Prolongamento
O que procurava um scout da Bundesliga quando observava Eder na Académica
2018-10-15 20:55:00
O olheiro não anda à procura do melhor jogador do Mundo. Procura um perfil que corresponda aquilo que é pretendido

“Chamou-nos à atenção um jovem ponta-de-lança da Académica. Os números que apresentava não eram por aí além e tecnicamente não era dos mais evoluídos, mas apresentava uma qualidade muito importante para se jogar na Bundesliga: demonstrava um foco tremendo naquilo que era o seu papel e fazia-o todos os jogos e o jogo todo.” Foi desta forma que Nuno Félix, scout internacional, recordou, ao Bancada, os dias em que trabalhava no departamento de scouting do Hannover 96 com a missão de observar Eder.

Isto serve para explicar algo muito simples: um olheiro que não trabalhe para o Manchester City ou Manchester United, por exemplo, tem de ter presente que não vai encontrar o melhor jogador do Mundo para a posição que pretende ver preenchida. Está, sim, a procurar um determinado perfil de jogador que corresponda aquilo que é pretendido. E era dentro desta linha que Eder encaixava naquilo que o Hannover via como prioritário. Um jogador focado no seu papel independentemente do contexto emocional que pontualmente afete o decorrer das partidas.

“O Eder no seu estilo um bocado atabalhoado e às vezes até um bocado naive que perdia bolas que não devia. Mas o Eder demonstrava um foco tremendo naquilo que era o seu papel, que era marcar golos, mas era uma demonstração de foco que durava o jogo todo e em todos os jogos.

Ele jogava numa equipa que lutava para não descer e notava-se que o Eder, mesmo a perder por 2-0 aos 80 minutos, e não sendo ele um líder, dava o exemplo de abnegação e luta. Sempre muito focado. Nunca entra em desespero. É um pouco imune ao que se passa ao redor dele. Mantém o mesmo comportamento até ao fim do encontro e os jogos todos.

E os jogos na Alemanha são jogos com resultados incertos quase até ao apito final. São jogos com muitas transições, um campeonato muito nivelado. O que é que procuras? Procuras jogadores com este tipo de comportamento.”

Porque talvez até nos tivéssemos cruzado com jogadores com mais golos do que o Eder e até mais evoluídos tecnicamente, mas não nos garantiam um foco total durante os 90 minutos.”

A transferência de Eder para o Hannover acabou por não se concretizar. O SC Braga intrometeu-se na corrida pelos serviços do atacante e acabou por ficar com o jogador, então com apenas 24 anos de idade. Depois de três temporadas em Braga, Eder acabou por se transferir para Premier League, onde esteve ao serviço do Swansea durante meia-temporada, tendo sido emprestado, pelo clube inglês, ao Lille OSC, da primeira liga francesa. Em França esteve duas temporadas até se transferir para o Lokomotiv Moscovo, onde viria a ser um dos jogadores fundamentais para a conquista do título russo.

Serve o exemplo de Eder para explicar que a tarefa de encontrar um jogador para uma determinada equipa é muito mais do que apenas encontrar “bons jogadores”. É saber perceber o contexto e encontrar perfis que se possam adequar.

 

Um aquecimento que mostrou um capitão pouco líder

Estivemos também à conversa com Abdul Ahad, licenciado em Direção Técnica de Futebol e em Análise e Scouting de Jogadores profissionais e o proprietário da Royal Platinum Eleven Sports Group, uma empresa de assessoria desportiva especializada em gestão de carreiras de jogadores e treinadores de futebol, que nos revelou  alguns dos aspetos mais importantes do curso de scouting dirigido por Colin Chambers - chefe do departamento de prospeção do Middlesbrough FC - em Penafiel. Ficámos a saber que é fundamental o período de aquecimento, como também são os momentos após o apito final do árbitro: "Esses momentos dizem muito sobre o jogador, o atleta e o homem".

Apesar de ser de opinião de que o “comportamento competitivo” é o mais importante, ou seja, o tempo entre o apito inicial e o final de um jogo, Nuno Félix concorda que pode haver indicadores comportamentais que se evidenciam, por exemplo, no período de aquecimento das equipas, antes das partidas.

“Já me aconteceu ter mudado a ideia em relação ao caráter de um jogador antes do jogo começar. O jogador era capitão da equipa e com estatuto de internacional. Eu tinha a ideia de que este jogador era um líder nato. Mas ao ver este jogador naqueles mecanismos de motivação antes do jogo percebi que esta liderança era forçada e o que até acabava por limitar este jogador.

