Grande Futebol
O pesadelo sueco de Luís Pimenta e as acusações de bullying, sexismo e racismo
2018-09-17 21:30:00
Um artigo com fonte anónima deu a conhecer uma suposta liderança baseada no medo que Luís Pimenta desmente.

No futebol, como na vida, tudo muda numa questão de dias, semanas, meses. Luís Berkemeier Pimenta que o diga. Em abril passado foi destacado pela revista Four Four Two como um dos técnicos mais promissores do futebol mundial e, ao Bancada, traçou não só os objetivos a curto prazo do IF Brommapojkarna, bem como os próprios objetivos de carreira de um jovem técnico português que ia fazendo carreira pela Escandinávia. Agora, Luís Pimenta vê-se no meio de uma trama quase cinematográfica onde um grupo de jogadores anónimo o acusou de bullying, racismo, sexismo e de abuso de poder e de instituir uma cultura de medo ao ponto de ter acabado afastado do comando técnico do clube da primeira divisão sueca. Acusações que refuta.

“Será possível defenderes-te a ti próprio contra impropérios, rumores anónimos, situações retiradas de contexto, situações e discussão, bem como da interpretação jornalística de chavões linguísticos? A tarefa é quase impossível, mas neste contexto abrasivo não tenho outra hipótese do que tentar”, desabafou Luís Pimenta no início do comunicado que, entende, coloca os pontos nos “i’s” e devolve os factos a uma situação da qual foram retirados. Acusado por um grupo de jogadores anónimos, que publicaram a sua versão do ambiente vivido no BP sob a orientação de Luís Pimenta num dos meios de publicação suecos, de racismo e de utilização da palavra “nigger”, o técnico português rejeita que alguma vez a palavra tenha sido utilizada por si e evoca o seu historial profissional para o justificar.

“A tal palavra começada por ‘n’ nunca foi utilizada por mim pessoalmente. Nunca um comentário depreciativo foi feito por mim no que toca a questões de etnia, nacionalidade ou origem de alguém. Uma simples pesquisa acerca do meu passado mostrará que tive trabalhos, durante vários anos, em projectos de integração social com crianças dos mais variados backgrounds e status sociais, tal como o trabalho que realizei para as escolas de futebol do Manchester United em Lisboa ou na Bhaichung Bhutia Football Schools em Nova Deli.

O mesmo grupo de jogadores acusa ainda Luís Pimenta de “sexismo” e de utilizar expressões que diminuem o sexo feminino e aproximam ainda o técnico português da homofobia. Expressões como “ter tomates” ou “não sejas maricas”, em particular. Luís Pimenta diz não rejeitar que as mesmas tenham sido utilizadas, mas que as mesmas devem ser integradas num contexto muito específico e cuja tradução não pode nunca ser literal ou retirada do contexto futebolístico.

“Sim, admito que usei as palavras ‘tomates’ e ‘maricas’. Neste aspecto, uma humilde auto avaliação leva-me a entender que as duas expressões foram usadas em inglês ‘having the balls’ e ‘being a pussy’, e palavras como essas, mas quando traduzidas diretamente para sueco, têm um significado totalmente diferente e uma conotação sexual implícita. Contudo, na língua inglesa, que nós usamos em todas as sessões de treino, reuniões e discursos no balneário, o significado é puramente relacionado com bravura e coragem e a apresentação feita aos jogadores foi clara na ideia de “fazer o adversário passar um mau bocado”, bem como ‘sem vontade de melhorar, ajudar a equipa, ser bem sucedido e conquistar’, respetivamente”, assegura Luís Pimenta.

“Em qualquer balneário a nível profissional e sénior, seja na Suécia ou a nível mundial, as mesmas expressões são utilizadas frequentemente e sem qualquer conotação ou interpretação sexual possível e, naturalmente, sem qualquer intenção de discriminação sexual. Sim, ‘balls’ é calão para testículos e ‘pussy’ é uma palavra feia para definir os genitais femininos. Porém, o termo ‘ter tomates’ é utilizado tanto para homens como para mulheres, significando ter uma grande coragem ou ser bravo. E ‘being a pussy’ é um chavão utilizado frequentemente para definir falta de coragem. Tão simples como isso, apesar de entender que se alguém quiser muito, pode entendê-lo de forma diferente. Neste caso, ambas as expressões foram retiradas totalmente de contexto e amplamente distorcidas”, pode ainda ler-se no comunicado do técnico português.

