Prolongamento
Oito mil no Lourosa-Lamas: a alma do futebol está nos distritais (VÍDEO)
2018-04-25 22:00:00
Números superam as assistências habituais na Segunda Liga e causam inveja a muitos clubes do principal escalão

Um jogo nos distritais com oito mil espetadores na bancada. Um número que não passa despercebido e que deixa envergonhado o futebol profissional, quer o da Liga principal quer ainda mais o do escalão secundário. O cenário teve lugar no último fim de semana e foi protagonizado por Lusitânia de Lourosa e União de Lamas, no campo do primeiro, em partida da 28ª jornada da AF Aveiro e está a provocar uma onda de reações positivas nas redes sociais, como se a verdadeira alma do futebol tivesse, de repente, despertado consciências.

"Nem os mais velhos se recordam de termos tanta gente no nosso estádio", refere com orgulho o presidente do Lourosa, Hugo Mendes, em diálogo com o Bancada. "Em 1993, para a Taça de Portugal, num Lourosa, 2-Belenenses,0, o estádio esteve quase cheio, embora a receita tenha sido superior. Mas temos de recuar até 1972/73, quando o Lourosa subiu à 2ª divisão nacional para encontrar um estádio lotado como de domingo". 

A adesão dos adeptos não é estranha para Hugo Mendes - "Temos uma média de três mil espectadores nos nossos jogos, todos eles pagantes porque não oferecemos bilhetes" - deve-se, segundo o presidente do Lourosa, "à forte paixão que os adeptos têm pelo clube. Este é um clube muito bairrista, que faz parte de uma freguesia de 10 mil habitantes, e que colocou no domingo nas bancadas 7 mil e 500 adeptos do Lourosa contra 500 do União de Lamas. A cidade parou para ver o jogo", congratula-se.

O Lusitânia de Lourosa lidera o campeonato destacado,com mais doze pontos do que o São João Ver, a seis jornadas do fim, e tem tudo encaminhado para subir ao CNS. Hugo Mendes, presidente do clube há dez meses, tem objetivos ainda mais ambiciosos. "O meu projeto é chegar à segunda liga, mas este é um clube de primeira liga", garante. E para além da força dos adeptos, dá outros exemplos da "grandeza" do clube do concelho de Sants Maria da Feira. "A nível de comunicação e redes sociais somos um clube de vanguarda, o nosso facebook está ao nível de clubes da primeira liga, temos um marketing fortíssimo, somos um clube muito próximo dos associados", conta o presidente que dá outro exemplo: "Ontem [terça-feira] tivemos a Gala do nosso 94º aniversário e juntámos 750 pessoas.E o custo da entrada era de 29 euros. Foi uma festa com um glamour impressionante. Tivemos a presença da banda do Helton e outros artistas nacionais. Atrevo-me a dizer que não ficámos atrás de nenhuma gala do FC Porto, Benfica e Sporting". Para Hugo Mendes, o "Lusitano de Lourosa é um clube grande, com história, que está a acordar".

A enchente ocorrida no domingo, já tinha acontecido, diga-se, no encontro da primeira volta, em Santa Maria de Lamas, algo que reforça a rivalidade e a força da massa associativa destas duas equipas do distrito de Aveiro, num campeonato que está ao nível das principais divisões distritais de Lisboa ou Porto, e não fica a dever nada ao Campeonato de Portugal, tal a qualidade de jogadores acima da média que pisam os relvados da região. 

A história da rivalidade entre Lourosa e Lamas ajuda a explicar a enchente no estádio, no último domingo. "É uma rivalidade que vem de longe", explica-nos Dinis Resende, ex-adjunto do União de Lamas (4º classificado) que saiu após a entrada de Tonel, o novo treinador. "São dois clubes próximos, de Santa Maria da Feira, até dá para ir a pé de um campo para o outro. Lembro-me que quando era míudo, de se fazerem rituais de funerais sempre que um dos clubes perdia", recorda Dinis Resende, ele que jogou no União de Lamas nos anos 90 na então Divisão de Honra, estando na campanha de 1996/97, na melhor classificação de sempre do clube quando ficou a poucos pontos da subida. 

"Independentemente de já terem estado em divisões diferentes, e até na mesma divisão mas em zonas diferentes, quando se encontravam na Taça era sempre um jogo que chamava muita gente, os jogos entre Lourosa e Lamas sempre foram marcados por uma grande rivalidade, ao ponto de já se terem verificado situações muito desagradáveis, com muitas picardias, e mortes, inclusive", lamenta Dinis Resende.  

