Prolongamento
“O sistema (o regime) está viciado”, critica Poiares Maduro
2021-07-12 14:10:00
Eventuais responsabilidades criminais da operação ‘Cartão Vermelho’ terão de ser apuradas, mas há factos já percetíveis

Num artigo de opinião que assina na edição online da TSF, o antigo ministro Miguel Poiares Maduro analisa o processo que envolve Luís Filipe Vieira. Com a ressalva de que eventual responsabilidade criminal do presidente autossuspenso do Benfica ainda está por determinar, o ex-governante entende que há já conclusões que se podem retirar da operação 'Cartão Vermelho'. 

“Este processo começa por reforçar a perceção nos portugueses de que o sistema (o regime) está viciado”, aponta Poiares Maduro, dando como percetível que “a proximidade de alguns ao poder político e económico lhes confere vantagens que os outros não têm”, bem como o facto de que “o sucesso em Portugal não resulta do mérito, mas dessa proximidade”.  

“Eis uma das principais razões porque somos um dos países da Europa em que os cidadãos menos confiam uns nos outros e no Estado. Este não é visto como um árbitro isento e imparcial, mas, sim, como ao serviço dessa elite extrativa. Independentemente do resultado final deste e dos outros processos que implicam uma elite económica e política, eles alimentam a perceção deste sistema e Estado viciados”, argumenta. 

Para que se combata este problema, Poiares Maduro defende uma “separação clara entre o poder político e o futebol” - visão diferente daquela que é apresentada pelo ex-deputado Hélder Amaral, que não defende essa separação. 

Poiares Maduro considera que 'separar as águas' só trará vantagens e dá como um (mau) exemplo o facto de o primeiro-ministro António Costa e do autarca de Lisboa, Fernando Medina, terem integrado a comissão de honra de Luís Filipe Vieira. 

“Compreendo bem a paixão que o futebol suscita aos políticos, como a qualquer outro cidadão. Mas se os políticos têm direito a essa paixão e os desportistas direito a fazer política, o que não podem é ser as duas coisas ao mesmo tempo. É isso que é suscetível de criar conflitos de interesse e interferências inaceitáveis”, escreve, na TSF. 

Miguel Poiares Maduro entende que os factos apurados na operação ‘Cartão Vermelho’ alertam para “os enormes riscos de criminalidade económica em que vive o futebol devido à conjugação entre elevados volumes financeiros e insuficiente regulação”.  

E as transferências de jogadores, que envolvem pagamentos de avultadas comissões a entidades nem sempre reguladas, estão envoltas numa “enorme opacidade”.  

“O último relatório da FIFA nesta matéria identificava que, num ano, teriam sido pagos, em Portugal, 78 milhões de euros em comissões de intermediação de transferências. É o quarto valor mais alto em termos absolutos. Os clubes portugueses pagam em comissões metade do que investem em novos jogadores, de acordo com esse mesmo relatório”, avisa o ex-governante. 

Outro facto que resulta desta investigação é a demonstração de uma “ausência de escrutínio efetivo ao poder dentro dos nossos clubes de futebol”. Poiares Maduro reitera a sua ideia de que os modelos de gestão dos clubes e SAD levam a um “excessivo poder nos presidentes”, sem que existam “mecanismos eficazes de fiscalização desse poder e transparência e prevenção de conflitos de interesse”.  

Assim, restam alterações legislativas, bem como uma ação efetiva dos próprios sócios, para que estatuariamente os clubes fiquem protegidos.