Grande Futebol
Fez-se história em Inglaterra e houve futebol às três da tarde de sábado
2018-09-09 11:00:00
Violação da "regra do apagão" não deixou toda a gente feliz e até para Portugal pode servir de reflexão.

Caldo entornado em Inglaterra. Culpa das transmissões televisivas. Se pensa que o facto de equipas das terceiras e quartas divisões inglesas terem os seus jogos transmitidos televisivamente ou em plataforma online deve ser encarado como uma honra por parte das mesmas, há quem não concorde consigo nesse aspecto. O Accrigton Stanley que o diga, por exemplo, que pelo seu presidente foi o clube mais vocal contra a Football League, entidade que regula o futebol não primodivisionário inglês - esse é a Premier League, como se sabe - por ter permitido a violação da regra do “apagão” de sábado às três da tarde.

Vamos por partes. Comecemos pela regra. Desde que foram instituídas as transmissões televisivas regulares dos jogos dos campeonatos ingleses que está regulamentado um apagão futebolístico em território inglês e escocês entre as 14h45 e as 17h15. Seja que competição estejamos a falar, simplesmente não pode haver futebol nas televisões inglesas e escocesas durante esse período. A regra visa promover as assistências em estádio e evitar que o comodismo se apodere dos ingleses obrigando-os a ir aos estádios e a apoiar as equipas da terra. Passa um pouco por aí a reputação construída pelo futebol inglês de ter estádios cheios seja em que divisão seja.

Este sábado, porém, a regra foi violada. Apesar da pausa para os jogos de seleções nas duas primeiras divisões inglesas, não houve descanso nas League One e Two do futebol inglês com a sétima jornada de ambas as competições a disputar-se como se de qualquer outro fim de semana se tratasse. Uma decisão tomada pela Football League que não agradou a alguns dos responsáveis dos clubes das terceiras e quartas divisões inglesas, mesmo que à partida pareça uma honra para os clubes ver os seus jogos terem a possibilidade de chegar a uma audiência internacional que não seria possível caso os maiores clubes ingleses estivessem também em competição.

“A Football League existe para representar os seus 72 clubes membro e o Accrigton Stanley entende que o regulamento relacionado com as transmissões televisivas não foi discutido durante o passado verão na conferência realizada em Portugal, nem existiu qualquer debate relacionado com possíveis exceções ao apagão existente para as transmissões dos encontros de sábado à tarde. Esta decisão interfere bastante com o nosso orçamento e mata o rendimento conseguido com a bilheteira, destruindo ainda o ambiente do estádio. Inicialmente era apenas possível para os adeptos internacionais, isso foi o que ficou acordado, mas depois já adicionaram os jogos de terça feira à noite. A possibilidade de serem transmitidos os jogos das cinco janelas internacionais nunca foi mencionada e a Football League enganou os clubes deliberadamente”, desabafaram os responsáveis do Accrigton Stanley em comunicado.

Ter os jogos transmitidos pela televisão, ou em plataforma online como neste caso, para o território doméstico, não é sempre uma boa ideia ou uma medida bem vista pelos clubes, como explicam os clubes ingleses mais modestos. O impacto financeiro que resulta da perda de adeptos em estádio e da perda de receitas de bilheteira é, como se percebe, altamente penalizador para esses clubes, prova de a regra do apagão ainda faz sentido nos tempos que correm.

Nem todos os clubes, porém, partilham da insatisfação do Accrigton Stanley. Os responsáveis do Peterborough United, por exemplo, consideraram que a medida é... natural. “Por mim está tudo bem, para ser sincero. Creio que é apenas a forma de ser do mundo moderno e em que todos os eventos desportivos e jogos realizados estarão disponíveis online para toda a gente”, afirmou o presidente do Peterborough ao The Times.

Certo, é que a própria Football League já afirmou que, no futuro, próximas transmissões nestes moldes irão ser discutidas com os clubes. “A Football League tem perfeita noção da importância de se proteger a experiência do futebol ao vivo e irá sempre encorajar os adeptos a se deslocarem aos estádios pois essa continua a ser a melhor forma de ver futebol. O streaming é apenas uma opção adicional para aqueles adeptos que não podem ver os jogos presencialmente. A Football League precisa entender o verdadeiro valor que o streaming proporciona para poder tomar decisões bem informadas e os jogos transmitidos este sábado irão ajudar a tomar essas decisões e a definir a direção a tomar no futuro. Essas conclusões serão partilhadas e discutidas em conjunto com os clubes”, anunciou a organização.

Para o futuro fica por perceber se também as janelas de treze de outubro, 17 de novembro e 23 de março do próximo ano, paragens internacionais não contempladas nos regulamentos ingleses para obrigatoriedade de apagões, também terão transmissões dos jogos das terceiras e quartas divisões inglesas. Uma polémica que vem de Inglaterra numa altura em que em Portugal se dão os primeiros passos para que praticamente todos os jogos das divisões inferiores portuguesas tenham também transmissões via streaming através da Internet.

Em 2018/19, recorde-se, todos os jogos da segunda divisão portuguesa têm transmissão, seja via televisão, seja via streaming, tal como os encontros da Liga Revelação, competição Sub-23 organizada pela Federação Portuguesa de Futebol que tem também transmissão integral através de uma plataforma online criada para o efeito. Além de tudo isto são também frequentes as transmissões online dos jogos de várias equipas do Campeonato Nacional de Seniores, surgindo o exemplo inglês como uma proposta de reflexão: ganharão realmente os clubes de menor dimensão em ter os seus jogos acessíveis ao público, ora na televisão, ora na internet? Ou será que isso inviabiliza que os adeptos se desloquem aos estádios e os clubes sofram financeiramente com isso?