BANCADA ouviu treinadores e antigos centrais sobre o sistema que está a ganhar cada vez mais adeptos na elite europeia
Antonio Conte e Massimiliano Allegri colocaram na agenda do debate futebolístico o regresso dos três centrais, ou de uma defesa a três, ao futebol europeu. O primeiro na seleção italiana e no Chelsea, o segundo na Juventus. As réplicas, ainda que não de forma sistemática, e com algumas nuances em alguns casos, sucedem-se por essa Europa fora, dando sinais de poder vir a ser esta a nova tendência do futebol europeu de elite.
A este propósito, Bancada ouviu treinadores e antigos centrais e as opiniões dividem-se sobre um sistema que no futebol português não criou raízes. Em Portugal, nos últimos anos tem reinado o 4x4x2, utilizado pelos três grandes, e o 4x3x3. Na última época, porém, deu-se o caso de Jorge Jesus ter chegado a testar o Sporting com três centrais em dois jogos. Apesar das duas derrotas, em Dortmund e em Varsóvia, não se pode dizer que correu mal, pelo menos a nível exibicional, sobretudo na Alemanha. E depois houve Rui Vitória a dizer, já com a época encerrada, que está a pensar fazer mudanças táticas no Benfica da próxima temporada.
O treinador do Desportivo de Chaves Luís Castro diz que em Portugal as equipas de topo não jogam muitas vezes com três centrais por “uma questão cultural”. “O 4x4x2 e o 4x3x3 são os sistemas que ainda estão mais enraizados no futebol português”, diz. No entanto, aquele técnico chama a atenção de que as equipas de topo “quando entram no momento ofensivo, já costumam apresentar um 3x5x2, ou mesmo um 2x5x3. O jogo é dinâmico”, frisou o treinador flaviense que se considera “pouco” adepto do sistema de três centrais, referindo, no entanto, que “está tudo dependente de uma ideia” que um treinador tenha. “Se um técnico tiver jogadores com determinadas características para esse sistema, e se for essa a sua ideia de jogo, porque não utilizá-la?”, diz Luís Castro ao Bancada. “O jogo é dinâmico”, reforça.
O técnico da FPF, responsável pelos sub-16, Rui Bento, para quem a implementação do 4x3x3 no futebol português “teve muito a ver com o aspecto organizacional das competições”, argumenta que a utilização cada vez mais de uma defesa com três centrais “faz parte da própria evolução do futebol, do processo evolutivo do treino”, recordando que “já foi muito utilizado, deixou de ser, e agora parece que está a voltar a ser utilizado com mais regularidade. As equipas brasileiras, por exemplo, jogavam assim há três/quatro anos. Era até difícil observar um jogador e enquadrá-lo numa perspetiva de defesa a quatro num clube europeu”, revela ao Bancada aquele que Eriksson apelidava de ‘pequeno Baresi’.
O técnico dos sub-16 de Portugal salienta, no entanto, que há formas diferentes de jogar com três centrais. Umas vezes para formar uma linha de cinco defesas, outra para dar mais liberdade aos laterais, que ficam sempre com proteção atrás e asseguram a largura, mais num 3x5x2. Segundo o técnico da FPF, toda a defesa tem de estar muito “sincronizada”. “Em termos de construção, o sistema permite uma preponderância ofensiva maior. E numa equipa grande, às vezes é suficiente jogar só com três defesas”, argumenta Rui Bento.
Uma defesa a três centrais está longe de poder ser considerada uma ideia defensiva. “Liberta os laterais para ações ofensivas e ao mesmo tempo garante proteção defensiva com três unidades mais recuadas, quando normalmente são duas”, argumenta Pedro Barny para quem o único defeito da opção por três centrais é que permite às equipas pequenas tornarem o seu jogo ainda mais defensivo, jogando com uma linha de cinco não projetando os laterais, o que pode tornar o jogo de sentido único. “É um sistema talhado para equipas grandes”, defende.
