Foi uma jornada de horror para os guarda-redes na liga portuguesa. A tendência para o erro foi acentuada como há muito não se via saltando à vista as sofríveis exibições de Muriel e de Lucas França, decisivas para as expressivas derrotas do Belenenses e do Nacional, diante do SC Braga e do Santa Clara, ambas pelo mesmo resultado (3-0). Pelo meio, há o primeiro e polémico, face à organização da barreira, golo do Desportivo de Chaves frente ao Benfica. Mas a que se deve esta tendência? Terá a ver com questões meramente técnicas, nomeadamente o mau posicionamento ou o mau jogo de pés, extensível a muitos guarda-redes? Terá a ver com falta de concentração, com a falta ou excesso de confiança? A culpa é do guarda-redes? Ou é do treinador? Que atitude adotar perante estas circunstâncias? Penalizar ou reforçar a confiança? O Bancada foi à procura de respostas.
Jorge Amaral, antigo guarda-redes do FC Porto, do Vitória FC e do Marítimo, entre outros, lembra que hoje em dia todas as equipas tentam sair a jogar com bola logo desde o guarda-redes mas nem todas revelam a capacidade necessária para isso. “Normalmente as equipas grandes têm mais saída com bola, enquanto as ditas mais pequenas apostam na profundidade, mas hoje em dia quase todas têm a tentação de sair a jogar. Acontece que nem todos os guarda-redes revelam capacidade para isso e depois inventam”, afirma ao Bancada, sublinhando que tudo tem a ver com a “conjuntura do treino e a própria ideologia do treinador”.
Álvaro Magalhães, antigo lateral-esquerdo do Benfica, responsabiliza, aliás, os treinadores por muitos dos erros que os guarda-redes acabam por cometer. “O futebol está mais do que inventado e não é agora que alguns rapazinhos vêm ensinar como é que se organiza uma equipa. Há guarda-redes que até nem sabem quando devem por a bola com a mão ou com os pés. A culpa é de quem os treina. Tudo isto tem a ver com tática. A responsabilidade é sempre de quem orienta a equipa”, refere o antigo internacional português, sublinhando: “O futebol de 11 não é futsal. É o treinador que tem de definir as situações em que tem de sair a jogar e quando tem de colocar a bola na frente para não prejudicar nem desequilibrar a equipa. O guarda-redes tem depois de decidir no momento mas já deverá saber a melhor solução a adotar. Isto não é de hoje, já se faz há muitos anos. Está mais do que inventado. Por exemplo, já se conhece o modo como a equipa do Braga pressiona logo à saída da bola. Agora, quando os pézinhos não são os melhores.”
Neste contexto, o atual treinador não deixa de recordar Bento, mítico guarda-redes do Benfica e da Seleção Nacional. “Era o líbero da equipa. Jogávamos sempre em pressão constante, em cima do adversário, muito longe da nossa baliza”, lembra, deixando uma crítica: “Hoje em dia, os professores querem dar uma imagem de inteligência, mas não são mais do que os outros. A nossa universidade é no campo, a deles é só teoria e depois é o que se vê.”
Culpas para Rui Vitória
Álvaro Magalhães dá como (mau) exemplo o lance do primeiro golo do Desportivo de Chaves no empate a dois com o Benfica, culpando Rui Vitória pelo sucedido “A responsabilidade mais do que do Vlachodimos é de quem o treina. Apenas dois jogadores na barreira num livre frontal à baliza… Não é por acaso que o lance ainda continua a dar que falar nas redes sociais. A culpa é do treinador. Eu não admito a qualquer guarda-redes meu que faça uma barreira assim e nas minhas equipas eu é que sou o líder.”
Outro aspeto apontado por Álvaro Magalhães, em declarações ao Bancada, diz respeito à falta de concentração. “Esse é um aspeto que faz a diferença num grande guarda-redes. Lembro-me de o Bento ter explicado isto ao Neno uma vez ao intervalo de um jogo. Esteve quarenta minutos sem fazer uma defesa e em três minutos teve duas espectaculares intervenções, contribuindo de forma decisiva para a vitória do Benfica. Isto para dizer que a concentração tem de ser permanente. Este é um factor importantíssimo.”
