Para a edição 298 do "Visto da Bancada", falámos com Bruno Ferreira. Entre a representação, a imitação, a locução, o humorismo, o guionismo ou o ensino do uso da voz - espalhados por rádio, televisão e até imprensa -, não sabemos bem como o definir. Se calhar, é um pouco de todos.
Bruno Ferreira fala-nos de um "Vitória de Guimarães-Sporting eletrizante" e, com uma crónica tão completa, seria uma heresia pormos o nosso dedo lá pelo meio. Vai como veio, que vai muito bem.
Dia 1 de Outubro de 2016, às dezoito e quinze, disputava-se a sétima jornada da Liga NOS, num Dom Afonso Henriques com 25.000 amantes do desporto rei. O meu SCP e o VSC mediriam forças sob a batuta de Artur Soares Dias.
Apenas à sétima jornada, mas já com os clubes alinhados em várias posições na tabela, o Vitória poderia alcançar Porto e Braga, em caso de triunfo. A equipa da casa estava na 5ª posição, com 10 pontos, podendo fugir ao Rio Ave, que havia perdido nessa manhã. Por outro lado, e em caso de vitória, o Sporting ultrapassaria, à condição, o líder Benfica, que jogaria apenas no dia seguinte.
Na bancada central do estádio minhoto eu, a Marta e os meus filhos André e Tomé, contínhamos as emoções, cumprindo escrupulosamente os avisos que nos tinham sido feitos. Era como se tivéssemos apenas “ido à bola”, o que neste caso era rigorosamente verdade. E ameaçava poder ser problemático. Mas já lá vamos.
Poucas semanas antes fui convidado pelo Núcleo de Braga do SCP, para ir fazer a animação do almoço convívio dos Sportinguistas do Minho. Lá estiveram várias figuras de proa do Sporting, como o presidente Bruno de Carvalho, a atleta olímpica Sara Moreira, entre outros. Todas estas acções comemorativas desenrolar-se-iam desde o fim da manhã até meio da tarde, altura de rumar ao D. Afonso Henriques para apoiar o SCP. Em conversa com alguns convivas apercebi-me de que não seria aconselhável assistir ao jogo na bancada reservada à claque do Sporting, que partiria de local combinado, em caixa de segurança, e escoltada pela PSP, rumo ao estádio.
Estava com a família e a prudência aconselhava o sossego de uma bancada central. Mas mesmo essa - disseram-me - exigia alguns cuidados. “Não leves nenhum elemento identificativo do SCP”, dizia um. “Não grites golo do Sporting nem te manifestes”, dizia outro: Todos sabemos que os adeptos do Guimarães são muito arreigados mas – caramba! – “é apenas um jogo de futebol”, respondia eu. Ainda assim, os da casa sabem sempre mais do que nós, e lá seguimos à risca as indicações. Deixámos o carro no parque de um Shopping que fica relativamente perto do Estádio, tudo o que fosse verde e branco ficou escondido na mala, excepto uma camisola cinzenta que levava para o anoitecer, com um pequeno leão bordado.
Sentadinhos, em fila, começámos a assistir àquele que era, também, um duelo entre os dois melhores marcadores da liga: Marega com 5 golos e Bas Dost com 4. Na véspera, Jorge Jesus avisara que «dentro do castelo não é fácil fazer um assalto. Em Guimarães os cuidados são sempre máximos». Mas mesmo assim, longe estávamos de imaginar o que se seguiria. O SCP alinhou com Rui Patrício; Schelotto, Ruben Semedo, Coates e Zeegelaar; William Carvalho; Gelson, Adrien e Markovic; Bryan Ruiz e Bas Dost. Do lado do Vitória destacar-se-iam Moussa Marega (emprestado pelo FCP) e Tiquinho Soares (actual FCP). Raphinha (agora no SCP) era suplente.
