Grande Futebol
Ainda esse mito? Não, a Juventus não vai pagar Ronaldo a vender camisolas
2018-07-20 17:55:00
Apesar dos números estratosféricos noticiados nos últimos dias, é um mito que um jogador se pague a vender camisolas.

Camisolas, ações, valor de mercado, merchandising, bilhetes de época... Se atendermos a todas as notícias que nos últimos dias, pós confirmação do negócio Ronaldo/Juventus, facilmente chegamos à conclusão que apesar do valor de transferência astronómico, o clube italiano até ganhou em gastá-lo. Afinal, só em venda de camisolas o Ronaldo é pago quase imediatamente, certo? Não. Não é bem assim. E se é uma daquelas pessoas que acha que as transferências dos jogadores se pagam a elas próprias com venda de camisolas então este artigo é para si.

Sim, Ronaldo é uma máquina de fazer dinheiro. Só em vinte e quatro horas a Juventus vendeu mais de meio milhão de camisolas com o nome e número de Ronaldo no valor de praticamente 140€ cada uma delas. A aritmética simples apontaria para um valor próximo dos setenta ou oitenta milhões de Euros feitos pela Juventus logo após a contratação de Ronaldo. Ou seja, em poucas horas, a Juventus teria conseguido pagar quase a totalidade da transferência de Ronaldo em vendas de camisolas. O problema é que as coisas, ao contrário do que é senso comum, não funcionam de forma tão linear ou qualquer clube do Mundo com capacidade de investimento inicial contratava os melhores jogadores do planeta e pagava-os vendendo camisolas.

"O Ronaldo foi oferecido ao Nápoles. O Jorge Mendes, o seu agente, ligou-se. Planeámos fazer uma oferta e teríamos pago a contratação com uma percentagem dos fundos garantidos pela sua chegada. Ainda assim, os 350 milhões de euros que a Juventus investiu estão fora das nossas possibilidades. Teríamos corrido o risco de levar o clube à bancarrota". As palavras são de Aurelio de Laurentiis, presidente do SSC Nápoles e só por aí se percebe que não é assim tão linear que os jogadores se paguem a eles próprios em vendas de camisolas. O que devia ter sido entendido como uma pista para se terminar com os mitos relativos a essa questão, porém não foi suficiente, mas nós damos uma ajuda a desmistificar a questão.

Apesar dos produtos serem vendidos pela lojas oficiais dos clubes, os lucros obtidos pela vendas não ficam exclusivamente para os clubes. No caso das camisolas, por exemplo, apenas uma pequena percentagem das mesmas, geralmente entre os 10 e os 15% do bolo total acabam por ficar nos cofres dos clubes com a restante percentagem a ficar com a empresa que os fabrica, ou não faria sentido as marcas de vestuário pagarem uma verba de patrocínio anual aos clubes que, no caso da Juventus, ronda os 25 milhões de Euros anuais fruto de um contrato assinado em 2013 para um período de seis anos no valor total de 139,5 milhões de Euros, segundo dados avançados pela imprensa italiana.

Sim, é certo que perante a valorização da marca Juventus o clube ganha outra atratividade para negociar novos contratos de patrocínio e semelhantes, porém, muito longe de pagar facilmente uma transferência tão “cara” quanto a de Cristiano Ronaldo que só em valor de transação, bónus, comissões e salários, como De Laurentiis explicou, podia exceder os 350 milhões de Euros. O mito, porém, continua a espalhar-se mesmo que em situações anteriores, como as transferência de Kaká e Ronaldo para Madrid ou de Pogba para o United, nos últimos anos, já pudessem ter ajudado a desmistificar a questão.

Mas se são os fabricantes que ficam com os lucros das vendas das camisolas e não os clubes, porque é que os clubes não começam a fabricar eles mesmos os seus próprios equipamentos? Simples. Não é o campo dos clubes. Por muito que recentemente os clubes se tenham começado a assemelhar a empresas, nenhum tem o nível de conhecimento e capacidade logística para produzir e, acima de tudo, montar uma rede de distribuição capaz de, como no caso da Juventus, vender mais de meio milhão de camisolas em menos de um dia, algo no qual os fabricantes se especializaram durante anos. Aliás, as lojas oficiais dos clubes, dos grandes clubes, não são sequer geridas pelos mesmos mas sim pelas grandes marcas desportivas às quais acabam por licenciar a propriedade intelectual do clube, isto é, nome e imagem do clube.

É que, por muito grandes que sejam os maiores clubes do Mundo, certos fabricantes movimentam tanto dinheiro em poucos meses quanto os maiores clubes em anos. Conta, o Independent, por exemplo, que uma certa marca norte americana faz mais dinheiro em três meses do que aquele que o Chelsea fez em 112 anos de história. Dá que pensar, certo? Parece então lógico que uma marca não pague milhões de euros a determinado clube só para ter o seu símbolo no peito dos melhores jogadores do Mundo. Pagam, sim, para ter acesso a muito mais do que isso, para ter acesso, por exemplo, a 85/90% das vendas totais de camisolas que eles mesmos acabam por gastar dinheiro a fabricar.

Herbert Hainer, CEO de uma conhecida marca alemã, por exemplo, aquando do anúncio de 750 milhões de Libras por 10 anos de contrato com o Manchester United estimou que a marca iria ganhar mais do dobro durante esse mesmo período. Ou seja, em negócios como o de Ronaldo, mesmo que a Juventus também beneficie financeiramente com isso, no que toca a venda de camisolas ganha sempre mais a marca que as fabrica do que o clube e, por isso, não, a Juventus não vai pagar Ronaldo a vender camisolas com o nome do internacional português. Ainda para mais, podendo dar-se o caso da questão 10/15% do bolo total da vendas camisolas nem se dar no caso do clube italiano, já que em certas situações o clube só começa a receber dividendos da venda das camisolas quando determinado número de vendas é atingido, o que não significa que, apesar dos valores estratosféricos conseguidos até agora, o valor acordado entre clube e marca não seja ainda maior.

Pior ainda, dando-se o caso de Ronaldo e Juventus serem patrocinados por marcas diferentes e, por isso, Ronaldo não poder participar em ações promocionais da marca que veste a Juventus, tal qual aconteceu por altura da chegada de Zlatan Ibrahimovic ao Manchester United como recorda o Guardian. Na altura, muitos estimaram que o United iria ganhar mais de 50 milhões de libras em vendas com a chegada do sueco, quando o mais provável é esse valor não ter chegado aos cinco milhões. Uma percentagem, por isso, diminuta face aquilo que Zlatan custou ao clube inglês. Mais uma vez, como o Guardian também recorda, há uma razão pela qual a marca alemã fez mais dinheiro em seis meses do que o United, um dos clubes mais valiosos do Mundo, em praticamente toda a sua história.

Curto e grosso? Ganham mais as marcas com a venda de camisolas do que os clubes.