As acusações do tal grupo de jogadores falam ainda em abuso de poder por parte de Luís Pimenta e do técnico português ter uma posição autoritária e uma atuação vingativa e militar ao ponto de criar uma hierarquia dentro do plantel, instituir uma política de medo e de incutir uma filosofia de silêncio no clube. O técnico português defende que a análise tem de ser feita coletiva e individualmente. “Coletivamente, todas as práticas realizadas no BP, tais como remover ou adicionar folgas, fazer trabalho de corrida durante uma sessão de treinos, fazer sessões de treino duplas num dia ou analisar jogos com exercícios de auto avaliação, são de prática habitual em qualquer equipa de futebol. Se nos cingirmos a factos, numa perspetiva de duas partes e não apenas uma, tal como o artigo publicado não o fez, os números são claros: após a pausa de verão, foram adicionados quatro dias de folga ao calendário inicial que, já de si, é composto por folgas habituais. Nenhuma delas foi retirada. Individualmente, existiu apenas um caso em que foram tomadas medidas excecionais durante a temporada por parte do clube, e com as quais concordei, que surgiram no seguimento de um conjunto sucessivo de comportamentos indesejados por parte de um dos nossos jogadores e que foram necessárias para proteger o restante grupo”, assegura Pimenta.

Com o comunicado que publicou, Luís Pimenta não quer fazer um ataque à imprensa pelo artigo publicado, mas, sim, devolver factos a um artigo que considerou enviesado. “Infelizmente, este caso colocou o clube, os fãs, os patrocinadores, os jogadores, treinadores e restante staff numa situação complicada. Fico feliz que o clube tenha levado o assunto a sério e iniciado um processo de averiguação imediatamente de forma a colocar todos os factos de forma correcta em cima da mesa”, afirmou o técnico, que mais tarde aludiu ao ditado português “a verdade é como o azeite e vem sempre ao de cima”.

Emitido a três de setembro, depois do artigo ter sido publicado a 31 de agosto, o comunicado de Luís Pimenta não impediu o clube de dispensar o técnico português, com o anúncio a surgir no site oficial do BP no dia quatro de setembro. “Depois do Aftonbladet ter publicado o artigo acerca do BP, o clube iniciou desde logo uma investigação ao assuntos tornados públicos. A investigação confirma parte do conteúdo publicado, partes que juntas tornaram claro que a equipa técnica não reúne mais a confiança do grupo de jogadores ou da direção, pelo que o clube iniciou um processo de rescisão com os mesmos. Agradecemos a investigação conduzida pelo Aftonbladet. O clube não aceita e afasta-se liminarmente do modelo de liderança descrito no artigo e identificado pela investigação feita. A nossa investigação da situação irá continuar”, publicou o clube no seu site oficial.

A posição oficial do clube, porém, não se ficou por aqui e no dia seguinte ao comunicado emitido no seu site oficial, Daniel Majstorovic, antigo internacional sueco e atual diretor desportivo do BP, recusou que alguma vez tenham existido casos de racismo no clube sob a orientação e liderança de Luís Pimenta, com o antigo defesa central a garantir que se alguma situação semelhante tivesse acontecido no clube, ele próprio já se tinha afastado do cargo que ocupa. Majstorovic desmente ainda que, tal como surgiu na acusação, Luís Pimenta tenha recorrido a clips de vídeo a explorar o uso de droga, tendo-se demitido do cargo de diretor desportivo no dia em que publicou a entrevista ao jornal Expressen como forma de apoio público pela forma como Luís Pimenta veio a ser "atacado".