Para Barny, antigo defesa central, com passagens pelo Sporting, Belenenses e Boavista, entre outros, e que jogou sob orientação de técnicos como Manuel José, no Bessa, e João Alves no Restelo, neste sistema, acredita que o 3x5x2 é hoje em dia mais uma moda do que uma tendência, acreditando que o futuro passa mais pela variação de sistemas no próprio jogo. “Guardiola faz isso, utiliza vários sistemas em simultâneo numa partida” afirma ao Bancada.
“Há uma tendência muito comum entre os treinadores de que quando uma equipa de topo tem sucesso tendem a imitar o sistema porque lhes dá uma imagem de modernidade, de atualidade. Do tipo, ‘quem não joga assim está desatualizado’. É mais fácil seguir a corrente, não contrariar. O Manuel José, por exemplo, usava frequentemente esse sistema de três centrais, no Boavista, em 3x4x3, e no Al-Ahly, do Egito, onde jogava em 3x5x2. Teve sucesso, mas foi muitas vezes apelidado de retrógrado. Quando as equipas de topo ganham há tendência para as imitar. Em Portugal, por exemplo, Jorge Jesus teve sucesso no Benfica com o 4x4x2 e quase todos os treinadores passaram a replicar esse sistema. E lembro-me que o João Alves, no Belenenses, também utilizou esse sistema com duas variantes: três centrais com uma linha de cinco a defender, e uma linha de três defesas assumindo o risco”, argumenta Pedro Barny.
Luís Castro destaca as vantagens de jogar num sistema de três centrais: “Dá mais liberdade aos jogadores que jogam por fora, permitindo que a equipa se projete com mais facilidade, sabendo que têm sempre três jogadores na retaguarda. Na fase defensiva, em 5x3x2, pode haver uma maior proteção ao corredor central”. Como desvantagem, Luís Castro vê a complexidade do próprio sistema que “incorpora uma dinâmica tática que precisa de muita sistematização”. E lembra que o vencedor da UEFA Champions League deste ano foi uma equipa que joga com um alinha de quatro na defesa, o Real Madrid.
Já João Manuel Pinto, treinador do Moncarapachense, do terceiro escalão do futebol português, e que fez parte da equipa do FC Porto, então orientada por António Oliveira, que goleou nos anos 90 o Benfica na Luz (5-0) jogando com três centrais, não acredita que este sistema pegue. “É preciso ter matéria-prima para o implementar. A Juventus, por exemplo, tem dois laterais muito rápidos [Dani Alves e Alex Sandro] e a coisa funciona”.
E em Portugal, porque razão não se joga muito com três centrais ou uma linha de três defesas? JOão Manuel Pinto responde: “Tem a ver com a cultura de cada país. Em Portugal, temos uma forma de estar diferente. A nova geração de treinadores gosta de jogar mais em 4x3x3, com 4/5 jogadores a surgirem em zonas de ataque. Em Itália, por exemplo, privilegia-se mais transições rápidas para o ataque, com 2/3 jogadores fortíssimos no contra-ataque”, diz ao Bancada João Manuel Pinto. É um sistema que dá um poder ofensivo, mas tem um problema que pede máxima concentração nos dois momentos do jogo. Não funcionou, por exemplo, contra o Real Madrid, que atuou com muitos jogadores no meio-campo que conseguiram travar as transições da Juventus”.
A “coisa esquisita” do galês John Toshack no Sporting
A primeira equipa de topo do futebol português a utilizar um sistema de três centrais foi o Sporting, em meados dos anos 80, com o galês John Toshack. Na época de 84/85, a defesa a três era formada por Virgilio (ou Zezinho), Venâncio e Oceano (ou Morato), tendo como laterais ofensivos Carlos Xavier e Mário Jorge. O Sporting ficou em segundo lugar e foi o segundo melhor ataque da prova (72 golos), atrás do FC Porto, com 78 tentos.
“A verdade é que nós não estávamos habituados, mas a partir do momento em que jogávamos constantemente ao ataque era uma maravilha. Havia um grande volume de jogo ofensivo em que podíamos sofrer um ou dois golos mas, quando isso acontecia, marcávamos cinco ou seis”, disse em entrevista recente Carlos Xavier que, naquele tempo, acompanharia Toshack para a Real Sociedad.
