Prolongamento
“Guerra norte e sul” e uma “bola de neve” que atingiu a Distrital de Aveiro
2017-12-10 22:25:00
Qualidade acima da média despoletou muita competitividade e rivalidades, que escalaram para casos de violência

De distrital só o nome. A qualidade dos jogadores é acima da média e muitas das equipas poderiam estar a competir no Campeonato de Portugal, garantem-nos. Dizem-nos mesmo que o Campeonato Safina está ao nível das principais divisões distritais de Lisboa ou Porto. A recente mudança do cenário competitivo a nível nacional contribuiu para alguns “reencontros” de rivais que fizeram reacender a “guerra norte e sul”. Não a que abalou, outrora, os Estados Unidos, mas, sim, a do distrito de Aveiro. Não pensem que por ali é tudo à base de ovos-moles. “Sempre houve a polémica de que os árbitros beneficiam mais os clubes do norte do distrito”, contam-nos.

A isto junta-se o mediatismo aliado ao reerguer do histórico Beira-Mar, o clube que “todos querem vencer”, explicam-nos. Pelo meio existem claques. Muitas. Quase em todos os clubes do campeonato. Algumas chegam mesmo a interferir em decisões técnicas, confidenciam-nos. O principal campeonato do distrito de Aveiro vive dias intensos, com vários clubes históricos a nível nacional a lutarem pela subida. Há tensão nas bancadas, que chegam a ter jogos com 10 mil adeptos. E nas últimas semanas tudo escalou para episódios de violência.

Há quem aponte o dedo aos três principais candidatos: Lusitânia Lourosa, que segue líder destacado, União de Lamas e Beira-Mar, que dividem o terceiro posto. Todos eles já foram notícia. Ora são as invasões de campo, agressões a árbitros ou jogadores a agredirem adeptos e vice-versa. Também já existiu um caso a envolver um jogador e forças de autoridade, mas asseguram-nos que foi um ato isolado e que o clima fervoroso que se vive por ali deve-se, essencialmente, aos tês clubes já mencionados. O Beira-Mar, de Aveiro, mais a sul. O Lourosa e o Lamas, mais a norte, separados por apenas dois quilómetros.

A culpa é da qualidade, asseguram-nos. Também dos árbitros ou dos exemplos que surgem a nível nacional, apontam. Assim como do “amadorismo” organizacional, lamentam. A tecnologia, a internet e a maior visibilidade atual também ajudam, frisam. Enfim, uma verdadeira “bola de neve”, fruto de uma competitividade extrema e nunca vista. Uma “bola de neve” que tem crescido a olhos vistos e que muitos desejam que termine rapidamente. Há jogadores que o pedem. Há adeptos do Beira-Mar envergonhados com o sucedido. Este talvez fosse um cenário que muitos pudessem antecipar, mas a Associação local, que uns criticam e outros elogiam, demorou a agir, sendo agora obrigada a reagir – vai impor o policiamento obrigatório nos jogos. E está a pagar o preço da… evolução, resumem-nos.  

Da Primeira Liga diretamente para a distrital

Fomos, então, de norte a sul, fazer um tour pelo distrito, não para perceber de quem tem sido a culpa dos episódios que têm manchado o futebol local, mas para entender o fenómeno desportivo e social ali vivido. Ponto prévio. Não julguem que esta conversa da competitividade é tanga. Uma das provas é o facto de os dois últimos campeões distritais de Aveiro serem líderes das respetivas séries no Campeonato de Portugal – o Recreio de Águeda, campeão em 2016, lidera a Série C e o SC Espinho, campeão em 2017, lidera a Série B. A outra é o facto de Artur, médio de 33 anos que na última época esteve na Primeira Liga ao serviço do FC Arouca, ter reforçado o Beira-Mar esta época.