Majstorovic, não desmente a utilização da palavra “nigger” durante uma sessão de treino do clube, mas não proferida por Luís Pimenta mas sim por um outro técnico da equipa. “É claro que é uma palavra totalmente inaceitável e ninguém deve chamá-la a quem quer que seja. Não importam as circunstâncias em que a mesma possa ter sido utilizada, não é correto utilizar expressões semelhantes. Não concordei que tivesse acontecido, apesar de não ter estado presente. Mas soube mais tarde e depois disso o treinador arrependeu-se de o ter dito, pediu desculpa ao jogador em questão e a todo o grupo e todos seguiram em frente”.

“Ao longo da minha carreira profissional, fosse em equipas suecas, no estrangeiro ou na seleção nacional, conheci treinadores de diferentes tipo. Alguns mais duros, outros mais afáveis e outros ainda num posição intermédia. No caso de Pimenta, apenas posso falar do que vejo e relacioná-lo com o que vivi e falei com a direção e restantes jogadores. Nunca algo surgiu ou alguém me falou de qualquer tipo de comportamento desaconselhado. Num grupo de jogadores, num plantel de 23 ou 25 jogadores, é óbvio que nem todos estão satisfeitos. Neste caso, houve de facto alguns jogadores que expressaram o seu descontentamento por não jogarem tanto quanto gostariam discordando das opções técnicas de Pimenta. Houve apenas um jogador que veio falar comigo e disse ter dificuldade em trabalhar com Pimenta. Depois de um período de reflexão chegamos à conclusão que o melhor para o clube era libertar o jogador”, explicou ainda Majstorovic.

“Nenhum jogador alguma vez veio ter comigo e afirmou que Pimenta tinha uma liderança baseada em sexismo, racismo ou bullying. Como disse, apenas falaram comigo acerca do descontentamento relacionado com o pouco tempo de jogo que tinham. Não fui informado que algum jogador tenha falado sobre isso diretamente com a restante direção, isso só eles podem saber”, disse ainda o diretor desportivo do BP que assegura que em momento algum, em alguma reunião da direção do clube, a liderança de Pimenta tenha sido questionada.

Ao jornal Expressen, Majstorovic assegurou ainda não existir qualquer tipo de cultura de medo ou silêncio no BP. “No BP existe 0% de uma cultura de silêncio. Tudo deve ser transparente e o mais jovem dos jogadores tem exatamente o mesmo tipo de direitos do mais velho. Faz parte da identidade do clube. Sempre fui disponível e afirmei que se há algo de que os jogadores não gostam, isso deve ser discutido. Um dia tive uma reunião com o capitão de equipa, o Gustav Sandberg-Magnusson e ele afirmou que o grupo tinha perdido a confiança no treinador. Respondi que agradecia que me tivesse informado, mas pedi que os jogadores se concentrassem no jogo frente ao Malmö e que lutassem pela vitória que isso era o mais importante naquele momento e depois sim resolvíamos as questões relacionadas com o treinador. No dia seguinte, surgiu o artigo”. Então nenhum jogador alguma vez alarmou para a liderança de Pimensa baseada no bullying, racismo e sexismo? “Não, nunca em momento algum. O centro de treinos é um lugar aberto a todos. Qualquer um pode vir cá ter, observar e ouvir tudo o que fazemos e a forma como treinamos”, assegurou Majstorovic.

Majstorovic considera que o despedimento de Luís Pimenta acabou por ser necessário dada a perda de confiança do grupo no treinador, mas não devido às acusações surgidas na imprensa sueca relativas ao comportamento do técnico português. “Tomos aprendemos uma lição com isto e temos de trabalhar para melhor no futuro. Mas é preciso deixar claro que em momento algum existiu alguma forma de racismo ou sexismo no clube. Se isso tivesse acontecido à minha frente, eu próprio já me tinha despedido. Neste momento estamos a lutar pela manutenção e é importante que nos mantenhamos na primeira divisão, mas o fundamental é isto: o BP é um clube para todos, independentemente da origem ou género. E essa é a cultura que iremos continuar a defender e a construir no futuro”.

Um futuro no qual, tal como refere Luís Pimenta, toda a verdade virá ao de cima.

Artigo atualizado às 22h30 corrigindo imprecisões e erros de tradução que podiam levar a um entendimento errado de toda a situação