José António dos Santos passou a deter 12,7 por cento do capital social da Benfica SAD por “paixão”, mas quer ainda mais
Aos 25 minutos, Schembri fez o terceiro golo do Boavista, aumentando a surpresa na Luz e não só. Também na festa de aniversário da empresa se instalou o espanto, quando lhe contaram o que estava a acontecer em Lisboa. Logo na primeira vez que falhava uma ida ao estádio durante a época 2016/17 – viria a ser a única. A “paixão”, como descreve, até o levou a Dortmund para ver a segunda mãos dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. É assim, bem de perto, que José António dos Santos vive e sente o Benfica, clube do qual se tornou, recentemente, o maior acionista a título individual.
A 23 de março, cerca de dois meses depois do “surpreendente” empate concedido em casa pelas águias frente aos axadrezados, o empresário adquiriu 840 mil ações da Benfica SAD, após a saída de cena da Somague. Antes disso, tinha pouco mais de 148 mil ações, o que significava “apenas” 0,6 por cento dos direitos de voto correspondentes ao capital social da referida sociedade, começando tudo por “benfiquismo” e “brincadeira”. Passava, assim, a deter 4,296 por centro das ações.
Só foi preciso esperar mais dois meses para, no final de maio, comprar as 1.832.530 ações ordinárias – aproximadamente 7,97 por cento – que pertenciam ao Novo Banco. O presidente do Grupo Valouro, líder do setor avícola no país, passava, agora, a deter 12,7 por cento do capital social, com mais de 2,8 milhões de ações, apenas superado pelo próprio clube, que detém 63,65 por cento, divididos entre Benfica e Benfica SGPS. Em quatro meses adquiriu 2.672.530 ações, colocando o seu nome em destaque, tanto na SAD encarnada como na imprensa nacional.
As razões desta aposta? São duas: “a paixão de miúdo” pelo Benfica e o facto de considerar que “este era um momento oportuno” para investir. Mas José António dos Santos não quer ficar por aqui. O investimento foi feito a “pensar no futuro”. O empresário septuagenário admite a ambição de chegar aos 20 por cento, “dependendo do preço a que as ações estiverem e da disposição de as venderem”. “É necessário olhar pelo lado da paixão, mas também da economia, sem desligar uma coisa da outra, pois estamos a falar de milhões e, como tal, é preciso algum cuidado”, confessa ao Bancada.
Adepto desde os tempos do Campo Grande
Nascido no seio de uma família onde “são todos benfiquistas”, a “memória mais antiga” de adepto leva José António até ao tempo em que o clube jogava no Campo Grande, “o estádio velho, ainda de madeira”, que serviu de casa das águias nos anos 40 e 50 do século passado. “Costumo dizer que aprendi a ler o jornal, por volta dos seis anos, por causa do Benfica”, recorda. Francisco Ferreira, Félix, Coluna ou José Águas foram as primeiras “vedetas” que o marcaram, mas também Matateu e Vicente, do rival Belenenses.
A ligação ao desporto não se ficou pela bancada dos estádios de futebol. Praticou ténis e fundou o Hóquei Clube da Lourinhã. “Fui presidente, fundador e, por enquanto, sou o sócio número um”, afirma. Chegou a ter alguma ligação ao Torreense e ao Lourinhanense, sendo que as suas empresas também patrocinam alguns clubes a nível nacional, “mas coisas pequenas e amadoras”.
Atualmente, concilia a paixão pelo Benfica e o novo papel de principal acionista individual do clube, com o de líder de um dos maiores grupos empresariais de Portugal e da Europa. “Comecei há 56 anos”, precisa. O grupo Valouro atua em vários setores, como o da energia, extração de óleo de soja ou agrícola, por exemplo, mas o principal é o avícola. Uma atividade que já remonta a 1875 e que “foi sempre familiar”, conforme é possível testemunhar pela foto centenária à entrada das instalações da Avibom, em Vila Facaia, concelho de Torres Vedras, onde nos recebeu José António dos Santos, que em 2009 recebeu o título honorífico de Grande Oficial da Ordem de Mérito – classe Mérito Industrial.
Imagem centenária do negócio de família, exibida nas instalações da empresa. Foto: Direitos Reservados Avibom
Os pneus de Vieira e os elogios à direção
A decisão em investir nas ações da Benfica SAD também acabou por acontecer por influência da política levada a cabo pela direção e pelo presidente Luís Filipe Vieira. “Acredito que estão a fazer aquilo que todos os clubes em Portugal devem fazer, virando-se para os recursos internos, formando os jogadores e, de vez em quando, vendendo alguns para reduzir a despesa”, analisa, antes de revelar que já conhece o líder encarnado “há alguns anos” e que existe uma relação entre ambos, embora não seja de amizade próxima. “Já lhe comprei muitos pneus”, admite, sorrindo.