Mas o que dou mais importância é ao comportamento em competição. Perceber como lidam quando as coisas não correm bem. Perceber se são jogadores que começam bem o jogo, mas que depois baixam os níveis de concentração ou se, pelo contrário, são jogadores que vão ganhando foco à medida que o jogo avança.”

 

Jamie Vardy? É para assinar já

Voltámos à conversa com Abdul Ahad e aos ensinamentos do curso de scouting da International Professional Scouting Organisation (IPSO) para aprendermos mais alguns aspetos sobre a observação de jogadores. Ficámos a saber, por exemplo, que o ideal é começar uma observação sem qualquer informação prévia sobre o jogador em questão: "Nunca se faz a observação de um jogador com informação prévia. Normalmente sabe-se apenas o nome do jogador e a posição, mas muitas vezes nem a função do jogador se deve saber", referiu Abdul, que revelou, ao Bancada, excertos de um relatório de Colin Chambers de quando o Middlesbrough FC andava de olho em Jamie Vardy.

"O Colin observou o Vardy, pela primeira vez, a 24 de outubro de 2011 e no relatório escreveu: 'Jogador com bom físico. Ombros largos. Muita força de tronco o que lhe permite ganhar muitas jogadas a defesas altos e fortes'. E no final escreveu: 'Continuar observação'. A segunda observação foi feita a 13 de novembro e no final do relatório escreveu: 'É para assinar'". A verdade é que o Middlesbrough deixou fugir Jamie Vardy, que acabou por assinar pelo Leicester City e o resto é história.

Estes são dois exemplos de observações a jogadores que por diferentes razões marcaram uma era. O primeiro marcou o golo decisivo que valeu a Portugal o inédito título de Campeão da Europa, num contexto de total adversidade. Eder era o “patinho feio” de uma equipa de defrontava um adversário teoricamente mais forte e em sua casa. O segundo liderou uma equipa de terceiro plano do futebol inglês à conquista da Premier League num “conto de fadas” absolutamente fantástico.

Mas há quem diga que o lado mais romântico do scouting não está nos dois exemplos que acima referimos. Quando se fala em olheiros, em Portugal, vem-nos imediatamente à cabeça a figura de Aurélio Pereira. O homem que montou uma estrutura de prospeção que descobriu jogadores como Figo, Paulo Futre, Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma e outros, muitos outros. Quisemos tentar perceber como se descobre o talento em crianças que ainda nem 12 anos fizeram e Nuno Félix deu-nos uma luzes, mesmo que tenha alertado para o facto de não ser esse o seu campo de especialidade.

O que destaca um miúdo dos demais

“Jovens atletas que têm relação com a bola acima da média. Velocidade de decisão e um pensamento, ou uma noção de tempo e de espaço, que pareça mais claro. O que se chama de visão periférica. Resolver situações com bola em espaços mais curtos.

Ter a bola sem olhar para ela. Isso dá-lhes logo uma grande vantagem em relação aos outros.

Outra coisa que se destaca, nos miúdos, é a capacidade de antecipação. Capacidade de leitura de espaços, de tempos, de trajetórias da bola. Isso são aspetos que podem fazer destacar um miúdo.

Por vezes até se encontram miúdos que fazem muita coisa errada, perdem muitas bolas e tal. Mas se se reparas que andam numa rotação acima são sempre miúdos a ter em atenção.

Quando por vezes encontramos miúdos que se destacam pela sua concentração competitiva. Aqueles miúdos que conseguem estar permanentemente ligados ao jogo, mesmo que não sejam eles a brilhar. Miúdos que contribuem para o jogo em todas a circunstâncias. Miúdos que estão sempre a reposicionar-se e a olhar em volta.”

Não se deve tomar muita atenção

“Deixar um pouco de lado o aspeto físico. Não pôr de lado miúdos mais franzinos e mais baixos, ou até miúdos que possam ter um bocado de peso a mais.

Não pôr de parte um miúdo por questões comportamentais. Não pôr de parte um miúdo que reclama muito ou que é mais agressivo. Porque estas coisas podem ser trabalhadas e se forem bem canalizadas podem tornar-se vantagens.”

Muito mais fica por dizer sobre scouting e prospeção. Áreas ainda pouco aproveitadas, em Portugal, pelos clubes, que preferem sustentar o futuro na boa vontade de empresários e nas relações que mantém com agentes de jogadores.