente despropositado em função da nossa realidade. Aquilo que a Liga fez naquele momento foi chamar os clubes à discussão e dizer-lhes que aquele modelo era insustentável. Que tínhamos de mudar as regras e cumprir vários passos. Um deles era o emagrecimento do quadro competitivo, que já está a acontecer. Vamos culminar com 16 equipas, entre elas as equipas B, porque projetam a marca dos grandes clubes. Depois, responsabilizámo-nos para trazer um sponsor que assegurasse condições de sustentabilidade. E foi o que fizemos: fomos ao mercado asiático e trouxemos a Ledman como investidor para a segunda competição. Temos alguns objetivos: aumentar as assistências, criar um novo conceito de bilhética… Assumimos o risco, não admitindo logo à partida que não haveria condições para termos uma segunda liga profissional em Portugal. E não foi só nesta, foi também na Taça da Liga, para a qual trouxemos os CTT como sponsor. Quando chegámos, em julho de 2015, corremos quase o risco de não ter data para se jogar a final. Percebemos de imediato que aquela competição não tinha posicionamento, que não se percebia o que se queria dela, que o sponsor anterior não percebia bem as dinâmicas. Mas criámos um novo conceito, um novo posicionamento para a Taça da Liga: temos hoje aquilo que é o campeão de inverno. Criámos um conceito em que, sempre na última semana de janeiro, temos sete dias só dedicados ao futebol profissional, sete dias em que todas as competições estão paradas. E aí conseguimos juntar numa semana e numa só cidade as meias-finais e a final num conceito de final-four. Depois, se duvidas tivéssemos acerca do valor do futebol, quando se fez a renegociação dos contratos de direitos televisivos passámos de patamares de 70 para 200 milhões de euros de receita para os clubes. Se nessa altura os resultados operacionais dos clubes já eram absolutamente equilibrados, com estas novas receitas ainda mais o ficam.

Bancada – Ainda assim gera-se a ideia de que os clubes portugueses precisam das mais-valias das transferências para sobreviverem…

Pedro Proença – O valor para o mercado interno é equilibrado. Mas nós funcionamos num mercado global. E a realidade do Neymar, por exemplo, é inalcançável para o mercado nacional. Não podemos esquecer a nossa realidade enquanto país. Temos dez milhões de habitantes. Temos de lembrar-nos do que significa o nosso PIB. Não pode ser tirado do contexto quando passamos para o futebol. E a verdade é que o futebol tem mesmo assim criado um conjunto de receitas, consegue ter uma notoriedade e um retorno para os investidores que mais nenhuma atividade tem em Portugal. Eu diria que o mercado interno está neste momento absolutamente equilibrado, mas que quando as equipas querem competir num mercado internacional, a realidade é completamente diferente. Há três velocidades na europa do futebol e nos estamos num mercado secundário.

Bancada – Os nossos clubes vendem para comprar?

Pedro Proença – Eu diria mais: vendem para comprar e formam para vender. E este tem de ser o posicionamento do futebol português. Não há outra forma. Temos treinadores com uma capacidade de ‘scouting’ fortíssima. O mercado sul-americano é um mercado onde os nossos clubes se movem muitíssimo bem, onde fazem este recrutamento de forma bastante assertiva. Temos condições únicas para ser um mercado de passagem.

Bancada – Mas se a ideia é aumentar a competitividade, acredita que pode consegui-lo sem recorrer a uma ferramenta fundamental como é a centralização dos direitos televisivos?

Pedro Proença – As coisas ficaram complicadas quando os clubes assumiram uma estratégia diferente. Os direitos televisivos são propriedade dos clubes. Quando cheguei à Liga era assim e a Liga nunca pôde dinamizar essa questão tal qual era nossa intenção. Não é preciso perceber muito de direitos televisivos para perceber as boas práticas internacionais e como é que as grandes ligas se posicionam…

Bancada – A começar pela UEFA, com a Champions…

Pedro Proença – Já nem falo da UEFA. Dou-lhe o exemplo da Liga espanhola, onde há sete anos mais de 80 por cento dos clubes estavam em insolvência e onde por imposição governamental e por verdadeira convicção dos clubes fizeram a centralização dos direitos televisivos. E isto possibilitou não só a alavancagem das receitas mas fundamentalmente reduzir o fosso entre aqueles que mais ganham e os que menos ganham. Esse era o modelo que estava no meu plano de negócios, mas os clubes não o quiseram e a determinada altura optaram por outro tipo de estratégia. Convivo bem com ela. Temos é de a rentabilizar.