“Basicamente, a razão disto tudo é o facto de termos um campeonato super competitivo, com equipas muito, muito boas”, começa por dizer-nos Ângelo Valente, responsável pela comunicação do Beira-Mar. “Muitas das equipas do distrital de Aveiro podiam estar no CNS a lutar pela subida. Esse aumento de crédito faz com que as pessoas gostem de ir ao futebol. O Lourosa e o União de Lamas jogaram o ano passado e não tinham ninguém a ver. Este ano tinham a casa cheia. Quero acreditar que isto acontece por causa do desporto, do lado competitivo e do nível incrível que o futebol tem aqui na região. Depois, os regionalismos e o clima de guerrilha que se cria também faz juntar mais as pessoas pela causa”, admite.

Com muitos anos de Beira-Mar no currículo, mas atualmente a cumprir funções técnicas no União de Lamas, Dinis Resende corrobora esta ideia de uma subida qualitativa no futebol regional. “O futebol distrital já não tem as mesmas características que tinha há dez anos. Com algum mérito da AF Aveiro, o futebol distrital teve um salto qualitativo e quantitativo que já não se via há alguns anos. Isso trouxe uma espécie de semiprofissionalismo. Antigamente treinava-se três vezes por semana, agora treinam todos os dias. Os jogadores têm uma formação que não tinham. Os treinadores também deram um salto na formação. Isso tem sido refletido na qualidade do campeonato”, salienta ao Bancada o antigo central auri-negro.

“Conheço bem a Divisão de Honra de Lisboa e estamos a esse nível. Temos um campeonato bem forte. Arrisco-me a dizer que neste momento estamos ao nível de Lisboa, Porto e Braga, por exemplo”, compara Cristiano Videira, coordenador do futebol de formação do Alba, clube que segue no 13.º posto do campeonato e mais longe da luta “especial” pelos lugares cimeiros. Um lugar à frente está o Vista Alegre, de Ílhavo, esse, sim, um rival local do Beira-Mar. É lá que joga Guilherme Matos, que reforça esta ideia de muita competitividade. “As equipas têm muitos bons jogadores, metade dos plantéis têm jogadores que no ano passado jogavam no CNS. São todos jogadores muito competitivos. Se os resultados não aparecem, acaba por levar a estes atritos”, explica-nos o médio formado no Benfica.

Luís Sá, diretor do líder Lusitânia Lourosa, também alinha pela mesma ideia. “Estamos a falar de um campeonato fortíssimo, com atletas que já estiveram na Segunda Liga e CNS. Com a FPF a reduzir ainda mais os quadros competitivos no CNS não vai haver lugar para todos nos nacionais e quem paga são os distritais. Subir só uma equipa por época é pouco para a qualidade que existe. A distrital de Aveiro é igual ou melhor à de Lisboa e Porto”, assevera.

“O facto de acabarem com a terceira divisão nacional também ajudou a este cenário, obrigando algumas equipas semiprofissionais a virem para o distrital. Isso tornou o campeonato mais competitivo e renhido. É uma pescadinha de rabo na boca. Esta competitividade atrai gente e as pessoas voltaram ao futebol distrital. Na distrital há equipas tão boas ou melhores que no CNS. Há muitas equipas que de distrital não têm nada. Há clubes que só muito esporadicamente andaram na distrital. Eram clubes de nacional e trabalham ao nível da nacional. Tudo isto veio dar uma competitividade que nunca houve”, frisa Dinis. Neste ponto todos se entendem. Parece que estamos mesmo na presença de uma das divisões mais fortes de cariz distrital. Mas será só essa a razão de todo este clima?

A guerra norte e sul e os vizinhos do norte

Se a competitividade é o fator agregador, o mesmo não se passa no que diz respeito às rivalidades. Há quem diga que sempre existiu este clima. Há quem fale numa escalada da tensão nos últimos anos. “A nível local nota-se muita rivalidade nos jogos do Beira-Mar, principalmente agora que está cá em baixo”, adianta Simão Santana, jovem adepto dos aveirenses. “Qualquer equipa que jogue contra o Beira-Mar é o equivalente a quando as equipas da Primeira Liga enfrentam um grande. Os jogos com o Beira-Mar são sempre mais aguerridos, todos nos querem ganhar. Há uma rivalidade natural. Vejo os jogos há muito tempo e sempre existiu alguma rivalidade, mas natural. A nível de confrontos entre adeptos só mais nos últimos dois ou três anos é que se começou a sentir”, garante-nos.

