Grande Futebol
Diário de um jornalista no Mundial (8)
2018-06-22 10:35:00
António Tadeia vai publicar todos os dias uma entrada neste diário.

Olho para Sampaoli e, como que por artes de prestidigitação, vejo Benítez com estilo de “Bad Boy” em vez daqueles fatos de merceeiro de província, a quem os milhões não compraram bom gosto. A Argentina tem um problema, a que costumo chamar “treinador a mais”. É uma coisa que, na maior parte dos casos, se resolve com o tempo, com o acumular de experiência, mas que também tem exceções, homens que percorrem toda uma carreira sem entender que são tanto mais importantes quanto mais simplificarem. Sampaoli é, nesse aspecto, o exato oposto de Fernando Santos, que não é nem pretende ser um génio, que se reduz ao papel do tipo que só tem de escolher os melhores e colocá-los em campo de forma a que não se atrapalhem uns aos outros. Quando aprender essa lição, quando tiver menos certezas absolutas acerca das suas convicções, Sampaoli pode passar de treinador fenómeno que consegue bons resultados com equipas medianas a treinador sereno que obtém excelentes resultados com equipa muito boas, como é a Argentina.

Podemos ver a questão ao contrário. Alguém conhece um pensamento a Zlatko Dalic? Alguém leu alguma vez uma sistematização das ideias do selecionador croata? Duvido. Dalic é um tipo moreno, vigoroso no banco, gesticulante, mas cujo maior mérito é não achar, por exemplo, que Modric e Rakitic são incompatíveis. É simplificar. E os dois médios mandaram por completo no relvado, nos 3-0 que fizeram entrar em crise toda uma nação futebolística e a própria elevação de Messi a figura extra-terrestre. E se a Argentina de Messi for eliminada já na primeira fase pelos croatas é pelos islandeses? Há quatro anos o Portugal de Ronaldo também caiu na primeira fase e nem por isso o CR7 deixou de se erguer e de ver na crise uma oportunidade. Para tal, no entanto, precisou de uma série de tipos capazes de descomplicar. Fernando Santos na seleção, Zidane no Real Madrid. É esse o caminho: ensinar os argentinos a conjugar um novo verbo, o verbo descomplicar.

Tudo o resto que se passou no oitavo dia de Mundial ficou ofuscado pelo encerrar do pano. A França confirmou que mesmo sem jogar muito bem vai ganhando, o que lhe permite olhar para o Mundial de uma perspectiva ao mesmo tempo austera e utilitária. O Peru, tal como Marrocos, deixa uma ideia de que podia e devia ter feito mais, mas acaba por seguir para casa sem nada que o recomende. Australianos e dinamarqueses deixaram para o último dia a decisão de quem continua em prova. Entre a vontade sem jeito dos cangurus e o jeito sem vontade dos nórdicos, venha o diabo e escolha. No fundo, nem uns nem outros vão ficar na história deste Mundial. Descompliquemos, portanto.