Competição tem sido criticada fruto da sobrecarga física imposta aos jogadores
A realização da Taça das Confederações tem de implicar uma sobrecarga física prejudicial aos jogadores? A resposta, do ponto de vista físico, é não. Mas já lá vamos.
Há um jogador de futebol que tem jogado bastante: foi ao Euro 2016, está na Taça das Confederações 2017 e, provavelmente, vai ao Mundial 2018. São três anos quase sem férias. Trata-se de um sortudo e privilegiado ou de um atleta que está a dar demasiado de si e o seu corpo vai ressentir-se? Esta dúvida está na base da contestação que tem surgido em torno da realização da Taça das Confederações, num ano que sucede o Europeu e que antecede o Mundial.
“Discordo completamente da Taça das Confederações. Os jogadores chegam supercansados, mas não só. Os atletas destas equipas acabam por estar anos a fio sem férias, sem descanso e sem repouso”. As palavras de Rui Costa, ex-internacional português, fazem eco das críticas ferozes a esta prova, nomeadamente por parte de jogadores e treinadores, indignados com a sobrecarga competitiva.
Já Hélder Postiga, ex-internacional português, tem uma visão mais equilibrada. “É difícil dizer se a competição faz sentido. Por um lado, é uma montra para os jogadores. É uma competição vista em todo o mundo e para o jogador é fantástico poder jogá-la ou até ganhá-la. Por outro lado, situa-se entre duas competições importantes e o jogador fica sem férias quase nenhumas durante três anos. Tem prós e contras”, explicou Postiga ao Bancada.
Mas o que é a Taça das Confederações e que implicações tem na condição física dos jogadores? E na mental?
Primeiro, apresentamos, em traços gerais, a prova que está na base da polémica.
Uma ótima ideia. No papel.
A competição começou há 21 anos, ainda sob o formato de Taça Rei Fahd, na Arábia Saudita. Em 1997, a FIFA assumiu os direitos desta prova e quis desenvolvê-la de duas formas: torná-la global e, sobretudo, torná-la um “ensaio geral” para o Mundial de futebol a realizar no ano seguinte. Desta forma, a prova começou a realizar-se no país organizador do Mundial, procurando testar estádios, cidades, transportes, comércio, publicidade e tudo o que envolve a organização de uma competição de magnitude mundial. Estão convidados para a Taça das Confederações os campeões de cada continente, bem como campeão do mundo e o país organizador. Portugal estará presente como atua campeão da Europa.
A ideia, em teoria, parece excelente. Para além do Mundial, esta é a única hipótese de celebrar o futebol de seleções a nível planetário, juntando os melhores de cada continente e juntando culturas e futebóis diferentes. Armando Evangelista, ex-treinador de Vitória de Guimarães e Varzim, corrobora esta visão: “Acho que faz sentido esta competição, até pela globalização e pelo futebol em si, juntar aqui os campeões de todo o mundo”.
Além desta mais-valia cultural e desportiva, ainda permite ser o tal ensaio geral para o Mundial seguinte, permitindo corrigir eventuais lacunas e otimizar todos os processos de organização. Excelente, dirão uns.
Apesar de todo este aparente mar de rosas, a Taça das Confederações tem sido cada vez mais posta em causa. “Não ficaria triste se não houvesse Taça das Confederações”, defende Joachim Löw, selecionador alemão, que optou por levar um plantel secundário a esta competição. Depois de uma temporada recheada de competição (jogos internos, provas europeias e compromissos de seleções), o mês de descanso dos jogadores é substituído por um mês de… mais competição. “Há muitos jogos, isso é certo. Não tens paragens, são muitos torneios. Acho que toda a gente concorda que esse não é o caminho”, defendeu Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, na temporada passada.
Também Hélder Postiga compreende esta visão. “Assistimos a casos de jogadores que não têm tempo de férias de recuperação e isso reflete-se em épocas com menos frescura física e até com mais lesões“, defendeu o ex-avançado.
“Ainda estão cansados dos jogos que fizeram há um mês?
O professor José Soares, especialista em treino desportivo e fisiologia e ex-adjunto de Jaime Pacheco e António Oliveira, explica, ao Bancada, que este suposto excesso de competição é apenas reflexo de um paradigma construído em torno do futebol: “Faz-se do futebol uma modalidade à parte (…) do ponto de vista fisiológico, custa-me aceitar que três semanas depois de um jogo os jogadores estejam cansados”. “Três semanas depois ainda estão cansados dos jogos que fizeram há quase um mês?”, questiona.
Um jogador que participe no Europeu, na Taça das Confederações e no Mundial está três anos com férias reduzidas e tentámos perceber qual é a real implicação desta redução de descanso. Mais uma vez, o professor José Soares mostrou-se pouco dentro da onda de críticas a esta prova: “A vida dos atletas é assim. Por isso é que também têm muitos benefícios, por terem um período de vida profissional mais curto. É o preço a pagar por ser atleta. Em qualquer modalidade isto acontece, não percebo por que motivo se fala tanto do cansaço dos jogadores de futebol. Hoje em dia tudo é cansaço”.
