William, Carrillo, João Mário e Eder são algumas das estrelas que trabalham regularmente com Francisco Martins
O relógio ainda só marca as 9 horas, mas o dia já vai longo para Francisco Martins. Entre pesos, barras, elásticos, colchões e tantos outros objetos, dá as últimas indicações de alongamentos a Frederico Venâncio, enquanto Miguel Lopes e Heriberto já esperam pela sua vez. São apenas três entre os cerca de dez futebolistas que esta quarta-feira trabalharam às ordens de Francisco. Numa pré-época são quase 30 os que passam pelas suas mãos. William Carvalho, Carrillo, Manuel Fernandes, Eder, Ricardo Pereira, André Almeida, Miguel Veloso, Francisco Geraldes, Sílvio ou João Mário são alguns dos futebolistas que já se renderam às evidências de trabalhar o físico com um treinador pessoal.
O treino individualizado para o desenvolvimento das capacidades físicas do atleta de alta performance é, cada vez mais, uma realidade de mãos dadas com o mundo do futebol. O principal objetivo dos jogadores, que começam a procurar este tipo de ajuda fora dos clubes, passa por “maximizar o rendimento físico”, algo que é feito por Francisco “consoante as necessidades de cada um”, de forma a resultar “numa melhor performance em campo”, assim como “prevenir que os jogadores tenham lesões ao longo da época”, segundo explica ao Bancada.
Tudo começou com Jorge Teixeira, defesa central que atualmente representa o Charlton, “há cerca de três anos”, numa altura em que Francisco estava a terminar a formação de PT e depois de ter estudado treino desportivo, na vertente de futebol, na Universidade. “Gostava muito de futebol e da parte do treino, mas sempre tive uma paixão maior pelas capacidades físicas, na vertente da força, potência e velocidade. Sempre pensei que se os atletas treinassem bem nestas vertentes poderiam despontar para outros patamares”, relembra-nos Francisco Martins.
Miguel Veloso viu as publicações nas redes sociais do ex-colega na formação do Sporting e também quis experimentar. Seguiu-se André Almeida, com quem Francisco jogou nos juniores do Belenenses. A partir daí deu-se a explosão. Internacionais portugueses ou jogadores estrangeiros. Do Benfica, Sporting e FC Porto. Até jovens promessas aderiram a este tipo de trabalho. “Depois de perceber que a adesão era muita, vi que era um mundo a explorar e decidi investir nesta área, estudando e tirando formações, tentando aprender sempre mais”, confessa. A lista de atletas não se fica apenas pelo futebol, mas é aqui que se centra grande parte do dia-a-dia de Francisco Martins. Por vezes, até da madrugada. Mas já lá iremos…
Avaliação e plano individual são receita do sucesso
Num momento em que os clubes de futebol são cada vez mais especializados a nível do treino, não deixa de ser curioso que os jogadores comecem a optar por trabalhar também o físico fora do emblema que representam. Para Francisco, que tem em Rui Jorge, que o treinou no Belenenses, uma das maiores inspirações, “por ser muito coerente, profissional e ter transmitido os valores da importância de ser responsável em termos disciplina no trabalho”, o segredo é a “individualização do treino, após ser feita uma avaliação das capacidades físicas do jogador”.
“O processo desenrola-se de maneira a avaliar o atleta quando chega, na componente da estabilidade, da mobilidade, de padrões de movimento… Depois, através dessa avaliação, perceber o que precisa de potenciar. A grande virtude deste trabalho é o facto de não ser igual para todos os jogadores. Cada um tem o seu plano e treino específicos”, desvenda-nos Francisco. A avaliação torna-se essencial para perceber a razão de determinados jogadores se sentirem cansados ou até não jogarem. “Tento perceber quais são as condicionantes que eles têm, as virtudes que podem trabalhar e a partir daí faço um trabalho mais específico”, diz.
Para o antigo futebolista, que deixou os relvados em 2013/14, época em que representou a AD Carregado, antes de se dedicar à carreira de PT, é importante os jogadores “perceberem que o trabalho físico é tão ou mais importante que o trabalho com bola”. “Se os atletas investirem mais neles, em não terem lesões, em terem as capacidades físicas no seu melhor, o rendimento vai ser superior dentro do campo. Em primeiro lugar é necessário garantir que não se lesionam, pois assim vão poder jogar os jogos todos. Se estiverem suficientemente estáveis e bem vão conseguir jogar mais e melhor”, realça.