“O Beira-Mar é um clube histórico que não tem rival à altura, mas não vivemos do passado. Acreditamos muito que todos os jogos são difíceis. Mesmo o Lourosa, que vai destacado na frente, já perdeu connosco. O nosso principal rival é sempre aquele que vai no lugar em que queremos estar”, sublinha Ângelo Valente, diretor de comunicação do Beira-Mar. Esse lugar é ocupado pelo Lourosa. “O Beira-Mar é histórico e quer regressar o mais depressa possível aos nacionais. A nossa rivalidade com eles vem desde a Taça de Portugal de 1993/94, época em que fomos jogar as meias-finais a Alvalade, depois de os eliminarmos nos oitavos-de-final. Nunca houve uma rivalidade histórica, mas como estamos a lutar pela subida de divisão é natural que exista alguma disputa”, admite Luís Sá.

No entanto, a grande rivalidade é com o vizinho União de Lamas. “Lamas e Lourosa são duas freguesias vizinhas. A rivalidade é histórica, já chegaram a disputar subidas à Segunda Liga. Mas nos últimos anos andaram em divisões distintas. Agora, estão novamente juntos e a disputar uma subida de divisão”, descreve o dirigente do Lusitânia Lourosa. “Estas rivalidades sempre existiram e não é só daqui da região, é de todo o país. A rivalidade entre o Lamas e o Lourosa sempre existiu”, confirma Dinis, adjunto do União de Lamas.

“Havia rivalidade entre os clubes em Aveiro, mas essas equipas estavam em divisões diferentes. Agora, juntaram-se todas no mesmo campeonato. Depois, as equipas do norte do distrito também têm muita rivalidade e sempre houve alguma polémica pelo facto de dizerem que os árbitros ajudam sempre os clubes do norte e que são influenciados por eles. Sempre houve essa polémica. A juntar a isso, o Beira-Mar está a apostar tudo para subir e as equipas do norte do distrito também. Isso influencia tudo. A nível local, o Vista Alegre tem uma rivalidade com o Beira-Mar, assim como a Ovarense com os clubes de Aveiro. As equipas andam todas um pouco assim. Entre Vista Alegre e Beira-Mar sempre houve rivalidade, mas do que sei nunca chegou às agressões físicas”, resume Guilherme Matos.

Simão recorda ainda os tempos do Beira-Mar no primeiro escalão e estabelece um ponto de comparação. “O Beira-Mar tem uma enorme rivalidade com a Académica. Lembro-me de ver jogos muito aguerridos e intensos entre ambos, mas não havia confusão entre os adeptos. Os adeptos do Beira-Mar até costumam ser autocríticos no sentido de não serem muito fervorosos. Mas estamos no distrital. Isso muda um pouco o cenário”, reflete o adepto aveirense. Já Dinis tem outro ponto de vista: “A sorte do Beira-Mar é não ter a Académica na mesma divisão. Nunca se passou nada porque jogavam a nível nacional e havia a comunicação social, as televisões, a segurança policial…”.

Contudo, esses dias menos fervorosos em Aveiro parecem ter terminado. “Em Aveiro as pessoas sempre foram ligadas ao clube. Quando descemos à segunda distrital chegámos a ter sete mil pessoas nos jogos. Quando ganhámos a segunda divisão distrital e subimos a conquista foi celebrada no centro da cidade, tal como foi no dia em que ganhámos a Taça de Portugal. É diferente gostar do Beira-Mar, do Lourosa ou do Lamas. A experiência é diferente, porque os adeptos contactam com jogadores que conhecem. Defendemos o nosso clube e o nome da nossa terra. Se o futebol fosse vivido por todos como é vivido em Aveiro o panorama nacional seria incrível. O Beira-Mar tem uma média superior a três mil adeptos por jogo. No dérbi de Santa Maria da Feira tiveram dez mil pessoas. Acreditamos que o futuro passa por esta paixão que se vive. Queremos ser parte da solução e não ser o problema”, assegurou-nos Ângelo Valente.