Bancada – Como?

Pedro Proença – O mercado dos direitos televisivos tem em Portugal cerca de 700 mil consumidores em Pay-TV. Mesmo não tendo os valores sido negociados de forma centralizada, o mercado nacional não paga aquilo que foi pago pelos operadores. Portanto, há aqui um trabalho, nomeadamente no que diz respeito aos direitos televisivos internacionais, que pode exportar a marca Liga Portugal e a de todos os clubes que venham atrás. No fundo foi o que fizeram a La Liga, a Premier League, a Bundesliga… Conseguiram trabalhar com os operadores um conceito coletivo de forma a que se possa rentabilizar os direitos internacionais. E é aqui que nós estamos. Independentemente dos contratos assinados, há um espaço ainda de discussão que vai permitir esta estratégia centralizada. A certa altura os próprios operadores terão essa necessidade, porque terão de rentabilizar os investimentos que fizeram. E haverá a vontade dos clubes, que quererão não só aumentar as receitas, mas alavancar a sua marca em termos internacionais. O mercado asiático só tem interesse se for trabalhado num conceito de Liga Portugal. Nunca um clube por si só poderá ter o mesmo retorno no mercado asiático. A La Liga, a Premier League, a Bundesliga, fizeram isso com muito sucesso.

Bancada – Se calhar um Real Madrid, um FC Barcelona, um Manchester United podiam ir sozinhos. E pode haver em Portugal quem ache que pode fazer o mesmo…

Pedro Proença – Com todo o respeito, um Manchester United ou um Real Madrid têm hoje uma dimensão completamente diferente de qualquer clube português. Quando o Real Madrid comprou o Cristiano Ronaldo, quase metade do passe foi pago só em merchandising. É uma outra realidade, uma outra dimensão, a que infelizmente os clubes em Portugal não conseguem aceder. É fruto do que aconteceu noutros patamares e nós queremos de alguma maneira poder seguir essas boas práticas, mas sem esquecer a dimensão do país, de uma economia. A La Liga tem neste momento mais de 70 escritórios espalhados pelo Mundo, a divulgar a marca La Liga...

Bancada – A Liga Portugal tem um em Lisboa e outro no Porto?

Pedro Proença – Por enquanto. Mas quando saí de Lisboa para Pequim para angariar um sponsor chinês tinha a noção do que isso implicava e do que podia trazer em termos de retorno mediático a médio prazo. As coisas nem sempre se fazem à velocidade que queremos. Mas ao termos conseguido que um patrocinador chinês aposte no futebol português, que perceba que somos campeões da Europa, que temos uma marca, que a defendermos e que eventualmente eles vão tirar benefício disso, temos tudo para que as coisas corram bem.

Bancada – Se não consegue impor a centralização dos direitos televisivos, admite recorrer a outras ferramentas de nivelamento? A UEFA fala agora em limite de empréstimos. A Liga está satisfeita com a limitação de três empréstimos a cada clube e com a proibição dos jogadores defrontarem o clube-mãe? Porque a verdade é que o total de empréstimos aumentou desde essa mudança…

Pedro Proença – Essa é uma matéria que nos preocupa. Em tese, esse princípio parece-nos equilibrado nas relações que devem estabelecer-se entre os clubes, mas temos tido capacidade para nos auto-regulamentar e estamos sempre disponíveis para rever essas dinâmicas, para melhorá-las. O limite que existe deixa-nos tranquilos no que é o princípio do fair-play desportivo. Foi aprovado em Assembleia Geral, foi estrategicamente equacionado e estamos confortáveis com ele. Não significa que a determinado momento não possamos revê-lo.

Bancada – Não há aqui um excesso de credulidade acerca do comportamento dos clubes, que podem desvirtuar a competição emprestando, no limite, três jogadores a cada adversário e assegurando que defrontam sempre equipas debilitadas? Não seria mais racional limitar também o total de empréstimos?