“Há jogadores que treinaram uma ou duas vezes comigo e perceberam os benefícios que este trabalho pode ter ao longo de um ano”, garante. Os efeitos do treino e dos métodos de Francisco Martins revelam-se a cada dia nos relvados portugueses e internacionais, mas também fora do campo. Os benefícios gerados pelo ginásio acabaram por gerar uma relação de confiança entre o “mestre” e os “alunos”, sendo que, em alguns dos casos, essa relação com os jogadores ultrapassa as paredes do ginásio e extravasa para a amizade. No último verão, por exemplo, foi assistir a dois jogos do Europeu a convite do amigo William Carvalho.
William e a sobrecarga de jogos
William Carvalho é um dos jogadores com maior número de jogos no futebol europeu durante as últimas épocas, uma vez que, verão após verão, tem participado em competições internacionais de seleções, tanto a nível de Sub-21 como da Seleção principal. Essa sobrecarga de jogos é algo a ter em conta no trabalho realizado com o médio do Sporting.
“O processo tem de ser pensado de forma inteligente”, começa por explicar. “Estamos a falar de um atleta com quase 40 jogos em cima e o mais importante é garantir que ele está sempre pronto para jogar. É fundamental gerir as cargas de esforço, as cargas agudas e crónicas de jogo. O William é um atleta que joga sempre, pode ter uma sobrecarga maior e o importante é garantir que ele está sempre flexível e mais móvel”, assegurou o PT.
Com base na especificidade de treino já abordada, Francisco estabelece uma comparação entre o trabalho desenvolvido por William e pelo portista Ricardo Pereira. “É um trabalho completamente diferente. Um precisa de trabalhar mais ao nível de força excêntrica ou de recuperação da cadeia posterior [Ricardo] e outro precisa de um trabalho mais ao nível da flexibilidade, mobilidade e estabilidade [William]. As características dos atletas são fundamentais para programar o que quer que seja para eles”, frisa.
Sem colocar em causa o trabalho desenvolvido em termos de treino físico nos clubes, que considera “muito bom”, Francisco Martins explica-nos o que leva os jogadores a procurar ajuda por fora. “Aqui a grande vantagem é perceberem que podem trabalhar de forma individualizada e pessoal. Num clube existe dois ou três preparadores, teriam de haver mais preparadores para ter este nível de especialização. Os atletas procuram, cada vez mais, ter alguém que sabe sempre o que ele precisa”, afirma, antes de dar um exemplo concreto do futebol internacional: “O Douglas Costa, por exemplo, tem um PT que o acompanha desde os tempos do Shakhtar Donetsk e que vive com ele”.
A culpa é de Ronaldo; Manuel Fernandes é o exemplo
Francisco aponta Cristiano Ronaldo como o “culpado” da enorme adesão de jogadores de futebol nos últimos anos aos benefícios de ter um personal trainer, com o qual trabalham fora dos clubes. “O grande exemplo que fez despoletar o interesse dos atletas foi o Cristiano Ronaldo. Uma semana antes da final da Champions ainda estava a fazer um programa específico de ginásio, por exemplo. Isso levou os jogadores a perceberem que podem melhorar a sua vertente física. Eles viram que o melhor do Mundo também trabalha por fora, não só no clube”, descreve Francisco Martins.
Tendo por comparação a capacidade de trabalho e dedicação do capitão da Seleção Nacional, entre todos os jogadores com quem trabalha, Manuel Fernandes merece especial distinção por parte do PT, de 27 anos. “Para o Manuel Fernandes o treino tem muita importância. Por vezes joga ao sábado à tarde e segue viagem para Portugal para treinar comigo ao final do dia. Já chegou a treinar comigo de madrugada, às 4 ou 5 horas, e depois ir apanhar o avião para a Rússia às 8 da manhã”, revela-nos Francisco Martins.
Segundo explica Francisco, que trabalha há duas épocas com o médio do Lokomotiv Moscovo, foi graças a este trabalho que Manuel Fernandes fez “a melhor época da carreira”, ficando o PT ainda admirado por este ter falhado a convocatória da Seleção Nacional para a Taça das Confederações. “Estamos a falar de alguém com 30 anos e que fez a melhor época da carreira, sem lesões, com 12 assistências e nove golos marcados, para além dos prémios que conquistou, sendo nomeado para melhor jogador do campeonato e para melhor em campo na final da Taça, que conquistou”, lembra.
“Para mim é o exemplo máximo. Sempre que tinha um dia ou dois livres vinha a Portugal para treinar comigo. Isso mostra a importância do trabalho personalizado e do desenvolvimento das capacidades físicas”, sublinha, antes de referir que essa fidelização mostrada por estes craques acaba por ser o maior elogio ao trabalho desenvolvido: “O melhor feedback que me podem dar é o compromisso de voltarem sempre cá para trabalhar, percebendo que o que fazemos tem um impacto positivo no jogo. Quando tenho um atleta que vem de Setúbal fazer 60 quilómetros, fazendo mais 60 para voltar, é sinal de que qualquer coisa está a ser bem feita e a valer a pena”, remata Francisco Martins.
