Grande Futebol
O assassínio de um herói pelo traidor Hakan Sükür
2018-02-18 14:00:00
Hakan Sükür, figura história do futebol turco, caiu em desgraça, foi acusado de traição e teve de fugir do país.

No futebol, ao longo dos anos, muitos caíram, mas poucos caíram com o estrondo como o fez Hakan Sükür. De herói nacional a traidor da pátria poucos anos passaram. Do tudo ao nada, pouco tempo passou. De autor do golo mais rápido da história dos campeonatos do Mundo de futebol a viúvo refugiado, poucos anos passaram. A história de Hakan Sükür é a história de um ídolo caído em desgraça. De como até os Deuses, ou semideuses do futebol, estão sujeitos às mesmas leis e justiças do homem comum. Ao longo dos anos muitos caíram. Poucos, ou algum sequer, caiu como caiu Hakan Sükür.

Daegu, junho de 2002. Num surpreendente jogo de atribuição de terceiro e quarto lugar para o Mundial 2002, Coreia do Sul e Turquia procuraram fazer história e conseguiram-no. Qualquer que fosse o desfecho seria histórico, é certo, mas, naquela noite, mais do que o terceiro lugar inédito na maior prova futebolística a nível Mundial, o encontro entre Coreia do Sul e Turquia ficou marcado pelo que seria, ainda hoje, o golo mais rápido da história dos Mundiais de futebol. Hakan Sükür, a décimas de segundo da primeira dezena deles, colocou a Turquia a vencer 1-0. O desenrolar da partida, vencida pela Turquia por 3-2, perdeu desde logo relevância. História tinha sido feita.

O golo de Sükür frente à Coreia do Sul foi um dos 51 que o antigo avançado apontou pela seleção turca, registo que tornou Sükür no jogador com mais golos na história da seleção turca. Sükür era um herói nacional. Um ídolo. Um semideus do futebol. O Kral, o Rei, o Touro do Bósforo. Sükür teve o Mundo a seus pés. Qual Ícaro, caiu. E, já se sabe como diz o povo, quanto mais alto se voa… Anos volvidos e acusado de traição, rebelião e insulto ao governo de Erdogan, divorciado/viúvo, Sükür vive hoje exilado no Estados Unidos e, se um dia decide voltar à Turquia, enfrenta a possibilidade de prisão perpétua e, até, pena de morte.

Julho de 2016. Uma tentativa de golpe de estado toma lugar na Turquia com o objetivo de destituir Recep Tayyip Erdoğan da sua posição de presidente do país. O golpe falha e a perseguição aos autores, possíveis autores, cúmplices, todo e qualquer ser que a ele possa ter estado ligado, torna-se prioridade número um do líder turco. Entre eles, acusou o governo turco, está Hakan Sükür e o antigo ídolo e herói nacional do país tem agora um mandato de captura sobre si que o obrigou a exilar-se nos Estados Unidos para evitar as penas máximas que um criminoso pode sofrer. “Sükür é acusado pelas autoridades judiciais da província de Sakarya, a leste de Istambul, de estar envolvido na organização liderada por Fethullah Gulen, exilado nos Estados Unidos, e apontado por Ancara como o organizador da intentona militar”, escreveu-se pela imprensa semanas depois do episódio. Sükür passou a ser acusado de pertencer a um grupo terrorista armado e não fosse a fuga para os Estados Unidos logo após a tentativa de golpe de Estado e o ídolo podia agora estar numa situação bem distinta.

Sükür, Gulen e Erdogan… A história entre os três é antiga, rica e não se resume a uma tentativa de golpe de estado e destituição do governo turco. É muito mais profunda que isso. Se o casamento de um homem é suposto ser um dos dias mais felizes e memoráveis da vida do mesmo, para Hakan Sükür, foi o início da sua ruína. Lado a lado, com Sükür e futura esposa, estavam Gulen e Erdogan. Testemunhas do matrimónio. Amigos. A mulher com a qual Sükür casou naquele dia morreu mais tarde no terramoto de 1999 que vitimou milhares na zona de Izimit e Istambul, numa altura em que o matrimónio até já tinha terminado em divórcio.

Não se sabe o que motivou a traição, mas, durante anos, Sükür foi aliado de Erdogan e membro do partido conservador liderado pelo presidente turco. Depois de se ter reformado da vida futebolística, Sükür enveredou pela carreira política precisamente como membro do AKP, pelo qual chegou a ser deputado no parlamento turco. A relação com Gulen - de quem outros desportistas, como Enes Kanter, por exemplo, são seguidores -, porém, nunca arrefeceu e quando o partido de Erdogan decidiu encerrar várias escolas detidas por Gulen, Sükür abandonou o AKP e tornou-se deputado independente. Estávamos já em 2013 e a decisão do antigo internacional surgiu numa altura em que declarações polémicas do mesmo, assumindo-se como albanês e não turco, já tinham abalado o país. Sükür estava em espiral descendente e em 2016 tudo ficou pior. Ainda antes das acusações de traição, tentativa de golpe de estado e afiliação a grupos terroristas armados, já Sükür havia sido acusado e considerado culpado de insultos ao governo turco feitos em redes sociais.

Como caiu o antigo ídolo. Em julho de 2016 foi então acusado de envolvimento num golpe de estado que acabou com a morte de 300 pessoas, 120 mil desempregados e mais de 50 mil detidos, entre os quais, o pai de Hakan Sükür. O próprio tem um mandado de captura com o seu nome, mas a fuga para os Estados Unidos evitou que, até agora, o antigo internacional turco fosse detido e julgado. A Sükür foi dada a possibilidade de renunciar a Gulen e garantir aí a liberdade e segurança, porém, rejeitou. Sorte que não teve o pai. Selmet Sükür foi detido numa mesquita dias depois da tentativa de golpe de estado e, alegadamente, faleceu devido a um cancro, já depois dos bons e dinheiro da família Sükür terem sido confiscados, dinheiro que terá sido usado em parte para financiar a tentativa de golpe de estado falhada.

Acusado de traição, Hakan Sükür, antigo herói nacional, caiu em desgraça. Abandonou o país onde apenas conseguiu ser feliz (recordem-se as passagens falhadas por Inglaterra e Itália) e, mais que isso, o país onde conseguiu ser feliz abandonou-o. No Museu do Futebol Turco, nem vestígios da presença daquele que é, ainda hoje, o melhor marcador da história da seleção turca, do três vezes vencedor do prémio de melhor marcador da liga turca e do homem que liderou o Galatasaray a oito títulos nacionais e a cinco Taças da Turquia. Não restam vestígios do homem que, em 2000, levantou a Taça UEFA ao serviço do Galatasaray. Do homem que é, ainda hoje, o marcador do golo mais rápido de um campeonato do Mundo de futebol. Esta é a história da queda de Hakan Sükür. O assassínio de um herói pelo traidor Hakan Sükür.