O homem forte do grupo Valouro não se poupa em elogios a Vieira, em quem vê uma “pessoa comedida e com bom senso”. “Asneiras todos fazemos”, ressalva. O empresário admite que “se fosse outra pessoa que estivesse na presidência do Benfica, se calhar não comprava as ações”, valendo-lhe para isso o facto de “acreditar” no atual líder das águias. “Apesar de o clube ainda ter alguns problemas financeiros, acredito que, em dois ou três anos, os vai ultrapassar todos e ficar numa situação muito boa”, prevê. A convicção surgiu “de acordo com os números que se ouvem”, indicando posteriormente um parecer favorável que lhe foi dado pelo próprio presidente: “Disse-me que o clube está no bom caminho”.
Não deixando de admitir a hipótese de também investir em ações de outros clubes portugueses, José António dos Santos confidencia que isso só aconteceria se visse neles “a mesma organização” do clube do coração. “O Benfica tem vantagem sobre os outros, porque é um clube grande, com muitos simpatizantes e sócios, até a nível mundial. Isso torna-o num clube especial dentro de Portugal. Os outros não têm isso. Não é só ganhar taças e campeonatos, embora também seja preciso. O nome Benfica, hoje, vale muito dinheiro”, explica-nos.
A obra efetuada no Centro de Estágio do Seixal é outro dos pontos que agrada ao novo principal acionista individual do Benfica. “É um programa de grande visão, tanto a nível profissional como humanista, sobretudo devido à construção da casa dos jogadores, para ajudar aqueles que tanto deram ao clube”, aponta.
Nélson Semedo e ovos para fazer omeletes
A formação é pedra essencial na política desportiva atual do Benfica. Uma visão partilhada por José António dos Santos, que escolhe uma metáfora relacionada com a atividade empresarial que dirige para explicar o caminho a seguir: “Ninguém faz omeletes sem ovos, já tenho dito isso ao presidente”. Questionado sobre os “ovos” preferidos do atual plantel, o empresário refere que “todos são bons, sobretudo os que se diz que vão sair”, elegendo depois Nélson Semedo como um dos jogadores que mais gosta de ver jogar de águia ao peito. Tal como apreciou, num passado recente, Renato Sanches ou Gonçalo Guedes, a quem prevê um “grande futuro”. “São jogadores que fazem falta, mas quem os segura? E a que preço?”, interroga.
O papel desempenhado por Rui Vitória no presente do clube também merece elogios do líder do grupo Valouro, pois “é preciso dar oportunidade aos jovens” da formação. “Quantas revelações já aconteceram desde que entrou o Rui Vitória? Com ele as oportunidades surgiram”, sublinha, antes de fazer o contraponto com o passado recente do Benfica: “Foi com o Jorge Jesus que o clube começou a recuperar, mas, talvez, não fosse bem aquilo que o presidente queria. Gastou-se algum dinheiro, que talvez não fosse necessário. Se calhar havia melhor massa em casa do que aquela que se comprou. É fundamental formar jovens”. Até porque acredita que as águias vão ter de fazer “acima dos 100 milhões de euros todos os anos em vendas de jogadores”.
Não é adepto de “bandalheira”
O Estádio da Luz, que “está muito bom e quando se entra parece que foi acabado de inaugurar”, serve de prova para “a mão humana existente para sustentar o clube”. O facto de não existir “bandalheira” no Benfica é outro dos aspetos ressalvados por José António dos Santos. “Não gosto de ver bandalheira em lado nenhum. No Benfica não há, por isso acreditei e comecei a comprar ações na brincadeira. Já lá vão quase 13 por cento”, recorda, antes de comparar o clube aos principais adversários: “Há uma grande diferença para os rivais. Eles precisam de seguir o mesmo caminho”.
Apesar de desenhar um panorama bastante risonho na atualidade benfiquista, pensa que será difícil ver o clube voltar a sagrar-se campeão europeu nos próximos anos, tal como assistiu em 1960/61 e 1961/62. “Não acredito que isso aconteça a curto prazo. Quanto muito poderá vencer a Liga Europa, que já não era mau”, comenta. No entanto, antecipa que “se ficar tudo saneado financeiramente nos próximos três anos, não só as ações vão valorizar-se substancialmente, como haverá mais liquidez no clube, porque será necessário aumentar o capital social”. Algo que fará “aparecer jogadores”, dando ao clube “um potencial muito grande para chegar longe”.
O momento que o clube atravessa, tendo chegado ao tetracampeonato dias antes de o empresário avançar com mais um investimento em capital social da SAD encarnada, e o futuro prometedor que vaticina às águias criaram, assim, o contexto ideal para José António dos Santos se tornar no “senhor 2,8 milhões de ações” do Benfica. O “amor” pelo clube, que tantas vezes refere, teve peso, mas a veia para o negócio também. “Se fosse só paixão, comprava apenas mil ações”, graceja.