“Há um espírito muito bairrista nesta região. O Beira-Mar, o Lourosa, o Lamas, a própria Ovarense… É de Lisboa, não é? Conhece o Oriental? Trabalhei lá dois anos e é mais ou menos um clube parecido. São clubes fortes, com alguma adesão de adeptos e fazem agitar um pouco as coisas. Mas no Alba o ambiente é muito tranquilo. Para ser sincero, até gostávamos que houvesse um pouco mais de agressividade, mas não há. Os clubes com quem temos mais rivalidade em termos locais não disputam a primeira divisão, estão na segunda e terceira”, lamenta Cristiano Videira.

Vergonha pelo sucedido e medo do castigo

A escalada de toda esta tensão desportiva terminou com uma agressão de um adepto do Beira-Mar ao árbitro no intervalo do jogo frente ao União de Lamas. O jogo terminou ali e o caso virou notícia nacional.  “Os adeptos do Beira-Mar não se revêem em nada do que se passou. Vi comentários de amigos envergonhados com aquilo. A claque do clube não representa os adeptos”, afirma Simão Santana. O clube também condenou logo o sucedido e volta a fazê-lo pela voz do diretor de comunicação. “Repudiamos a violência e ficámos muito desapontados e tristes. Ainda estamos a recuperar e fomos profundamente atingidos pelo que se passou. Não somos nada disto”, assegura-nos.

“Tínhamos cinco mil pessoas no estádio e foi um adepto que nos tramou a época. Mesmo que o Beira-Mar suba ninguém vai apagar o que se passou. Somos apelidados de agressores e associam-nos à violência e isso para nós é muito pior que ter ou não sucesso desportivo. Foi um ato isolado. Os clubes são de todos e a prova disso é que foi um adepto que nos lixou”, lamenta Ângelo, deixando ainda antever uma medida exemplar por parte do clube, que deverá ser oficializada nos próximos dias. Ainda assim, em Aveiro teme-se pelo castigo que o Beira-Mar poderá sofrer: “As medidas que vamos tomar são muito fortes e exemplares. Mas estamos muito apreensivos com o castigo que vamos ter e esperamos que o castigo não nos mate. O futebol é das pessoas e tirar as pessoas do futebol é matá-lo. Se tivermos muitos jogos à porta fechada vamos perder a ligação às pessoas, temos muito medo disso. Mas cá estaremos sempre. Nem que joguemos na última distrital ou no Inatel, vamos ser sempre do Beira-Mar”.

Na semana anterior tinha sido o dérbi entre Lamas e Lourosa a ser afetado por invasões de campo de parte a parte e até uma agressão entre um jogador e um adepto. “Na minha opinião foram casos isolados. Nos últimos anos os jogos não têm tido incidentes. São casos pontuais. O Benfica também já teve um adepto que agrediu um fiscal de linha e ainda na semana passada um do FC Porto empurrou o Pizzi. Mas o que se passou em Lamas não foi nada do outro mundo. Os adeptos do Lamas cercaram o fiscal de linha, mas não chegaram a vias de facto, foi só para criar pressão. Da parte dos adeptos do Lourosa houve uma invasão de campo e uma troca de palavras. O adepto, em resposta a uma primeira agressão do jogador, acabou por responder”, descreve-nos Luís Sá, responsável do Lusitânia.

Antes havia sido um jogador do Alba a envolver-se numa confusão na partida com a Ovarense. Cristiano Videira diz que tudo não passou de um ato isolado e que nada está relacionado com o que se passou nos outros campos. “Da nossa parte tivemos o jogo em Ovar, mas foi um caso esporádico. Não foi rivalidade, nem nada de regional. O nosso jogador foi agredido e respondeu, pronto. Não teve cabeça fria, foi ingénuo e partiu para a agressão também. Mas foi um ato isolado. Aqui em Aveiro têm existido alguns conflitos sistemáticos, mas é entre Lamas, Lourosa e Beira-Mar. Nós tivemos um caso esporádico e meteram-nos no mesmo molho”, explica-nos.

