Rio Ave e CD Tondela destacam-se pela forma como comunicam e já há clubes que lhes seguem o exemplo noutros escalões
É certo e sabido que as redes sociais mudaram a vida das pessoas, mas também ajudaram a alterar a forma como os clubes de futebol comunicam. Atualmente não há emblema na Primeira Liga que deixe de comunicar contratações, resultados de jogos ou imagens dos treinos, por exemplo. No entanto, há quem o faça de forma mais original que os outros. Tudo para reduzir distâncias para os emblemas grandes, para aproximar o clube dos adeptos ou até mesmo dos clubes adversários, de forma a “ajudar a promover o fair play”, como sublinha Vítor Ramos, responsável pela já famosa comunicação do CD Tondela. Esta tendência criativa por parte dos clubes nas redes sociais até foi impulsionada por um carismático jogador: Ukra. “Tê-lo no Rio Ave ajudava muito”, começa por dizer-nos Marco Aurélio Carvalho, responsável dos vila-condenses. “Ajudava, mas também dava dores de cabeça, porque por vezes era preciso colocar um travão”, relembra ao Bancada.
Rio Ave e Tondela são dos dois clubes que mais se destacam neste capítulo, cada um à sua maneira. “Felizmente, temos um grupo de diretores de comunicação, rapazes novos e que começaram agora, que trocamos conceitos e falamos regularmente, damo-nos todos muito bem e somos pessoas com relacionamentos fantásticos, independentemente da nossa ‘clubite’”, refere Marco Aurélio Carvalho, diretor de comunicação do Rio Ave, cargo em que se iniciou há três anos. Quando chegou ao Estádio dos Arcos começou a revolucionar todas as vias comunicacionais do clube. Já a estratégia comunicacional do CD Tondela iniciou-se em 2012. Ambos cresceram nas redes sociais e tornaram-se nos grandes exemplos de criatividade do nosso campeonato.
Agora, são vários os clubes que lhes seguiram os passos, quer no patamar mais alto do futebol português, como nas divisões inferiores. O Santa Clara é outro caso. Emanuel Melo, novo diretor de comunicação dos açorianos, confessa-nos mesmo que o trabalho feito pelo CD Tondela e pelo Rio Ave serviu de inspiração para os vídeos frequentes que começaram a sair na página de Facebook do clube. “Vamos sempre buscar os bons exemplos”, sublinha. Entretanto, o Paços de Ferreira também já se começou a render. Tal como o Vianense, o CD Mafra ou FC Vizela, por exemplo, todos do Campeonato de Portugal.
Como surgiu, então, esta aposta? “Já é uma estratégia nossa de algum tempo, com esta proximidade e linguagem informal para com o adepto. Queremos chegar mais facilmente aos adeptos, porque eles é que interessam e são o mais importante de tudo isto que é o futebol”, explica Vítor Ramos, diretor de comunicação do CD Tondela, ao Bancada. Contudo, neste defeso a aposta ganhou uma nova dimensão, com algumas curtas-metragens a servirem de apresentação para os novos reforços ou até com os jogadores a fazerem de jornalistas nos pós-jogos.
“Esta vertente mais humorística é recente. Apostámos ainda mais nisto, aproveitando aquilo que os nossos jogadores têm de melhor, para divertir as pessoas e mostrar aquele lado que conhecem menos bem. O pontapé de saída foi dado em junho com a renovação do Cláudio Ramos. Foi um vídeo que brincou um pouco com os sentimentos das pessoas, mas sempre com bom senso e sem gozar, porque é um jogador muito querido pelos adeptos. Como ele ia ficar, sabíamos que as pessoas iam adorar a notícia”, conta-nos o responsável pela comunicação dos tondelenses. O resultado foi tão positivo que a aposta teve continuidade. “Passou em todas as televisões, o que para o Tondela não é propriamente fácil, sobretudo graças a um vídeo nas redes sociais”, frisa.
Já Marco Aurélio Carvalho explica que o tipo de comunicação feito no Rio Ave só é possível pela abertura dada pela direção. “Uma das premissas – e isso faz com que esta direção se diferencie de todas as outras – é ter total autonomia para trabalhar a minha área, de forma responsável e reportando ao presidente, mas com total autonomia”, revela o diretor do Rio Ave. O processo foi complicado, pois “a utilização das redes sociais era diminuta” por parte do clube. “O clube tinha poucos seguidores, cerca de cinco mil e não havia relação entre clube e adeptos nas várias plataformas. Quando cheguei fiz um site novo, oficializámos a página de Facebook, criámos uma conta de Instagram e depois comecei a trabalhar consoante a minha criatividade, que é aquilo que mais gosto de fazer, tentando mostrar aos nossos sócios, adeptos e a quem gosta de futebol, o que é a vida de um clube para além dos 90 minutos”, conta-nos.