No entanto, nem só de físico se faz o futebol. Há o lado mental, que Armando Evangelista não descura, apelando às “saudades do futebol”. “Um jogador que é sujeito a uma pressão intensa, durante todo o ano, precisa de férias para aliviar o stress, esquecer-se um bocadinho do que foi a pressão e, no fundo, ganhar saudades de jogar futebol”.
Voltando à questão física e pensando pelo prisma das consequências futuras de participar nesta prova, o professor José Soares tem um olhar diferente e, sobretudo, mais apontado à questão física: “Não vejo por que não podem chegar bem à próxima época. Se não chegarem, é porque algo está a ser mal feito”. “Fizeram 50 jogos? Está bem, mas foram 50 jogos durante um ano”, constata, antes de abordar o problema que foi criado no futebol atual.
“Se eles não estão habituados a treinar com determinada intensidade e duração, é evidente que vão sentir estes jogos da Taça das Confederações. Eu acho que para terem maior resistência a esta sucessão de jogos, os jogadores têm de treinar mais e não o contrário. Mas agora treinam menos. Face a este quadro que se traça, sim, acho que Taça das Confederações vai dificultar a entrada na nova época. Como o nível de treino não é elevado, claro que vai acabar por ter consequências”, explicou.
Armando Evangelista subscreve, de certa forma, esta responsabilidade imputada aos métodos de treino: “Se não houve cuidado por parte dos clubes na gestão do esforço, esta competição pode afetar os jogadores”.
Para Hélder Postiga, no entanto, esta preparação é feita com qualidade: “Os clubes estão preparados e têm metodologias para adaptar a cada jogador e coordenar bem a chegada destes jogadores que chegam mais tarde”.
Sobrecarga competitiva afeta ou não a condição física dos jogadores?
Com base no UEFA Elite Club Injury Study Report – estudo que avalia e quantifica diversas variáveis relacionadas com as lesões dos jogadores –, podemos perceber se tem havido ou não um aumento do número de lesões no futebol profissional.
Em parte contra a análise de José Soares está um dado específico do estudo da UEFA. Os jogadores treinam, de facto, menos, mas, muitas vezes, fazem-no fruto da presença nas seleções.
No entanto, há um outro dado que corrobora, em certa medida, a opinião de que o nível de fadiga – e, por extensão, de lesões – não é proporcional ao nível de exposição física.
Nos últimos 15 anos, não só não existe aumento do número de lesões, como existe até diminuição. Ou seja, tal como pretende mostrar o professor José Soares, o aumento da sobrecarga competitiva não tem necessariamente de ser prejudicial para a condição física dos atletas, em oposição à ideia veiculada por treinadores e jogadores.
Uma competição a cair no poço
Voltando à Taça das Confederações, olhemos para o passado para analisar o futuro. Em nove edições desta prova – cujos momentos insólitos e marcantes já foram contados pelo Bancada –, o continente americano tem uma clara superioridade: seis vitórias americanas (quatro do Brasil e uma para Argentina e México), contra apenas três da Europa (duas da França e uma da Dinamarca). Sendo esta uma competição realizada no verão, altura em que os campeonatos europeus já terminaram, a conclusão não parece abusiva: esta prova está talhada para as equipas americanas, cujos campeonatos estão no início, podendo apresentar jogadores mais frescos (ainda assim, há que considerar que muitos dos jogadores destas equipas brasileiras, argentinas e mexicanas atuavam na Europa, o que permite suavizar, mas não apagar, esta teoria).
Para 2021 – idealmente, a próxima edição desta prova –, ainda não há garantia de que exista Taça das Confederações. O Mundial 2022, no Qatar, será realizado no inverno europeu, algo que não agradará aos organizadores das competições internas e continentais do velho continente, certamente pouco interessados em alterar drasticamente os seus calendários em dois anos consecutivos. Sendo a Taça das Confederações uma competição com tanta predominância de vitórias americanas, como vimos, é fácil prever que o velho continente não estará totalmente aberto a negociações, acelerando o cenário de extinção da prova.
Gianni Infantino, presidente da FIFA, disse, em novembro passado, que “está tudo em cima da mesa”. “Vamos jogar em junho? Vamos jogar em novembro? Vamos repensar o formato?”, deixou no ar o presidente do organismo internacional.
“Em termos de datas é complicado, porque em que outras datas se poderia organizar uma competição destas?”, questionou Armando Evangelista.
A FIFA tem, agora, três dimensões em que pensar. A solução, defenderão jogadores e treinadores, será aproveitar esta incompatibilidade com o calendário europeu para abolir, de vez, a Taça das Confederações. Seria um dois em um, dado que permitiria aliviar um pouco a sobrecarga da qual se queixam, como sugeriu Rui Costa. Por outro lado, como defendeu Postiga, esta competição é importante o suficiente para se manter no calendário. Por fim, para os estudiosos do processo físico, a Taça das Confederações não deveria ser um fator de justificação de cansaço dos atletas, mas sim o motivo para uma adequação dos métodos de treino.
Tem a palavra a FIFA, que tem em mãos uma difícil decisão para 2021.