“Não se passou nada de especial. Foi uma situação dentro de campo. O problema foi a GNR querer parar o jogador e ele não obedecer à autoridade. O ambiente aqui, no contexto de clube, é tranquilo. Se me perguntar no campeonato… sim, o clima é um pouco tenso. Mas isso é uma luta entre esses três clubes. Há uma rivalidade forte, porque também há uma disputa pela subida. Nós estamos um pouco arredados dessa luta. Faz parte, quem anda lá em cima tem de lutar com as armas que tem e depois cria-se alguma instabilidade entre as partes. Esses três clubes agitam um pouco as águas”, aponta Cristiano.

Guilherme Matos, que tem visto todas estas confusões do lado de fora, admite que o clima não tem sido positivo. “Esta época parece que tem sido um acumular de situações. Há um stress num jogo e parece que automaticamente as equipas todas ficam recetivas a esse tipo de confusões. Acaba por ser quase como um hábito, que não é nada saudável. Há cinco ou seis semanas não havia registo de nada, mas nas últimas três ou quatro semanas há sempre um caso ou outro. Tem sido uma bola de neve. Não sei se é para continuar ou para acabar, mas as equipas já vão para o jogo um pouco a ferver e se o jogo não cai para o lado delas começa logo a haver picardias”, afirma o médio do Vista Alegre.

As claques, a segurança, os árbitros - sempre os árbitros! - e a visibilidade

“A Associação fez tudo por esta evolução do campeonato e tem mérito nisso, mas não a acompanhou, sobretudo na segurança”, aponta Dinis. “Foram descurando o lado da segurança. A assistência neste campeonato já não é o que era e até já há claques organizadas, coisa que era só do futebol nacional”, sublinha. Guilherme Matos confirma esse cenário, mas fala em exemplos distintos. “Há claques organizadas, todas as equipas têm claques. A claque que nós temos, os “Ultras Porcelana”, é muito próxima do plantel e gosta muito daquilo. Só tem jovens e é positiva. Não temos vencido muitos jogos e eles nunca foram de mandar vir com os jogadores. Criam muita pressão nos árbitros, o que é normal, mas sempre se deram bem connosco e nunca nos ameaçaram”, assegura.

“Não conheço bem a claque do Beira-Mar, mas sei que existem alguns conflitos entre jogadores, adeptos e direção. Não acho que seja muito saudável para uma equipa como o Beira-Mar. Depois da queda nos distritais parece que querem que o clube suba de todas as maneiras e feitios. Pelo que tenho ouvido falar eles exigem muito do plantel, que tem muita qualidade. Mas isso não quer dizer nada, as outras equipas também são muito fortes”, opina Guilherme. “Sempre aconteceu as claques terem influência num grupo de trabalho, até nas equipas profissionais”, acrescenta Dinis. Apesar de praticamente todas as equipas terem claque neste campeonato, Luís Sá revela que em Lourosa apenas há um “grupo de adeptos que se junta aos domingos para apoiar” e que o clube não reconhece o grupo como claque, nem o apoia.

Apesar destas claques também poderem ter contribuído para o clima atual do futebol de Aveiro, há quem acredite que o problema está nos exemplos vindo de cima. “Parece-me que isto é um pouco fruto do que acontece no futebol nacional. Está um pouco relacionado com a tomada de posição dos presidentes dos maiores clubes nacionais, que depois tem repercussões a todos os níveis. Estamos num movimento crescente. Os clubes baseiam-se no exemplo que vem de cima”, defende Simão Santana.

Por outro lado, há quem aponte o dedo à organização do campeonato. “Temos jogadores muito bons, que podiam perfeitamente estar a jogar na Segunda Liga. Mas isso não é acompanhado pelo nível organizativo. Isto é um campeonato quase profissional, mas organizado por amadores. A segurança dos jogos é toda voluntária, as pessoas têm de entender isso. Nós não temos polícia no estádio porque a PSP não entra no Mário Duarte para fazer essa segurança, alegando que o estádio não tem condições. No último jogo contratámos um serviço de segurança, o que custa muito ao clube”, afirma Ângelo Valente, do Beira-Mar.