Os resultados não demoraram a saltar à vista. “Ao fim do primeiro ano tínhamos mais de 40 mil seguidores no Facebook e muita interatividade no Instagram”, sublinha. O segredo foi mostrar “o dia a dia de trabalho, com os pequenos momentos íntimos” do grupo. “Também trabalhámos a parte da solidariedade. Conseguimos levar causas ao balneário, chamar pessoas a essas causas. Foi uma forma de abrir o clube à sociedade”, aponta o responsável do clube de Vila do Conde. Tal como acontece em Tondela. “Apostámos forte na comunicação desde 2012 – antes disso não havia nada. O crescimento foi gradual, pois na altura não trabalhávamos como agora, mas este impacto foi a partir do ano da subida, em 2015. A página está a crescer bastante nesta fase, apesar de não aproveitarmos a questão da publicidade no Facebook, fazendo a promoção das publicações. Não temos plafond para isso porque se o fizéssemos já tinha disparado muito mais”, aponta Vítor Ramos.
Mais recente foi a aposta do Santa Clara. “Começou há um mês, quando cheguei ao clube”, afirma Emanuel Melo. “O objetivo é catapultar a imagem do Santa Clara para outro patamar. Se não temos o mesmo alcance dos clubes grandes, sabemos que não vamos ter tanto destaque. Então temos de fazer as coisas de forma diferente. E uma maneira de termos o nosso espaço na comunicação social é fazer as coisas de forma alternativa e que cative as pessoas. É isso que temos tentado fazer”, assegura o novo diretor de comunicação do clube da Segunda Liga.
A mesma ideia é partilhada por Marco Aurélio Carvalho. “Se eu chamar a imprensa para fazer a apresentação de um jogador, vem aqui um ou dois jornalistas e saem cerca de 300 caracteres no jornal. A atenção é menor. Se o FC Porto apresentar um jogador no mesmo dia, o espaço vai ser reduzido e arrisco-me a não ter cá ninguém. Então, começámos a trabalhar para os nossos sócios, a brincar com eles, a despertar a curiosidade e a fazer estas coisas criativas. Tentar que eles adivinhem quem está a chegar ao clube, lançar o isco para uma nova contratação e ao fim do dia anunciar o reforço”, desvenda.
Por enquanto, nem todos os clubes utilizam as redes sociais desta forma. E alguns mostram mesmo pouca atividade e uso de ferramentas tão importantes. Nem todos os clubes da Primeira Liga colocam vídeos nas redes sociais, outros nem asseguram uma comunicação diária e só alguns o fazem de forma frequente ao longo de um dia. Depois há uma “moda” adotada pelos três grandes e também já seguida por alguns dos outros, que passa por publicar fotos de adeptos com a camisola do clube vestida num ponto específico do planeta. Uma forma de ter maior interação com os adeptos. No entanto, se em termos de quantidade e qualidade dos conteúdos partilhados no Facebook os grandes acabam por se destacar, há quem opte pela tal criatividade e pela abertura por reduzir essas distâncias. A tabela seguinte, que resulta de uma pesquisa pelas páginas de Facebook dos clubes, espelha essa distância.
Campeonato das redes sociais

Uma comédia em Tondela, com Jaquité no papel principal
Se as ideias nascem da cabeça dos diretores de comunicação destes clubes, elas só são possíveis de concretizar graças à contribuição dada pelos jogadores. “Há uma coisa muito, muito importante, que é o grupo. Se há coisa que caracteriza o grupo do Rio Ave é o facto de ser uma família. Somos um clube pequeno, muito polivalente, onde todos se conhecem, onde toda a gente sabe dos problemas de toda a gente, vivemos em autêntica família. Depois temos pessoas fantásticas. Os jogadores têm confiança em mim. Relaciono-me bem com eles e por isso há uma confiança mútua para poder trabalhar à vontade. Há uma recetividade muito grande”, afirma Marco Aurélio Carvalho.
Por outro lado, em Tondela inicialmente Vítor Ramos encontra alguma “resiliência” entre os jogadores, mas depois tudo acaba por “adorar” o resultado final. Tanto que a pré-temporada tem sido uma “comédia”, segundo nos conta o responsável dos tondelenses. “Os jogadores tradicionalmente nunca gostam e dizem sempre que não querem fazer. Mas depois são os primeiros a entusiasmarem-se e a querer fazer. Adoram ver o resultado final, brincam entre eles e divertem-se. Esta pré-época do Tondela tem sido uma comédia pegada, porque eles adoram isto. Temos um jogador muito carismático no plantel que é o Jaquité, que é estrela em quase todos os vídeos. Eu luto para não o utilizar mais vezes, porque ele está quase sempre a aparecer, mas aquilo já é natural e ele torna-se facilmente na estrela”, assume.