As melhorias de Venâncio e a bola medicinal furada
Após algumas rotações e exercícios que misturam força e agilidade, Frederico Venâncio dedica-se aos alongamentos. Ao mesmo tempo Miguel Lopes já se “estica” com a ajuda da bola medicinal, fazendo o aquecimento para o seu treino diário. Ambos trocam palavras e ideias sobre a atualidade futebolística nacional. Lopes pergunta ao capitão do Vitória de Setúbal se continua pelo Bonfim, analisando depois os movimentos do defeso em Alvalade, entre uma e outra confidência sobre a passagem pela Turquia – na última temporada esteve emprestado pelo Sporting ao Akhisarspor.
Aqui, devido à enorme lista de “clientes” do mundo do futebol, acaba por ser natural que companheiros de equipa ou até rivais no campo se cruzem também fora dele. Terminado o treino – e iniciado o do lateral e do jovem atacante do Benfica B que o acompanha, porque o tempo é escasso e minutos depois chega Eder, esse mesmo, o herói do Europeu – fomos tentar perceber junto de Venâncio os efeitos que estes treinos, que iniciou no princípio da temporada passada, segundo nos confidencia, têm tido no seu rendimento em campo.
“Diziam-me que o Francisco [Martins] realizava um trabalho bem feito e que mostrava resultados”, começou por admitir o defesa central, que teve conhecimento do PT “através das redes sociais e de amigos”, decidindo depois experimentar. “Procurei este tipo de trabalho para melhorar em certos aspetos que era mais fraco. Especificamente, a agilidade e a nível das rotações. São aspetos fundamentais para a minha posição e para o papel que desempenho no campo”, revela Venâncio ao Bancada.
O filho do antigo central do Sporting, Pedro Venâncio, explica que não demorou a sentir efeitos positivos no rendimento em campo. “Começou a melhorar aos poucos e poucos, mas mais na parte final da época. Logo ao início, ao fim de três ou quatro semanas, consegui sentir pequenas melhorias. Era engraçado o facto rever os jogos em casa e conseguir identificar essas melhorias. Depois chegava aqui ao ginásio e dizia-lhe que o trabalho estava a ser bem feito”, conta.
Frederico realiza este tipo de trabalho especialmente na pré-temporada, estando agora a preparar-se para o arranque da época sadina, marcada para 29 de junho, mas também nas pausas maiores do calendário, quando há menos competição, garantindo que no Vitória, “nem clube, nem a atual equipa técnica” levantam qualquer problema. No entanto, refere que o mesmo pode não acontecer noutros clubes: “Podem não achar tanta piada, mas, a meu ver, este é um trabalho que não prejudica o atleta e só traz benefícios para ele e até para o próprio clube”.
O defesa, de 24 anos, acredita que “os clubes deviam ser mais abertos a estas pequenas atividades dos jogadores” e sublinha que gostaria que este tipo de trabalho fosse possível fazer dentro das próprias equipas num futuro próximo. “O trabalho que o Francisco faz não existe em muitos dos clubes. No caso do Vitória temos a parte do ginásio, mas esta parte específica de treino, de preparação e prevenção de lesão, já não acontece muito. Se os clubes investissem um pouco em pessoas com as competências dele e as introduzissem em equipas técnicas, seria uma mais-valia para toda a gente”, afirma.
Venâncio desfaz-se ainda em elogios aos métodos apresentados por Francisco Martins durante os treinos. “Antes de cada exercício tenta explicar mais ou menos aquilo que vamos fazer e para que fins estamos a trabalhar nisso. Não nos manda apenas fazer, diz quais são os benefícios que vamos ter com os exercícios. Isso é uma das grandes qualidades que ele tem. É uma pessoa muito empenhada. Nota-se que os jogadores vêm para aqui com vontade de treinar e de aprender e melhorar com ele”, explica-nos.
Até ao dia em que a pré-época vitoriana arrancar, Frederico Venâncio vai continuar a trabalhar às ordens de Francisco Martins e dos benefícios que acredita que o treino específico lhe está a trazer. Até porque garante-nos que ainda tem um objetivo por cumprir ate lá. “Já lhe disse que impus o objetivo de furar a bola medicinal”, diz, antes de soltar uma risada. É esse um dos objetos com que mais gosta de trabalhar. “A parte dos abdominais e as rotações com a bola são os meus exercícios preferidos”, garante. E os piores? Venâncio não consegue especificar: “Todos [risos]”. Antes de deixar as instalações do ginásio Mr. Big, em Carcavelos, Venâncio sublinha que “no final do treino saímos daqui cansados, mas sabe bem”.