“É óbvio que naquele jogo [Lamas-Lourosa] as forças de segurança demoraram um pouco a agir. Aquilo foi um jogo de distrital, mas de realidade nacional, com perto de cinco mil pessoas nas bancadas. Devia ter sido operado outro dispositivo policial. Em cada jogo em casa temos média de duas mil pessoas, coisa que o nosso vizinho Feirense não tem na Primeira Liga”, atira Luís Sá. Como consequência destes episódios a AF Aveiro anunciou medidas para tentar apaziguar os ânimos. “A AF Aveiro vai exigir o policiamento obrigatório e penso que são medidas assertivas. Nos jogos em que entendíamos que havia necessidade de segurança sempre requisitámos uma empresa privada. Mas o jogo em Lamas, por exemplo, teve cinco agentes. A culpa não é do clube. A GNR é que não montou o policiamento que deveria ter montado”, acusa o responsável do Lusitânia Lourosa.

Depois, há os “suspeitos do costume”, os árbitros. “Há qualidade no futebol e há um clima de guerrilha, porque penso também que as arbitragens não acompanham o nível do futebol. A arbitragem é sempre o que faz despoletar as emoções das pessoas. As pessoas não têm credibilidade na arbitragem, mas isso é o que se vive também no panorama nacional. É um pouquinho de tudo: guerrilha local, mas também nacional. Mas isto não é no sentido pejorativo. Estes jogos são vividos com muita intensidade por se viver esse clima de picardia, alguma saudável e outra nem tanto”, frisa Ângelo Valente.

Ainda assim, Dinis sai em defesa dos homens do apito. “Há árbitros a começar a carreira, sem experiência. Eles não têm culpa, porque têm que começar por algum lado. Há alguns árbitros que não estão preparados para este nível de competição, mas não é culpa deles. As próprias associações têm de estudar esta realidade e trazer árbitros do nacional para determinados jogos do distrital. Têm de debater urgentemente e discutir o futebol distrital”, argumenta o antigo central.

Mais razões? Claro. O campeonato Safina parece ter sido vítima da própria evolução e visibilidade que foi adquirindo. “A Associação fez um grande trabalho de divulgação do futebol. Houve muita promoção do campeonato, há uma visibilidade tremenda. Todos os jogos são transmitidos. Algo que não acontece nos outros lados. À segunda-feira são disponibilizados todos os golos e os 90 minutos de todos os jogos. Obviamente se acontecer algum incidente, isso toma proporções nacionais. Também existiram agressões noutros distritos, mas não há imagens”, defende Luis Sá.

“Nos nossos jogos, que me lembre, sempre tivemos seguranças e polícia, mas não sei quem trata disso, nem o que dizem as regras. Sei é que têm acontecido casos de adeptos entrarem em campo. Isso sempre aconteceu nos distritais, mas como isto agora é levado tão a sério… O campeonato Safina é muito falado e passa na internet, há muitas notícias e estas coisas saltam à vista. Sempre houve em todo o lado, mas se calhar passava despercebido. No entanto, nem pensamos na possibilidade de acontecer algo nos nossos jogos. O que aconteceu não devia ter acontecido e esperamos que não aconteça mais. Esperemos que não seja recorrente, senão Aveiro passa a ser notícia semana sim, semana sim”, remata Guilherme Matos.

Por fim, falando do futebol que é jogado dentro de campo, o Lusitânia segue na frente, com 31 pontos, mais sete que o SC São João de Ver e mais nove que Beira-Mar, União de Lamas, SC Esmoriz e SC Bustelo. O líder vai destacado, mas atrás o equilíbrio é evidente. E é importante salientar que Beira-Mar e Lamas têm um jogo a menos. O tal que não acabou, devido à agressão ao árbitro Leonardo Marques. Um jogo que poderá ter sido o ponto final desta escalada de violência no futebol local, depois de toda a publicidade negativa que atraiu. Esta semana o campeonato deu lugar à Taça de Aveiro. Até ao momento as equipas de Aveiro ainda não foram notícia pelos piores motivos. E esperemos que assim continue. Com bairrismo, competitividade, qualidade, rivalidades, mas, acima de tudo, sem violência.