Prolongamento
“O cadáver ainda não arrefeceu e ali só se vê cálculo”
2021-07-26 12:20:00
Sócrates defende Vieira e critica Justiça e direção do Benfica

O ex-primeiro-ministro José Sócrates saiu em defesa de Luís Filipe Vieira, considerando “repulsiva” a forma como o Benfica tem lidado com a investigação ao seu ex-presidente.

Numa análise à forma como Vieira tem sido investigado, Sócrates, arguido no processo Marquês, não deixou de realçar a luta pelo poder que se começou a formar na Luz com a queda do ex-dirigente.

“A cena em palco no Benfica é ainda mais repulsiva”, escreveu o ex-governante, numa reflexão sobre as investigações judiciais que publicou na rede social Facebook.

A investigação a Luís Filipe Vieira, no âmbito da operação Cartão Vermelho, originou uma luta pelo “poder” no Benfica que ficou visível com “a violência do silêncio” dos responsáveis encarnados, ao optarem por não defender publicamente a presunção de inocência de Vieira.

“Nem uma palavra de simpatia por quem ainda ontem era o líder da equipa. Nem uma palavra. O cadáver ainda não arrefeceu e ali só se vê cálculo e ambição e poder e oportunismo”, comentou José Sócrates.

Com o Benfica em “silêncio” sobre a inocência presumida do ex-presidente, os “calculistas” procuram agora a melhor opção para chegarem ao poder, encenando o “megalómano espetáculo” da sucessão de Vieira por Rui Costa.

“Aquelas pessoas perderam-se ali mesmo, no preciso momento em que encenaram o megalómano espetáculo do estádio vazio de onde emergiria a figura redentora. No final, o pano desce tristemente, mostrando que por detrás dele nada existe - nem legitimidade, nem gravitas. Os mais calculistas são frequentemente os mais incautos. À volta, de novo, o silêncio”, complementou o ex-primeiro-ministro.

As críticas de Sócrates à “repulsiva” falta de solidariedade do Benfica para com o ex-presidente surgiram depois do arguido no processo Marquês ter afirmado que continua “tudo desesperadamente igual” na forma como as autoridades conduzem as investigações judiciais, pegando no exemplo da detenção de Vieira.

“A detenção usada para investigar e a violação do segredo de justiça usada para difamar. No centro da ação mediática já não está uma pessoa com os seus direitos, mas um alvo a que ninguém dará ouvidos quando chegar a sua vez de dizer qualquer coisa em sua defesa”, sustentou.

“A maledicência estatal resultou em pleno e o plano foi repetido sem falhas, pouco importando se toda a atuação se baseou na ação criminosa de violação de segredo de justiça. Afinal, quem ainda liga a isso? Quem se interessa ainda por saber se havia ou não fundamento legal para a detenção?”, provocou.

Ao exemplo de Luís Filipe Vieira, Sócrates juntou o de Joe Berardo, outra vítima deste “espetáculo de violência estatal” de “deter para investigar”.

“Abuso e crime, eis o comportamento institucional onde se já se vislumbra o que a senhora ministra da Justiça chamou, em artigo recente, ‘direito dos justiçáveis’. Eis como tudo encaixa. Na verdade, Joe Berardo e Luís Filipe Vieira já não são indivíduos com direitos, são ‘justiçáveis’”, reforçou.

Desde que foi detido, no âmbito do processo Marquês, José Sócrates tem vindo a denunciar as “transgressões” do sistema judicial. A recente detenção de Vieira serviu como mais um argumento para as críticas do ex-governante à Justiça.

“Se violarmos as normas muitas vezes, as pessoas acostumam-se e aceitam. Agora, prende-se primeiro e pergunta-se depois; agora, arrastam-se as pessoas para a cadeia para humilhar, para despersonalizar e para intimidar os outros - calem-se, que vos pode acontecer o mesmo. A detenção para interrogatório deixou de ser um dispositivo extraordinário da ação judicial para se transformar num vulgar instrumento da violência estatal quando identifica o inimigo social”, apontou.

Nesta longa reflexão, em que aborda os casos de Luís Filipe Vieira e de Joe Berardo, o ex-primeiro-ministro aproveitou ainda para criticar Henrique Araújo, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

“O extraordinário é que a única preocupação do senhor presidente seja a de se perguntar se ainda faz sentido que o Estado Democrático garanta ao cidadão o direito a poder recorrer de uma decisão judicial que considere errada ou injusta. É absolutamente extraordinário. E mais extraordinário ainda é o silêncio. A violência do silêncio”, finalizou José Sócrates.