Prolongamento
“Quem vem de origens humildes tem sucesso porque a fome é negra”
2021-03-16 13:15:00
Maniche fala de Nuno Mendes, dos “rótulos” de quem vive em bairros e no oásis do futebol num mundo desigual

Maniche atingiu o sucesso na sua carreira, ao nível de clubes e na seleção. E cumpriu todos os seus sonhos, não obstante ter raízes humildes. Mais do que analisar o seu passado, o jogador falou de uma questão social: o estigma que trava grandes carreiras a pessoas de raízes humildes, noutras áreas. Aqui, o futebol dá lições, segundo o antigo internacional português. 

Numa altura em que se discutia a convocatória de Nuno Mendes, defesa do Sporting que se estreia na seleção A, e em particular as origens do jovem jogador, que tem um passado semelhante ao de Maniche, o comentador do canal 11 reviu-se naquela história. E lançou uma espécie de ensaio sobre a desigualdade.  

Sim, de facto revejo-me nesta história. Em todas as profissões, quem vem de origens humildes tem de fazer sempre muito mais para ter uma oportunidade e sucesso. Não é o caso do futebol. No futebol, quem vem de origens humildes tem sucesso porque a fome é negra. Tem talento, tem qualidade e depois surge a oportunidade”, disse Maniche, no programa Futebol Total. 

Para o antigo internacional, que aprendeu a jogar na rua, num bairro, rodeado de pobreza, há nestas comunidades muito talento, em todas as áreas. Há pessoas que nunca chegam a triunfar na vida. Vencem no futebol porque aqui não é preciso diploma: basta talento e perseverança.  

“Falo noutras profissões porque é verdade. As pessoas que vivem num bairro têm mais dificuldade em triunfar noutas áreas, porque já há rótulos. E não surgem as oportunidades. Quero dizer que nos bairros humildes existem pessoas com muita qualidade, em todas as áreas de atividade. Basta que lhes deem uma oportunidade. Depois, depende delas, para a agarrar. A seguir, vem a persistência no sonho, o acreditar em nós próprios. E isso faz toda a diferença”, complementa o ex-jogador. 

E para reforçar a sua teoria, Maniche remete-nos para a história das grandes lendas do futebol mundial, quase todas oriundas de classes mais desfavorecidas: “Vamos ver as estatísticas e reparamos que a maioria dos grandes jogadores do mundo vêm de bairros humildes. Lá está, é a persistência, é a fome de que falei”. 

Não há coincidências. E há nos treinadores de formação um papel essencial a cumprir: perceber que, para lá da irreverência, há um miúdo que guarda mágoas e pretende ter sucesso. Eu era irreverente. Eu achava que era injusto colocarem-me no banco. Mas aí os treinadores de formação cumprem um papel fundamental: exatamente perceber o miúdo que está ali, para além da sua irreverência”, salienta. 

Maniche fala ainda de algo fundamental, para triunfar. “No meu tempo, eu era o primeiro a chegar. Esperava que todos os outros se sentassem e só depois eu me sentava. Era o respeito, a humildade. No meu tempo era assim", conta. 

Sobre Nuno Mendes, Maniche elogia “a maturidade que evidencia”, na equipa principal do Sporting, onde conquistou o lugar e, agora, deu o salto para a principal seleção nacional. E há uma razão para este crescimento do jovem: “O bairro deu-lhe maturidade. Esse espírito de sacrifício. E está muito bem acompanhado, porque o Sporting tem feito um excelente trabalho”, concluiu.