Pedro Proença – Em tese admitimos todos os cenários. Há vários quadros diferentes, todos os países funcionam com lógicas diferentes. Mas no final temos de encontrar o equilíbrio. Porque esta política tem permitido a jovens jogadores atuar na I Liga em vez de serem relegados para campeonatos inferiores, onde não podiam ter a exposição e a competição que têm ao mais alto nível. Estes equilíbrios não são fáceis de conseguir. Mas está tudo em discussão. Achámos que os três empréstimos por clube seriam um número equilibrado, que permitiria ao jovem jogador português crescer – porque temos a noção clara de que é ao nível da formação que podemos criar valor. Temos de abrir a possibilidade de as equipas emprestarem os seus jogadores, como acréscimo ao trabalho que se faz nas equipas B, que são uma plataforma fundamental para o emergir deste jovem jogador. Temos jogadores que chegam a grandes patamares internacionais sem nunca terem passado pela equipa A. A hipótese de fecharmos hermeticamente essa possibilidade dos empréstimos também nos levaria a não dar a possibilidade de estes jogadores entrarem nas equipas seniores de outra maneira.

Bancada – A UEFA também se tem mostrado preocupada com a criação de um grupo restrito de clubes hegemónicos, não só a nível internacional mas também a nível interno. Temos já um grupo de campeões crónicos, sobretudo nos países de segundo mercado, os que metem poucas equipas na Liga dos Campeões. Preocupa-vos que esta perda de competitividade interna leve à perda de receita a longo prazo?

Pedro Proença – Preocupa. Mas temos a noção de que temos cronicamente três candidatos, com a possibilidade de um quarto, que tem feito um trabalho muitíssimo bom, que é o SC Braga. E não podemos esquecer o Vitória SC ou o Marítimo, que também têm feito um trabalho muito positivo. Mas aí falamos da mudança do paradigma que aconteceu na última década, da prevalência do poder económico sobre o poder desportivo. Há mercados secundários, como o nosso, que terão muita dificuldade em ganhar uma Champions. Porque à capacidade desportiva se sobrepuseram outras capacidades às quais o futebol português não consegue dar resposta. A aquisição de um Neymar por 220 milhões de euros é absolutamente impensável para uma equipa portuguesa. O próprio ranking da UEFA, que até há pouco tempo tinha como base apenas o rendimento desportivo, passou a equacionar também o ranking económico. Já reconhecem na hierarquização das equipas e dos países estas duas dicotomias. E temos de saber conviver com elas. Temos que continuar a fazer aquilo em que somos bons, que é a descoberta do talento, o desenvolvimento da capacidade do jovem jogador, o recrutamento. É por aí que temos de ir combatendo o poder económico de outras realidades.

Bancada – Qual é a vossa posição relativamente à possibilidade de uma SuperLiga europeia depois de 2021?

Pedro Proença – É uma realidade que não defende os interesses do futebol português. Porque nós muito dificilmente acederemos a esse grupo restrito. Se em Portugal temos três ou quatro clubes com capacidade para ir a uma Champions League, esse lote seria reduzido eventualmente a um. E vamos ver se mesmo esse teria condições para lá andar, pois dependeria da forma de licenciamento dos clubes nessa SuperLiga. Acredito que isso não seria nada benéfico para o futebol português, que não temos a capacidade económica de outras grandes Ligas.

Bancada – E estão a movimentar-se no sentido de defender essas convicções?

Pedro Proença – Sim. Há uma organização, que é a Associação de Ligas Europeias (EPFL), onde temos feito esse trabalho de lobbying junto das instâncias internacionais. Houve grandes movimentos para que isso tivesse já sucedido e a EPFL conseguiu junto da UEFA que isso não acontecesse. A SuperLiga foi adormecida face a este trabalho. Porque não defender o que é o mérito desportivo em confronto com o mérito económico não nos parece correto nem justo e não defende os interesses do futebol português.

Bancada – Tem havido muito ruído comunicacional em torno do futebol. Essa guerrilha comunicacional prejudica a indústria, mas acaba por ser o que as pessoas mais querem consumir. O que tem feito a Liga para evitar que este fenómeno aumente de proporções?

