A formação sempre foi o motor dos clubes portugueses. A globalização da indústria do futebol só veio acentuar essa tendência, pois a viabilidade financeira dos clubes ficou diretamente dependente das receitas obtidas com as transferências. Os maiores emblemas ainda recebem uma ajuda com outras receitas, como os direitos televisivos, mas por regra um clube português tem que formar e vender para... poder continuar a formar e vender.
O melhor exemplo desta regra é Cristiano Ronaldo. Com apenas 18 anos, a grande pérola do Sporting mudou-se para o Manchester United. O resto é história, como os cinco títulos de melhor do mundo que CR7 já alcançou, entre muitos outros registos e recordes históricos.
O sucesso de Ronaldo ajudou a valorizar o futebolista português. Os dirigentes esfregaram as mãos de contentamento, pois os números das transferências eram cada vez mais altos. Centenas de milhares, milhões, dezenas ou centenas de milhões... Mas o fenómeno teve outra consequência. Com tantas vendas, as equipas principais começaram a deixar de ter jovens à procura do seu espaço.
Era preciso acelerar o processo de formação. E os clubes responderam, transformando-se em máquinas de fazer futebolistas. E os novos talentos começaram a chegar às equipas principais cada vez mais jovens. Aos treinadores, cabia a responsabilidade de lançar essas jovens promessas. Como a qualidade da formação é inegável, essa tarefa ficou muito mais facilitada. Agora, é considerado normal que um clube, mesmo entre os grandes, aposte em jovens de 21, 20 ou 19 anos anos.
E apostar em jovens de 18 anos, não será arriscado? Não será colocar demasiada pressão num futebolista que acabou de sair dos juniores? É uma questão pode ser colocada a João Félix ou Renato Sanches, Francisco Conceição ou Diogo Dalot, Bruma ou Tiago Tomás. Tinham 18 anos quando foram lançados por Benfica, FC Porto e Sporting. Se sairmos dos grandes clubes, temos os exemplos de Diogo Jota e Francisco Trincão, entre muitos outros.
Isto já na última década, pois se recuarmos mais um pouco temos muitos mais exemplos. Já abordámos Cristiano Ronaldo, que tinha 17 anos, 7 meses e 24 dias quando se estreou na I Liga. Mas, nessa altura, apostar nos jovens era uma necessidade mais desportiva do que financeira. Nos anos mais recentes, promover jovens da formação tornou-se num imperativo para a sobrevivência económica dos clubes. Centremos, assim, a atenção na última década, tendo por base os dados do portal Transfermarkt a partir da temporada 2011/22.
Cada vez mais, os clubes apostam na prata da casa sem olhar para a idade que consta no Cartão do Cidadão. E começam a ser vários os jogadores que já se mostraram na I Liga, mas não podem ainda votar ou tirar a carta de condução. Vamos ver alguns destaques?
Nuno Mendes
Um dos casos mais recentes é também um exemplo da qualidade da formação portuguesa. A 16 de junho de 2020, Nuno Mendes estreou-se na I Liga, com a camisola do Sporting, aos 17 anos, 11 meses e 24 dias (vitória por 1-0 sobre o Paços de Ferreira). Ainda não passou ano e meio e é internacional português e protagonizou uma transferência milionária para o PSG, que pagou sete milhões pelo empréstimo e ainda cedeu Sarabia aos leões.
Rúben Neves
A 15 de agosto de 2014, o FC Porto apostou num médio de 17 anos, 5 meses e 2 dias. Rúben Neves coroou a estreia com um golo, abrindo o marcador no triunfo sobre o Marítimo (2-0). Nem uma semana tinha passado e o médio tornou-se no português mais jovem de sempre a competir na Liga dos Campeões, aos 17 anos, 5 meses e 7 dias, destronando Cristiano Ronaldo (17 anos, 6 meses e 9 dias). Três anos depois, o Wolverhampton pagaria 17,9 milhões para levar Rúben Neves. A marca do médio no FC Porto seria batida em 2019, com Fábio Silva a estrear-se com 17 anos e 22 dias.
Zé Gomes
O Benfica não podia ficar de fora desta lista. Após ter lançado vários jovens de 18 anos, como Gonçalo Guedes, Svilar e Jovic, o Benfica deu uma oportunidade a Zé Gomes, de 17 anos, 5 meses e 1 dia. O jovem avançado estreou-se já nos descontos da partida com o Arouca (vitória por 2-1, a 9 de setembro de 2016). Zé Gomes seria depois utilizado no jogo com o Nápoles (derrota por 4-2), passando Cristiano Ronaldo como o segundo mais jovem futebolista português a atuar na Liga dos Campeões, com 17 anos, 5 meses e 20 dias. À sua frente, só Rúben Neves.
Dário Essugo
A estreia de Dário Essugo, com apenas 16 anos e 6 dias, foi um dos momentos históricos da caminhada do Sporting para a conquista do título de campeão nacional em 2020/21. Num plantel recheado de juventude, Essugo tornou-se no mais jovem de sempre a representar a equipa principal dos leões quando entrou aos 84 minutos da partida com o Vitória de Guimarães (triunfo por 1-0, a 20/03/2021). “É mérito do Dário”, justificou o treinador que o lançou, Rúben Amorim: “É um miúdo com muito talento, com muita humildade. Fez por merecer”.
Roger Fernandes
Muitos outros talentos que ainda não completaram 18 anos tiveram já uma oportunidade de se mostrar na I Liga. Mas nenhum era tão novo como Roger Fernandes, lançado pelo SC Braga aos 15 anos, 8 meses e 24 dias de idade. A 14 de agosto de 2021, o extremo esquerdo entrou aos 70 minutos da partida com o Sporting, que valia o primeiro troféu da atual temporada (Supertaça, vitória dos leões por 2-1). O treinador do SC Braga comentou que o percurso de Roger Fernandes é “uma história da vida que devia ser contada a todos os miúdos que estão na formação de todas as modalidades”. “Ele não foi ver o Barcelona ou o Liverpool, ele estudou a equipa onde quer jogar”, sustentou Carlos Carvalhal.
Matchoi Djaló (16 anos e 4 meses), Pedro Neto (17 anos, 2 meses e 5 dias), Rodrigo Gomes (17 anos, 2 meses e 26 dias), Tiago Morais (17 anos, 3 meses e 25 dias), Joelson Fernandes (17 anos, 4 meses e 3 dias) e Kadú (17 anos, 5 meses e 12 dias) são outros exemplos de jovens promessas que se mostraram na I Liga quando ainda não tinham idade para votar ou tirar a carta de condução.
Herculano Nabian, João Neto, Pablo, Duarte Valente, Carlos Daniel, Luís Mota, Pedro Mendes e Gonçalo Cardoso são outras promessas que se estrearam na principal prova do futebol português, entre as temporadas de 2011/12 e 2021/22, antes de completarem 18 anos de idade. Sinais de que as novas gerações estão prontas para carregar o legado de um dos mais competitivos campeonatos da Europa.