Opinião
O barulho e as luzes
2017-11-22 14:00:00
"Nesta temporada, Sérgio Conceição tem sido o "MVP" da comunicação no futebol português"

Vale a pena ir à casa do Besiktas para ouvir um jogo de futebol. Ouvir, assim mesmo, porque o barulho dos cânticos ultrapassa em decibéis a sinfonia desarrumada de um martelo pneumático, enquanto transporta para o relvado uma paixão que chega a emocionar.

Seria importante guardar todos estes sons, colocá-los a salvo numa Arca de Noé do barulho futebolístico, onde poderiam ser depositados, para a posteridade, outros ruídos bons: os cânticos de Celtic Park e Anfield Road, o hino do Sevilha e o clamor arrepiante dos "hinchas" (adeptos) do Boca Juniors e do River Plate.

Também lá caberiam "A Portuguesa", cantada em dia de jogo da Seleção Nacional, o hino da equipa da casa antes de um grande clássico em Alvalade, no Dragão ou na Luz, mas também aquela versão de uma música de Rod Stewart que as bancadas do Estádio D. Afonso Henriques entoam com o coração, antes dos jogos do Vitória Sport Clube de Guimarães.

Talvez seja melhor guardar tudo isto em lugar seguro e esperar que um dia destes a parte boa do jogo consiga voltar a abafar o ruído diário das queixas, das acusações, dos ´tweets´ e dos comunicados.

Além do barulho dos adeptos do Besiktas, o jogo do FC Porto em Istambul mostrou luzes, indicações seguras em relação ao caminho a seguir por todos aqueles que gostam do futebol que emociona e arrebata. Estava o jogo a acabar quando os adeptos portistas iluminaram com muitas palmas a substituição de Ricardo Quaresma por Álvaro Negredo. Depois do apito final, Aboubakar celebrou um reencontro intenso com os adeptos turcos, os mesmos que há um ano celebravam os golos do avançado camaronês no Besiktas.

O futebol português pode conseguir ter mais disto e ter menos polvos, apitos e processos. Mas para isso é preciso que alguém aponte os erros e possa dar o exemplo. Aconteceu em Istambul, quando Sérgio Conceição disse que o clima é de exagerada suspeição em relação ao trabalho dos árbitros e quando prometeu uma saída do "casulo", para deixar que os jogadores falem sobre futebol, porque são eles que marcam ou evitam os golos que alimentam este desporto.

Já não é a primeira vez que Sérgio Conceição sai dos trilhos da normalidade discursiva e demonstra que corre em pista própria, sem estratégias subliminares e sem uma agenda que não a própria e a dos jogadores que dirige. Estes meses de trabalho no FC Porto já desmentiram todos aqueles que achavam que um possível discurso inflamado e uma alegada inconstância emocional poderiam ferir as reconhecidas capacidades técnicas do sucessor de Nuno Espírito Santo no banco portista.

Nesta temporada, Sérgio Conceição tem sido o "MVP" da comunicação no futebol português e a forma desassombrada como tem conseguido gerir as pequenas crises (da entrada de Aboubakar no balneário do Besiktas à troca de Casillas por José Sá) fazem adivinhar que esse título já está praticamente entregue.