Morato era um dos centrais dessa equipa do técnico galês que surpreendeu toda a gente com a forma como colocou a equipa de Alvalade a jogar. “Eu jogava uns dez metros atrás. Só tinha de me preocupar em fazer as dobras dos laterais e dos outros dois centrais. Lembro-me que a maioria das pessoas interrogavam-se como era aquele sistema. ‘Como é que este gajo está a jogar?’ Quando defendíamos eramos cinco na defesa, quando atacávamos ficávamos três cá atrás. O Xavier e o Mário Jorge davam uma grande dinâmica àquilo”, conta Morato ao Bancada, ele que acredita na renegeração da defesa a três no futebol português. “Qualquer dia em Portugal vamos voltar a ver jogar assim”, profetiza. “Aliás, já se vê muitas vezes quando, durante um jogo, uma equipa que inicia em 4x4x2 ou 4x5x1, por exemplo, muda para três centrais para arriscar tudo”.
O ‘dedo’ e Eriksson nas Antas na vitória do Benfica
A jogar com três centrais, o Benfica de Erikssson, em 1992, obteria uma histórica vitória nas Antas (2-0), que decidiu o título. William-Paulo Madeira-Ricardo eram os centrais, Vítor Paneira e Veloso os laterais.
A goleada do FC Porto na Luz
No FC Porto, o grande momento do sistema de três centrais, coroado com uma exibição e um resultado histórico, remonta ao ano de 1996, quando, na Supertaça disputada na Luz, a equipa azul e branca, então treinada por António Oliveira, esmagou o Benfica de Paulo Autuori, por 5-0. Nessa noite, o FC Porto jogou com João Manuel Pinto, Jorge Costa e Lula a líbero e laterais a subir como Sérgio Conceição e Fernando Mendes. “Á última da hora, o Oliveira mudou a equipa e a maneira de jogarmos. Não tínhamos treinado aquele sistema durante a semana, mas tudo nos saiu bem. Fomos muito rápidos nas transições e apanhámos o Benfica mal posicionado”, recorda João Manuel Pinto.
Ainda no FC Porto, ficou célebre o sistema tático, mais radical, implementado pelo holandês Co Adriaanse. Os dragões jogavam com três defesas a toda a largura do terreno, apresentando um futebol muito ofensivo, sem descurar a defesa. O FC Porto foi campeão nesse ano (2007), teve o melhor ataque e a segunda melhor defesa do campeonato.
Manuel José, que fora um crítico desse sistema quando substituiu John Toshack no Sporting, também o iria utilizar no Boavista, já nos anos 90. Em 95/96, os três defesas mais utilizados foram Tavares, Rui Bento e Litos, com os laterais Jaime Alves e Caetano muito ativos ofensivamente, terminando a época em quarto lugar. “Normalmente, eu era o jogador do centro e tinha de gerir a garantia de profundidade e a distância com o pivot defensivo. Se estivéssemos muito distantes, aquele espaço podia ser aproveitado”, recorda Rui Bento.
Um Chelsea tão CONTEnte a jogar com defesa a três
A primeira vez que uma defesa a três reapareceu, depois do Ajax ou a Holanda de Rinus Michels, o Barcelona ou a Holanda de Cruyff, terá sido com Pep Guardiola ainda no Barcelona onde optava por um 3x4x3 em vez do 4x3x3 habitual. Na atualidade, Antonio Conte será o mais entusiasta adepto deste sistema, tal como Massemiliano Allegri. Na Juventus, Conte foi sempre campeão, levou a ideia para a seleção italiana onde eliminou a Espanha, num jogo em que os papéis inverteram-se com a Itália a ter posse e a fazer a circulação da bola e a Espanha a jogar em bloco baixo, numa demonstração de clara superioridade derrotando o tikitaka. E só caiu aos pés da Alemanha, campeã do Mundo. Esta temporada Conte acaba de sagrar-se campeão em Inglaterra, com a mesma ideia.