Pedro Proença – A Liga não se reconhece neste ruído, sabe que que ele é perturbador para a industria do futebol e para o retorno e o respeito que queremos que exista pelo espetáculo, pelos adeptos, pelos patrocinadores e pelo que investem. Temos apelado numa primeira fase a que exista alguma elevação no discurso, que exista bom-senso. Tentamos fazer a nossa magistratura de influência dentro daquilo que são as nossas possibilidades, percebemos que vivemos tempos em que as áreas de comunicação têm intervenção muito forte, mas tentamos que as disputas sejam feitas o mais possível dentro do campo de jogo. Relativamente ao que a Liga tem feito, temos agido na área da justiça desportiva. A última alteração dos regulamentos penaliza e muito os comportamentos desviantes…

Bancada – A questão é que esses comportamentos são cada vez menos protagonizados por dirigentes e cada vez mais por pontas-de-lança que os clubes têm para a área e que não são puníveis…

Pedro Proença – Vivemos num momento em que a comunicação se faz infelizmente muito atrás de um teclado, de uma rede social em que as pessoas não dão a cara, não se apresentam quando emitem opinião. E esta é uma dificuldade. Como podemos identificar se são os clubes que estão a comunicar? Este é um desafio que se coloca não só à Liga mas também aos próprios Conselhos de Disciplina. Quando assumi funções, em 2015, a Liga vinha de uma alteração estatutária. O modelo de governação que existia passava de um regime absolutamente presidencialista para um regime mais parlamentar, fazendo desaparecer uma figura que era o Conselho de Presidentes. Hoje existe um modelo de governação em que há a direção da Liga – que tem um conjunto de clubes – e depois um fórum onde são discutidas e aprovadas as alterações, que é a Assembleia Geral. A última alteração estatutária suprimiu um órgão fundamental, ao qual chamaria comité superior de reflexão, que daria espaço a que os presidentes dos clubes pudessem refletir sem ser nas Assembleias Gerais. Tenho a plena convicção de que se este órgão existisse conseguiríamos ter fóruns diferentes, para discutir temas diferentes e estruturais relativamente à indústria. Nesse sentido estão a ser trabalhadas pelo nosso Departamento Jurídico alterações estatutárias que eu gostava que estivessem operacionais já em setembro. Com este Comité Consultivo, muito do que é discutido nas redes sociais e na blogosfera poderia ter um fórum próprio. Acredito que é possível fazer estas pontes. Enquanto presidente da Liga  tentarei sempre fazer esta magistratura de influência junto dos presidentes. Queremos trazer a discussão para dentro da Liga para podermos diminuir o ruído.

Bancada – Mas a eficácia dessas estratégias de comunicação dos clubes passa por ter a discussão junto ao público e não dentro da Liga. É assim que se faz guerrilha...

Pedro Proença – Mas a Liga tem a obrigação de focar a discussão no fórum correto.

Bancada – Essa aproximação é muito parecida com a da Federação Inglesa de há 30 anos, que castigava quem trouxesse má publicidade ao futebol. Entretanto os ingleses trocaram essa estratégia punitiva por outra mais proativa, em que ocupam o espaço mediático com os verdadeiros protagonistas através de produtoras televisivas próprias. Já vos passou isto pela cabeça?

Pedro Proença – Sou um fã incondicional das boas práticas da Premier League, da Bundesliga, ou da própria Liga espanhola. Mas tocou num ponto fundamental. Não consigo controlar quando não tenho o poder sobre a centralização dos direitos televisivos. A UEFA trabalha as discussões estéreis de forma única porque tem a capacidade de impor que não se passem repetições de um lance que possa gerá-las. Isto é claro e objetivo. Quando não temos a capacidade de poder evitar que este produto seja trabalhado numa determinada perspetiva, quando todos os operadores têm a capacidade de fazer as suas próprias escolhas, isso cria-nos esta dificuldade. Podemos querer exercer a magistratura de influência, fechar a teia disciplinar, mas depois há o diretor de comunicação, um hacker, alguém a escrever numa rede social... Esse conceito anglo-saxónico, de que sou fã, estamos a alguns passos de poder atingi-lo. Tenho esperança de que possamos dar passos nesse sentido, porque só assim poderemos aumentar a qualidade do discurso e reduzir o ruído que sai para fora. A Liga Portugal não se reconhece nesse tipo de alinhamento.

Bancada – Já pensaram em pedir apoio ao governo?

Pedro Proença – Há espaço ainda para a auto-regulação. Acredito que a Liga tem essa capacidade. Só estamos aqui há dois anos, as nossas primeiras prioridades foram de outra ordem. Mas estamos preocupados com esses desafios e acreditamos que vamos dar passos nesse sentido, trazendo os clubes outra vez para uma discussão interna que é absolutamente fundamental.