Por outro lado, a “estrela” em Vila do Conde, durante alguns anos, foi Ukra. “Se deixarmos fazer tudo o que ele quer… Mas o Ukra percebia bem o que era razoável e o que não era. No entanto, perdemos o Ukra mas temos o Pedro Moreira, o Vilas Boas, o Guedes, o Novais, o próprio Tarantini, o Rúben Ribeiro. Todos eles são abertos para isto e têm uma disponibilidade incrível. Tenho uma série de palhaços, no bom sentido, no balneário. Isso ajuda-me imenso. E a relação fantástica que tenho com eles, também”, assegura Marco Aurélio Carvalho.
“As ideias das publicações dependem da minha cabeça, do que me lembrar”, sublinha o diretor de comunicação do Rio Ave. Algo que também acontece com o colega de Tondela. “Sou o cérebro, mas tenho alguém que executa o que me vai surgindo na cabeça”, revela Vítor Ramos. Isto porque este tipo de comunicação é trabalhosa e envolve muita logística. “Não faço o trabalho sozinho, isso seria impensável. No clube, em termos de comunicação, estou sozinho a tempo inteiro, mas temos uma agência que trabalha connosco mais na parte multimédia, que executa as ideias que me vão surgindo”, admite o responsável do CD Tondela.
Por sua vez, Marco Aurélio Carvalho diz-nos que a comunicação do Rio Ave está toda a seu cargo. “É um processo trabalhoso porque não temos os meios dos clubes grandes. Não tenho uma empresa a trabalhar para mim. Sou eu que fico a trabalhar até tarde, se for preciso, retirando algumas vezes tempo à minha família. Fico agarrado ao computador a editar os vídeos e a fazer filmagens. Mas quando se faz por gosto vale sempre a pena”, assume o “cérebro” vila-condense.
Inspiração inglesa e postura agregadora
“Não quero parecer presunçoso, mas as ideias são quase 100 por cento originais. Surgem espontaneamente. Temos um jogador para apresentar, olhamos para ele, tentamos encontrar alguma situação específica e pegamos nisso. No caso do Tyler Boyd, por exemplo, colocámos um australiano a apresentar um neozelandês. Juntar dois jogadores destes países é algo quase inédito em todo o mundo, quanto mais em Portugal”, assevera o diretor do CD Tondela, sobre o avançado que chegou por empréstimo do Vitória de Guimarães e que foi apresentado pelo defesa Nick Ansell.
Apesar de referir que os vídeos do CD Tondela primam pela originalidade, Vítor Ramos admite também que encontra alguma inspiração para as ideias através dos exemplos ingleses. “Não se trata de imitar, mas bebemos aspetos positivos, sobretudo do futebol inglês. Na época passada lançámos os CDT Challenges, que é uma aposta banal lá. Aqui ninguém o fazia. Pegámos nisso e fomos os pioneiros em Portugal”, diz-nos.
“Quando o diretor de comunicação do GD Chaves foi para lá veio falar comigo; o do Aves também. Costumo falar com o Vítor [Ramos] do Tondela e damo-nos muito bem. Não trocamos propriamente ideias, mas o ambiente entre nos é fantástico, ajuda-nos a viver isto de forma diferente e a poder mostrar às pessoas que não estamos sozinhos. O caminho tem de ser mesmo este, senão as coisas estão mal contadas”, aponta Marco Aurélio Carvalho.
Os clubes pequenos já seguem estes exemplos. E os grandes também passarão a seguir? “Eles têm uma grande vantagem que é o alcance, pois o que metem atinge milhões de visualizações. Mas o caminho que estão a seguir rege-se por outros interesses, outras políticas de comunicação, que não são aquelas que a mim, pessoalmente, me interessam. Não faz sentido seguir uma política mais agressiva para com o clube a, b ou c. Interessa-me muito mais que os sócios e adeptos e jogadores do Rio Ave disfrutem do dia a dia e do lado bonito do futebol, porque vai trazer-me mais dividendos. Não me adianta mostrar um lado mais negro”, salienta o responsável da comunicação do Rio Ave.
O “fair play” também é um dos pontos abordados por Vítor Ramos. “Um dos objetivos desta estratégia não é apenas o lado interno, mas também o futebol no seu todo. Queremos passar uma imagem de clube agregador, que se dá bem com as instituições, que promove o futebol como um todo, ao contrário do que, infelizmente, vai acontecendo. Esse é o nosso espírito. Tanto no dia a dia, como nos jogos ou com os outros clubes. É isso que tentamos passar na comunicação”, garante-nos.