Na Juventus, Allegri, outro entusiasta de uma defesa com três centrais, aproveitou as ideias de Conte e manteve-as na Juventus com um desenho tático com três centrais (a BBC Barzagli, Bonucci e Chielini), oscilando entre o 5x3x2 e o 3x5x2, tendo como sistema alternativo o 4x4x2. Conquistou ‘scudettos’ atrás de ‘scudettos’ e mostrou argumentos na Liga dos Campeões onde chegou esta época à final da UEFA Champions League, saindo goleado pelo Real Madrid.
Conte e Allegri, dois treinadores italianos que usam um “fato” tático a ganhar terreno na Europa (Fotos EPA/Peter Powell e Alberto Estevez)
Para além de Conte e Allegri (nas fotos em cima), Guardiola continuou a utilizar com frequência os três defesas, quer no Bayern quer agora no Manchester City, e as suas ideias acabaram por contagiar a seleção alemã com Joachim Löw a utilizar diversas vezes três defesas. Já durante esta época, o Dortmund de Thomas Tuchel também jogou assim, mas os principais impulsionadores deste aparente regresso aos três defesas são Conte, Allegri e Guardiola, um caminho que o Manchester United de Mourinho e o Tottenham de Pochettino também parecem estar dispostos a percorrer.
Exemplos práticos
Esta época, em Inglaterra, e depois de um início pouco convincente da equipa de Stamford Bridge, Antonio Conte decidiu mudar o sistema, rasgou as experiências de defesa a quatro e regressou à ideia italiana, de uma defesa a três centrais, 3x4x2x1, com Azpilicueta, um lateral de origem, David Luiz e Cahill a formarem o trio de centrais, laterais a subir, e alas, Pedro e Hazard a jogar por dentro. Um 3x5x2 que se transforma num 4x4x2 ou até num 3x5x1. A defender a equipa posiciona-se num 5x4x1. E foi assim nesta dinâmica tática, talvez a experiência tática mais interessante na Europa, que, por exemplo, o Chelsea goleou o Manchester United (4-0) e fez uma caminhada triunfal na Premier League. Na época que agora findou, o Chelsea, porém, provaria do seu próprio veneno ao perder (0-2) com o Tottenham de Mauricio Pochettino a usar três centrais (Eric Dier, Alderweireld e Vertonghen).
Em Espanha, o Real Madrid tentou surpreender o Sevilla treinado por Sampaoli, um técnico que levou o Chile à conquista da Copa América em 3x5x2, entrando de início com Varane, Ramos e Nacho no eixo central da defesa, mas Zidane deu-se mal e perdeu por 0-2.
E até em Portugal o Sporting de Jorge Jesus ressuscitou no universo leonino a velha tática de John Toshack, de 1984/85, e jogou em Dortmund com Coates, Rúben Semedo e Paulo Oliveira, projetando dois laterais para o ataque, repetindo a fórmula na Polónia. Perdeu os dois jogos (0-2 e 0-1). “Quando uma equipa tem uma rotina de jogo marcada por um determinado sistema, quando muda cria problemas à forma de jogar. Foi o que aconteceu com Real Madrid e Sporting”, diz Pedro Barny.
Ao longo da história recente do futebol internacional, outras equipas obtiveram êxito com um sistema de três centrais. As equipas alemães de Hitzfeld (Dortmund e Bayern) e o Marselha de Goethals que venceu o AC Milão de Capello com Desailly,Angloma e Boli, por exemplo, trêsdefesas centrais de grande porte físico. E houve ainda o Brasil de Scolari que se sagrou campeão do Mundo em 2002 derrotando a Alemanha por 2-0. Scolari tentou replicar o sistema na seleção portuguesa e no primeiro jogo, com a Itália, entrou com Ricardo Rocha, Fernando Meira e Fernando Couto no eixo da defesa, Sérgio Conceição e Nuno Valente como laterais. Acabou por descartar a ideia que no futebol português só a espaços triunfou.
De todos estes exemplos, entre outros que proliferam no Velho Continente, é o Chelsea “italianizado” e a Juventus que melhores resultados obtêm no presente. Veremos se na próxima temporada, em Portugal, Rui Vitória e Jorge Jesus não introduzirão um novo chip no Benfica e no Sporting, respetivamente.