Bancada – Vai começar a Liga, uma Liga marcada pela introdução do vídeo-árbitro (VAR). Fica feliz com isso?

Pedro Proença – Gostaria em primeiro lugar de dar os parabéns à FPF, que teve a coragem de se lançar em algo que eu diria que ainda é um projeto alfa, porque só em 2018 é que o International Board (IFAB) vai decidir definitivamente se este será ou não um instrumento a ser incluído na defesa da verdade desportiva. Parabéns à FPF porque teve a capacidade de ser arrojada neste sentido. Depois, queria deixar uma palavra de reconhecimento aos clubes, que se permitiram criar as condições para que isto fosse possível. Também a Liga criou essas condições. Vai ser extremamente positivo, seremos das primeiras ligas profissionais a ter VAR, mesmo nesta versão alfa. Temos de ter a noção de que o protocolo criado pelo IFAB concentra em apenas quatro situações objetivas os momentos de intervenção do VAR, não podemos ter a expetativa de que de repente deixará de haver discussão sobre a arbitragem. Isso não vai suceder. O VAR irá limpar o erro grosseiro. Mas há ainda critérios a ser afinados e vamos ter de passar por isso. Os árbitros portugueses têm feito um trabalho muito intenso nos últimos meses para se adaptarem as estas novas dinâmicas. E temos de nos sentir extremamente satisfeitos por termos a introdução da tecnologia para ajudar a verdade desportiva. Teremos toda a gente a olhar para nós para perceber como isto vai correr e esta notoriedade é positiva para o futebol em Portugal. Estamos muito esperançados de que este seja um mecanismo de auxílio direto aos bons árbitros que temos em Portugal e que nos permita ter pelo menos uma discussão mais elevada relativamente aos assuntos de arbitragem.

Bancada – Podíamos e devíamos ir mais longe? Copiar já a maior transparência do râguebi, por exemplo, com libertação dos diálogos entre árbitro de campo e VAR e com imagens dos lances nos ecrãs do estádio?

Pedro Proença – Esse será o fim onde vamos chegar de certeza. Eu ainda era árbitro, há uns cinco anos, e já dizia que o VAR ia aparecer naturalmente. Bastava olhar para as outras modalidades para se perceber que no momento em que o futebol tivesse esta necessidade teria de se adaptar. A introdução destes meios tecnológicos serve não só para fazer a defesa da verdade desportiva mas também para esclarecer o público que vai ao jogo, que vê futebol, que está no campo ou a ver em casa pela televisão. Mas temos de nos ir adaptando. Estes degraus vão-se subindo de forma sustentada sob pena de este projeto poder cair pela base. Este é o primeiro passo. As quatro situações que o protocolo do IFAB criou vão resultar positivamente. Estou convencido de que num espaço curto irão ser abrangidas outras. E depois terá de acontecer um esclarecimento público. Quando o futebol encontrar o equilíbrio entre os momentos de jogo e os momentos mortos que isto vai proporcionar, quando conseguir juntar a isto o esclarecimento que pode aparecer de várias formas, tudo vai acontecer naturalmente. Se calhar não à velocidade que quereríamos, mas acontecerá naturalmente.

Bancada – Como ex-árbitro, como acha que se apita sabendo que há alguém na retaguarda? Tem-se uma arbitragem mais defensiva para não se ser exposto publicamente ao erro ou mais despreocupada por se saber que esse erro será emendado?

Pedro Proença – Tem-se uma arbitragem mais confortável. Muitas vezes a perceção que tinha enquanto arbitro não é a perceção que 95 por cento das pessoas tinham através da TV. Ter alguém que pode avaliar da mesma forma que 95 por cento dos espetadores dá uma tranquilidade muitíssimo grande. Um back-up no tempo razoável de dois minutos cria condições para que os árbitros estejam muito mais tranquilos no processo de decisão. E as decisões irão melhorar.

Bancada – Um estudo que fizemos no Bancada à avaliação das tomadas de decisão pelo painel do casos.pt permitiu-nos concluir que a maior tendência dos erros de arbitragem não é para se favorecer os grandes em detrimento dos pequenos, mas sim para se favorecer a defesa em relação ao ataque. O VAR pode mudar isto?

Pedro Proença – Tenho a plena convicção de que, independentemente das indicações dadas pelo IFAB e pela FIFA para que se beneficie o ataque, quando um árbitro decide no seu subconsciente essas indicações não estão presentes.