Jorge Amaral refere que para além do erro normal, que por vezes acontece a qualquer guarda-redes, há outro mais conjuntural, que decorre da saída de bola da própria equipa. “No caso do Muriel acaba por ser burrice, pois já havia cometido um erro com os pés e, como se não bastasse, voltou a repeti-lo”, afirma, lembrando ocasiões em que forma sistemática querem sair a jogar pelo meio. “É o erro maior. O guarda-redes deve fazer sair a equipa a jogar sempre pela lateral. Nunca se deve começar a jogar pela zona central quando muitas vezes os defesas estão virados para eles e de costas para os adversários.”
O antigo guarda-redes do FC Porto aponta a dificuldade de jogar com os pés como um dos grandes problemas, mas lembra que há cada vez mais guarda-redes com pouca segurança de mãos. “Vejo guarda-redes com elasticidade entre os postes, mas com ‘poucas mãos’ e com grandes dificuldades fora da baliza.”
E que fazer quando um guarda-redes erra em demasia no mesmo jogo, como sucedeu com Muriel ou Lucas França? Dar-lhe novo voto de confiança ou retirá-lo da equipa, seja como sinal de punição ou como forma de proteção?
Jorge Amaral defende o voto de confiança como solução mais imediata até como ato pedagógico. “Nestes casos, não sou a favor de uma penalização excessiva até porque, veja-se o Muriel já salvou a equipa em vários jogos. Agora se reincidir num jogo próximo então sim, até para o número dois perceber que também conta.” O antigo guardião lembra, aliás, um caso que teve enquanto treinador. “Tive um jogador que cometeu duas vezes o mesmo erro, falei com ele, abordámos a situação, e não é que a seguir noutro jogo voltou a cometer o mesmo tipo de erro. Tive de tirá-lo da equipa.”
Álvaro Magalhães também é a favor de uma medida mais pedagógica. “Deve-se dar confiança. Há que dar confiança. Chamar-lhe a atenção, tentar motivá-lo e manter a confiança.”
Nesta linha de pensamento, pese embora a péssima exibição de Muriel com erros sucessivos, Silas não perdeu tempo a reforçar a confiança no guardião brasileiro. No próximo do jogo do Belenenses, em Santa Maria da Feira, será “Muriel e mais dez”, referiu logo após o jogo com o SC Braga. O responsável técnico dos azuis não deixou, no entanto, de apontar os erros e a forma de os corrigir. E de lembrar que tem outro guarda-redes “muito bom”. "Para a semana, joga o Muriel e mais dez. Ele é um grande guarda-redes, mas tem de crescer muito no jogo com os pés. Se já tivesse crescido nesse aspeto estaria numa equipa grande. E na concentração também tem de melhorar. Não tenho de lhe dar moral, se mantiver o nível que mostrou até aqui continua, se não mantiver ele sabe que o outro guarda-redes também é muito bom”, frisou, acrescentando: "Há dois golos que são claramente erros individuais, mas agora dizer: ‘o Muriel tem culpa’, não. Ele já nos salvou em muitos jogos, e tem o mesmo direito a errar como todos os outros.”
Para o treinador do Belenenses o evitar do erro recorrente em muitos guarda-redes devido ao mau jogo de pés é perfeitamente evitável. A receita é simples: “O que pedimos aos guarda-redes é que passem aos colegas e não que driblem e hoje ele fê-lo duas ou três vezes, depois do primeiro erro. Não conseguiu concentrar-se e voltar ao jogo como é exigido."
