Visto da Bancada
Rui Cruz (nº 84)
2017-08-24 13:00:00
O humorista fala do dia em que viu o irmão chorar porque perdeu contra o Sporting. E o orgulho que sentiu po irsso

Sou apologista de que a coisa mais importante em qualquer texto é o primeiro parágrafo. Se for bom, agarra logo o leitor e faz com que este continue a ler, se for mau, pode muito bem ser a sentença de morte do escritor e acabar por fazer o leitor largar a obra e ir ver o Bad Girls Club ou algo semelhante. Por isso, o meu primeiro parágrafo vai acabar da melhor maneira possível: sou do Benfica. 

Pronto, depois disto já tenho 6 milhões comigo, estou mais descansado. Ora bem, como disse, sou do Benfica, o que na minha família materna é algo comum, mas na paterna é heresia, pois quase toda ela é sportinguista, tendo inclusivamente o meu avô paterno fundado a casa dos lagartos de Arganil. Ninguém é perfeito. Isto fez com que, durante anos, eu fosse uma ovelha negra (ou vermelha) no que toca ao futebol, pois estava sempre em minoria nos jogos, nas discussões, nas brincadeiras, etc. Mas, de repente, o meu pai decide que, apesar de ter já feito a sua masterpiece, quer ter mais filhos e foi aqui que eu vi a minha oportunidade: “ai vou ter irmãos? Então vou começar a diminuir a diferença e torná-los benfiquistas!”. E assim fiz. Dois irmãos, dois benfiquistas. Mas a verdade é que olhava para eles e, apesar de se dizerem benfiquistas, nunca vi neles aquela chama imensa que consume o verdadeiro benfiquista, aquela doença que nos faz dizer coisas como “o Binya é o novo Redondo” ou “o Bruno Varela não fica a dever nada ao Buffon”. E isso deixou-me sempre de pé atras em relação àqueles dois miúdos. Até que um dia, na pré-época, os escalões de formação do Sporting vão jogar a Arganil, a minha terra, contra a Associação Atlética de Arganil, onde o meu irmão mais novo era ponta de lança dos agora chamados benjamins e, modéstia aparte, um Jonas em potência.

Chega o dia do jogo, vou para a bancada a tremer de nervos e vejo que o meu irmão, no campo, está com um olhar que nunca lhe tinha visto, uma raiva, um brilho predadatório, uma águia esfomeada... e começa o jogo. Bem... nunca vi o meu irmão a correr tanto na vida. O rapaz ia à frente, ia atrás, gritava com os colegas, fazia cargas de ombro (coisa que nunca o tinha visto a fazer e que eu lhe apontava sempre como uma falha), um autêntico cão de fila! O Sporting era claramente melhor, mas os nossos, empurrado pela genica do puto, esforçaram-se tanto que no último minuto o jogo continuava 0-0. E eis que surge um canto a nosso favor a seguir a uma jogada do meu irmão. Era a última oportunidade de marcar e ganhar. Marca-se o canto... e em vez de conseguirmos a vitória, o Sporting corta a bola e em contra-ataque faz golo. Bola ao meio, passe para trás e o árbitro apita para o final. 0-1 no último segundo. Meto a cabeça entre os joelhos a dizer mal da minha vida e estou assim um bocado, quando levanto finalmente a cabeça, olho para o campo e vejo o meu irmão, sozinho no meio campo, deitado no chão a chorar. Fiquei de rastos. Chamei-o. Ele levanta-se a limpar as lágrimas e vem ter à lateral. “Então puto? Estás bem? Aleijaste-te?”. Responde ele: “Perdi contra o Sporting”. Sorri. Nunca me tinha sentido tão orgulhoso.

Rui Cruz é humorista e guionista e aceitou escrever para o Bancada sobre uma ida a um campo de futebol