Prolongamento
"Sou um denunciante e fiz o que tinha que fazer", declara Rui Pinto
2020-08-29 14:35:00
Hacker dá a primeira entrevista após deixar de estar em prisão preventiva

Rui Pinto, criador do Football Leaks e arguido por 90 crimes no âmbito do caso Doyen, concedeu ao Der Spiegel a primeira entrevista desde que saiu da prisão preventiva.

Num local secreto em Lisboa, Rui Pinto contou como se está a preparar para o julgamento, com início marcado para 4 de setembro, após longos meses na prisão.

"Obviamente o isolamento deixa sempre algum tipo de marcas", confessou.

O mais difícil foi manter a serenidade mantel e a convicção de que estava a prestar um serviço público ao denunciar alegados crimes fiscais e de corrupção no mundo do futebol.

"De certo modo, sinto-me orgulhoso de ter conseguido lidar bastante bem com o isolamento. Eu sabia que não podia perder a cabeça, tinha de me concentrar para preparar o julgamento, para chegar fresco ao julgamento e mostrar que estou cá para lutar e para mostrar a todos que sou um 'whistleblower' [denunciante] e fiz o que tinha que fazer", argumentou.

No entanto, todas as denúncias do Football Leaks motivaram apenas um caso de prisão: o do próprio Rui Pinto.

"Aceito que, à luz da Lei portuguesa, alguns dos meus atos possam ser interpretados como ilícitos", reconheceu.

Libertado a 7 de agosto, o hacker acredita que continua a ter a vida "em risco", mas já consegue "dormir bem à noite".

"Eu só me arrependo de uma coisa: ter entrado em contacto com Nélio Lucas", revelou o arguido do caso Doyen, que responde por tentativa de extorsão à empresa, num valor entre 500 mil a um milhão de euros.

"Era ingénuo nessa altura", defendeu-se, alegando que só queria saber até onde iriam a Doyen e Nélio Lucas para evitar que o hacker revelasse documentos através do Football Leaks.

"Explicarei tudo o que for preciso em tribunal. Tudo o que fiz foi pelo interesse público", garantiu Rui Pinto, que ainda teme pelo futuro, pois "estamos sufocados com corrupção".

Por tal motivo, "ninguém pode esperar um futuro bom para si e para a sua família", alertou.

Quanto ao julgamento, está "absolutamente seguro" de que será ilibado da suposta extorsão.

"As provas mostram-o claramente, mas a procuradora não quis olhar para elas. Ela preferiu cortar as partes que me ilibavam das acusações de extorsão", sustentou.

Revisitando o tempo que passou na prisão, o arguido queixou-se de "tortura psicológica" durante a detenção na Hungria (entre janeiro e março de 2019), garantindo que após a extradição teve "uma relação espetacular" com os guardas prisionais.

A entrevista ocorreu no dia da final da Liga dos Campeões, realizada também em Lisboa, no Estádio da Luz, à porta fechada.

"O futebol vive dos adeptos, de um ambiente real, não destes eventos com um ambiente de plástico dominados pelo dinheiro", comentou.

Rui Pinto vai responder em tribunal pela alegada tentativa de extorsão à Doyen, mas esteve na origem dos Luanda Leaks, que envolvem a filha do ex-Presidente de Angola, Isabel dos Santos, em alegados esquemas de corrupção e evasão fiscal.

"Mete nojo ver que Portugal se tornou na lavandaria das elites angolanas", lamentou o hacker.

No artigo, o Der Spiegel lembra que a defesa de Rui Pinto – formada por Francisco Teixeira da Mota, Luísa Teixeira da Mota e William Bourdon – "já teve sucesso" ao afastar dois dos três juízes atribuídos ao processo, por possível parcialidade.

Rui Pinto está acusado de um total de 90 crimes, num julgamento com audiência inicial marcada para 4 de setembro.