Depois de um início irrequieto por parte dos vimaranenses, o Sporting consegue equilibrar os acontecimentos a partir dos 20 minutos, e aos 29 chega com justiça ao golo. Markovic marcava o seu primeiro no regresso a Portugal. Gelson fugiu a Ruben Ferreira, que ainda esboçou um agarrão, mas que por ter acabado de ver amarelo pouco antes, desistiu. Gelson recebe na meia direita, roda sobre Ruben, evita o carrinho de Hernâni e remata. Douglas ainda defendeu mas Markovic, em antecipação, fez a recarga para o fundo das malhas.
Na bancada, entre nós os quatro, nem um pio. Apenas nos entreolhávamos encolhendo uma alegria contida. De resto, e à excepção das claques de Alvalade, na sua curva, pouco mais se ouviu de festejos no estádio. Contudo não fui capaz de reprimir a curiosidade de olhar nos olhos das pessoas que estavam à nossa volva. E lembro-me de não ter notado nenhum sentimento de frustração. Mas adiante.
Pouco depois, preocupação para os de Alvalade: Adrien Silva cai lesionado e Jesus manda entrar Elias, deixando Adrien a braçadeira com William Carvalho. As preocupações com a lesão do capitão desvaneceram-se minutos depois, aquando do 2-0 conseguido por Coates. Canto de Bryan Ruiz, Douglas tentou socar, não chegou à bola, e Coates saltou para marcar o terceiro tento na Liga 2016/17. Nesse momento já me apetecia, pelo menos sorrir, ou levantar os braços. Voltei a olhar em torno e reparei que o ambiente estava distendido, que havia muita gente de punho fechado, como que celebrando só para si, por entre sorrisos de cumplicidade. Também troquei alguns. E assim se chegou ao intervalo. No bar do estádio os ânimos estavam bastantes exaltados com o andar do marcador. Mas ainda faltam 45 minutos. E que 45 minutos…
Aos 70 minutos de jogo o resultado mantinha-se mas ainda estavam por marcar mais 4 golos! O primeiro aconteceu no minuto seguinte, através de um remate forte de Elias, à figura de Douglas, que colocou mal as mãos, deixando entrar a bola. Nesse momento esqueci-me de todas as instruções matutinas sobre o comportamento a ter no estádio e celebrei, levantando-me e batendo palmas. Foi quando tive a certeza de que muitíssima gente naquela bancada central estava, afinal, com o Sporting. Sporting que jogava com o marcador e com o relógio. Foi quando a Marta me sugeriu que fossemos andando para evitar as filas de escoamento de um estádio cheio. “Deixa-me só ver mais um golo e depois vamos”, disse. Faltavam menos de 15 minutos para o apito final e o 3-0 era mais do que confortável. Aliás, parecia ser…
Aos 74 William fez falta na área sobre Marega que, na conversão do castigo máximo, apontou o seu sexto golo da temporada. E menos de 60 segundos depois assinou o sétimo! Cruzamento na direita pelo craque bejense João Aurélio e Marega, de primeira, voltou a fazer abanar as redes da baliza de Patrício. Seriam electrizantes os últimos minutos da partida. O Vitória crescia, acreditava, e o Sporting encolhia-se e tentava defender a margem mínima. Até que aos 89 minutos aconteceu o que já se adivinhava. O Guimarães empatou a três por Tiquinho Soares após cruzamento de Raphinha. O meu Sporting tinha tido o pássaro na mão. As claques dos conquistadores estavam ao rubro. E restava-nos sair do Estádio com um sentimento bem mais agri do que doce. Se fosse hoje os marcadores do Guimarães seriam do Porto. E o ex-vimaranense Raphinha pontua agora de verde e branco. São as voltas que a bola dá. Restou-nos, ao André, ao Tomé e a mim (a Marta torce pelo azuis e brancos), envolver-nos no trânsito caótico até conseguir sair das imediações do estádio, e rumo ao hotel. A grande sorte é que em frente a esse hotel ficava um dos nossos restaurantes favoritos: O Cantinho da Paula. Onde? Na Avenida Dom Afonso Henriques, pois então. Aí provámos as melhores francesinhas que jamais comi. E depois de conhecer o magnífico Castelo de Guimarães, no dia seguinte, voltámos a Lisboa restabelecidos.