Bancada – Têm um objetivo relativamente ao numero de espetadores para a Liga?

Pedro Proença – Sim. Em 2014/15 tivemos três milhões de espetadores na Liga Nos. Em 2015/16 esse total aumentou 7 por cento e chegámos aos 3,3 milhões. Na última época atingimos os 3,6 milhões. O nosso objetivo é chegar aos quatro milhões de espetadores antes do final do nosso mandato, em 2019. É óbvio que o nível de competitividade que tem existido nos últimos dois anos teve uma implicação direta nestas questões. Se a Liga ficar decidida muito cedo isto varia negativamente. Mas as condições que temos criado, não só de espetáculo, mas de bilhética, de acesso à bilhética, de plataformas digitais, o planeamento antecipado para que as pessoas que vêm de longe possam comprar bilhetes antecipadamente e marcar as viagens… Tudo isto são preocupações que temos tido. Há algo que vem em contraciclo à nossa vontade que tem a ver com o facto de todos os jogos da Liga Nos serem transmitidos na TV, o que significa que teremos de preencher todos os horários, de sexta a segunda-feira – e um jogo à segunda-feira à noite dificulta –, mas se conseguirmos em 2019 chegar aos quatro milhões de espetadores será uma vitória clara.

Bancada – Não vos assusta o facto de grande parte desses eventuais quatro milhões estar em três estádios apenas?

Pedro Proença – O difícil não é encher esses três estádios. O difícil é meter gente em estádios mais pequenos. Mas esse é o desafio que fazemos a nós mesmos. Estamos a trabalhar nisso, a iniciar uma politica de cash-back.  Queremos cada vez mais que as famílias vão ao estádio, que o problema da segurança – que para nós é preocupante – possa ser contrariado. Temos feito um grande investimento, não só na Liga Nos mas também na Liga Ledman. Ainda agora disponibilizamos, em parceria com a FPF, cerca de 500 mil euros aos clubes para investirem em infraestruturas, em relvados, nas cadeiras, na bilhética. E temos tido casos muito positivos de melhorias. O caso do Marítimo é um caso de sucesso extraordinário, sempre com 90 por cento de preenchimento da capacidade instalada do novo estádio. O que significa que se as pessoas tiverem condições de conforto preferem ver o futebol ao vivo do que na TV.

Bancada – Está satisfeito com os estes dois anos de mandato?

Pedro Proença – Estamos a meio de um mandato. São dois anos de quatro. Quando chegámos aqui, em 2015, tivemos a coragem de apresentar um projeto que tínhamos a noção que não se fechava em dois anos. As nossas primeiras prioridades foram prioridades básicas, que tinham de ser cumpridas. Estamos a falar de sustentabilidade. Estes dois anos foram cumpridos a 100 por cento dos nossos objetivos. E isso deixa-me satisfeito para encarar os desafios dos próximos dois anos. Tenho esperança e alguma convicção de que é possível fazer um trabalho melhor e de que, quando, em 2019, sairmos e entregarmos os resultados da nossa passagem por aqui, teremos conseguido cumprir os nossos 13 grandes eixos mas fundamentalmente credibilizar uma atividade que quando aqui chegámos não era reconhecida por ninguém. As pessoas que estão a trabalhar comigo na Comissão Executiva são pessoas que fui buscar ao mercado de trabalho com reconhecido mérito, pessoas que trabalhavam em grandes multinacionais e que aportaram experiência profissional à Liga Portugal. E se algo tem sido conseguido tem sido por esse aport de tecnicidade. Mas tenho a noção clara de que há muita coisa ainda por fazer e de que nada será feito se os clubes não construírem para essa realidade. E aqui fica a marca de água e o toque: o futebol profissional será em Portugal tudo aquilo que os clubes quiserem que ele seja. E se não existir uma contribuição coletiva por parte das SAD, o futebol profissional não evolui.

Bancada – E em 2019 é para entregar a pasta ou para correr por mais quatro anos?

Pedro Proença – É para fazer a entrega. E eventualmente lançar-me noutros projetos. Tem sido difícil, mas tem-me dado muito prazer contribuir para este projeto, porque a evolução do retorno mediático – quase 1200 milhões de euros em 2016/17 – mostra que o futebol tem tudo para dar certo. Precisa é de se organizar.