O discurso de Costinha, que viu toda uma estratégia ruir fruto dos sucessivos erros de Lucas França, que até um golo de canto direto sofreu em estreia na baliza do Nacional, não deixou de focar igualmente o problema, provavelmente mais abrangente no caso do Nacional tendo em conta que ainda nenhum dos guarda-redes utilizados convenceu. "Não foi só golo madrugador que nos perturbou, foi o golo também de canto direto quando estávamos em busca da igualdade. Quando se perde por 3-0 há muito pouco que se possa dizer", sublinhou o treinador do clube insular. Meio a sério, meio a brincar, o técnico que trouxe o Nacional de volta ao convívio dos grandes lembrou: “Os três guarda-redes já sofreram todos os golos e já não tenho mais nenhum..."
O caso mais expressivo dos últimos tempos a nível internacional no que diz respeito a erros dos guarda-redes teve como grande protagonista Loris Karius, o na altura titular do Liverpool FC que, em plena final da última Liga dos Campeões ofereceu dois golos ao Real Madrid numa exibição tremendamente infeliz. Um facto que o haveria de perseguir durante toda a pré-época, até pela simples razão de os erros continuarem a persistir e a atormentá-lo num caso evidente de falta de confiança.
Depois da final de má memória da Champions perdida para o Real Madrid, o guarda-redes alemão esteve de novo em foco no jogo particular que opôs o Liverpool FC ao modesto Tranmere Rovers, da quinta divisão inglesa. Os "reds" venceram por 3-2, mas as críticas não se fizeram esperar ao ponto de Jurgen Klopp se ter irritado e condenando fortemente a imprensa britânica, acusando-a de dualidade de critérios na análise às exibições do guardião, de 25 anos.
"Ninguém gosta de sofrer um golo assim", começou por referir o treinador germânico da equipa da cidade dos Beatles, sublinhando que os jogadores não estão a ser avaliados pela mesma medida. "No segundo golo, a culpa foi do Milner. Dois jogadores brilhantes cometeram erros, mas as coisas não são vistas da mesma forma."
Exasperado, Jurgen Klopp levou mais longe as críticas, aludindo ao modo como o guarda-redes foi, em seu entender, mal tratado. "Loris concedeu esse golo, mas não podemos fazer um filme depois de cada erro. Os erros acontecem. A mim não me agrada, a ele também não, mas acontece. O importante é seguir em frente e aprender com estas situações." "Vocês podiam parar imediatamente e não voltar a perguntar outra vez. Isso seria um pequeno passo."
O guardião do Liverpool FC ficou arrasado com a atuação infeliz na final da Liga dos Campeões frente ao Real Madrid que os ingleses perderam por 3-1 e chegou mesmo a receber ameaças de morte, mas no regresso ao trabalho apareceu com um semblante transformado, procurando deitar para trás das costas tão pesada herança. Neste sentido, colocou uma foto nas redes sociais a assinalar o pontapé de saída da temporada 2018/19. E a reação dos adeptos não podia ter sido melhor. Muitos foram os que lhe deram as boas-vindas e disseram que era bom vê-lo de cabeça levantada. "Há uma nova época a começar, mostra como és bom", afirmaram, lembrando: "You'll never walk alone" [Nunca caminharás sozinho]."
Após a mediática final da Champions disputada no dia 26 de maio, os médicos do Hospital de Massachussetts, Ross Zafonte e Lenore Herget, que trataram o alemão cinco dias após o encontro, explicaram que, depois de "analisar cuidadosamente as imagens do jogo" e os antecedentes de Karius, este sofreu "uma concussão".
Não faltaram, de resto, manifestações públicas de apoio ao guardião germânico. Até Casillas não deixou de manifestar-se: "Este ataque a Karius vai acabar de uma vez por todas? A ele e a muitos outros guarda-redes. Há muitos problemas muito mais sérios no mundo! Deixem o rapaz em paz! Também é uma pessoa, como todos nós", referiu o camisola 1 do FC Porto.
A verdade é que Karius, pese embora o discurso adotado por Klopp e por todos os que saíram em sua defesa, acabou mesmo por deixar Anfield Road rumando à Turquia, no sentido de reforçar o Besiktas. E o Liverpool FC não teve problemas em gastar 60 milhões de euros na contratação do internacional brasileiro Alisson.