Para o treinador do Lusitânia Lourosa, Luís Miguel, antigo jogador do União de Lamas e ex-treinador, esta rivalidade advém do bairrismo dos adeptos. "Lamas e Lourosa são duas freguesias vizinhas. A rivalidade é histórica, e os jogos entre as duas equipas levam sempre muita gente. Nos escalões profissionais, está-se a perder esse bairrismo, uma das causas para a pouca afluência aos estádios, mas os tempos também são outros. As grandes cidades são hoje dormitórios, as pessoas não se enraízaram, e hoje em dia não é só futebol, as pessoas têm mais interesses, vieram os shoppings, a televisão dá os jogos grandes", diz Luís Miguel para quem o elevado preço dos bilhetes no futebol profissional não é factor decisivo para explicar a pouca afluência de espetadores aos estádios. "Os bilhetes para o jogo de domingo eram a cinco euros, mas isso não ajuda a explicar tudo. O espetáculo, o grande espetáculo tem de ser bem pago. Veja-se o ténis, a fórmula 1. É disso que estamos a falar quando falamos de futebol profissional. Nos distritais, predomina ainda o bairrismo, a proximidade, são meios pequenos. Aqui, por exemplo, em Santa Maria da Feira trabalha muita gente nas fábricas do Grupo Amorim, e quase todos eles vão à bola". 

"Épico! Memorável! Um jogo que perdurará na história!" 

"Épico! Memorável! Um jogo que perdurará na história!", pode ler-se no facebook do Lusitânia Lourosa na descrição de um álbum de fotografias onde é percetível perceber a dimensão do ambiente vivido no último domingo, com uma assistência de fazer inveja a muitos clubes de Primeira Liga. Já para não falar nos da Segunda Liga. E pelas reações nas redes socias dá para perceber o entusiasmo de toda uma população pelo jogo. 

Na região de Aveiro,aliás, tem-se assistido ultimamente ao incrível despertar dos clubes regionais, um boom acompanhado e associado às televisões locais e redes sociais, muito ativas e participativas. A AF Aveiro, com uma promoção "agressiva" e "imaginativa" dos campeonatos locais num canal próprio, orgulha-se de ter duplicado o número de adeptos presentes nos estádios desde que há três anos fundou um canal próprio, onde os jogos são transmitidos. "Estamos a puxar pela paixão dos adeptos e eles correspondem", disse o líder da associação local,  Arménio Pinho, ao jornal "A Bola". 

 

Estádios cheios de fazer corar de vergonha os "ricos" 

Sem ser caso único na Distrital de Aveiro, onde o entusiasmo pelo futebol é grande, contas feitas, a média de espetadores no Estádio do Lusitânia Futebol Clube Lourosa (cerca de 3 mil por jogo) é superior a qualquer equipa do segundo escalão, talvez apenas superada pela Académica (3.516, segundos os dados fornecidos pela LPFP). Em relação à I Liga  o Lusitânia Lourosa bate-se mesmo com muitos clubes do principal escalão. Em relação à última jornada, por exemplo, só o Sporting (48,320), FC Porto (45,311) e SC Braga (12,564) tiveram mais gente nos seus estádios do que a equipa de Santa Maria da Feira no domingo. E na média de espetadores da Liga, o Lourosa está à frente de Portimonense, Aves, Estoril Praia, CD Tondela e Moreirense, todos com cerca de 2 mil espetadores por jogo, e no mesmo grupo de Feirense, GD Chaves, FC Paços de Ferreira, Rio Ave, Vitória de Setúbal e Beleneses, na casa dos três mil espetadores. Ou seja, num ranking virtual da I Liga com o Loursoa, a equipa de Santa Maria da Feira estaria longe dos lugares de descida. Na 2ª Liga, então nem se fala. Na última jornada, o jogo com mais assistência foi o Académica-Real SC, com 4.116 espetadores. O pior, o Sporting-Benfica com apenas 377 espetadores... 

O Lusitânia Lourosa realizou esta segunda-feira a gala dos 94 anos de existência e parece ter encontrado um prémio para esta paixão toda que gira à volta do clube ao ter praticamente garantida a subida ao Campeonato de Portugal. "As pessoas não têm ideia, estamos perante um clube histórico d e uma grandeza excecional", assegura, de novo, o presidente Hugo Mendes.