“Temos adversários dentro do campo, fora dele não faz sentido. É isso que acontece em Inglaterra, Espanha e Alemanha. O que se vê dos clubes é isto. Rivalidade sempre haverá, mas este espírito de promoção e fair play prevalece. Estamos muito orgulhosos de ver que esta forma humorística de apresentar jogadores está a fazer escola no nosso país. Dois dias depois do vídeo do Cláudio Ramos o CD Mafra fez uma coisa igual, precisamente com um guarda-redes. Temos clubes desde a Primeira liga aos campeonatos distritais a fazer coisas idênticas. Por isso, quero acreditar que estamos a ajudar a criar um clima mais positivo”, confessa ao Bancada o diretor de comunicação do Tondela.
Vítor Ramos pega ainda num exemplo concreto que ajudou a concretizar uma relação de “amizade” entre clubes e que até, quem sabe, terá dado um empurrão no defeso. “No ano passado elogiámos o Vitória de Guimarães pela forma como os adeptos encheram o estádio contra o CD Tondela e a apoiaram a equipa do início ao fim, como não se vê em mais lado nenhum. A partir daí ficou uma amizade tão grande que hoje em dia até já nos emprestam jogadores. Pode não estar relacionado, mas facilita. São pontes criadas fruto dessa comunicação.”, garante.
Comunicação que valeu a permanência?
Este tipo de comunicação ajuda a dar visibilidade aos clubes, a conferir-lhes uma imagem positiva, a chegar aos adeptos e até a criar pontes. No entanto, fica a questão se também acaba por ter influência em campo. Há quem julgue que sim. “Acredito que as estratégias de comunicação fazem a diferença no campo. A nossa tem o condão de unir o grupo e entrosar os jogadores. Um jogador chega e é apresentado por um colega de equipa de forma descontraída e descomplexada, não é a mesma coisa que tirar meia dúzia de fotos num estúdio a frio e depois ir para o meio dos novos colegas. Acaba sempre por ajudar. Não tenho dúvidas que dá um impulso para um início mais positivo”, assegura Vítor Ramos, do CD Tondela.
Uma visão corroborada pelo representante do Santa Clara. “É também uma forma de promover os atletas e os jogadores. A maioria gosta desta exposição e de aparecer. Para aqueles que estão mais distantes das famílias é sempre uma forma de os poderem ver e é muito interessante para eles”, frisa Emanuel Melo.
“Quando vou ao ginásio, ao balneário ou ao treino e mostro algo que eles fazem, os jogadores gostam. Se fizer este tipo de trabalhos eles sentem-se valorizados, porque sabem que os sócios estão a vê-los. Há esta procura constante de os ajudar a colocar coisas nos perfis pessoais. Eles pedem para colocar algo mais bonito e eu meto, desde que exista disponibilidade”, explica Marco Aurélio Carvalho, partilhando a mesma ideia dos homólogos.
No caso dos tondelenses, o diretor de comunicação vai mais longe e relembra a recuperação milagrosa que permitiu a permanência em 2015/16. “Em janeiro estávamos em último e todos nos davam como condenados. Não vencíamos há alguns jogos. Então, lançámos a hashtag #acreditatondela. Algo simples e nada original. Colocámos mensagens e vídeos e todos começaram a partilhar”, relembra Vítor Ramos.
“Pouco tempo depois de lançar a campanha começámos a ganhar. Claro que não foi a hashtag que colocou a equipa a vencer, mas quero acreditar que há sempre uma percentagem que ajuda, porque motiva os jogadores. Era muito fácil dizer que o Tondela já não tinha condições para lutar e as frases que foram saindo na imprensa foram aproveitadas para a campanha, de forma a picar os jogadores. E eles sentiram-se feridos no orgulho. A verdade é que resultou. Ninguém pode dizer que foi da campanha, mas quero acreditar que sim, que ajudou”, argumenta o diretor de comunicação do clube que vai para a terceira temporada consecutiva no principal escalão do futebol português.
De certa forma, a permanência do CD Tondela, novamente após recuperação impressionante na parte final da última época, dá a oportunidade aos adeptos do futebol de desfrutarem por mais tempo da comunicação criativa do clube do distrito de Viseu. E preparem-se para mais, pois muitas surpresas podem estar por acontecer. “Há sempre espaço para criatividade e originalidade. Já temos aí umas ideias [risos]. Esta ideia dos vídeos dos reforços já estava pensada há um ano, mas estávamos à espera da pré-época. Não podemos ter esta abordagem durante a época, embora também não nos queiramos fechar”, assegura Vítor Ramos, revelando ao Bancada que ainda esta noite de sábado deverá surgir mais um conteúdo original. Aguardemos, então, pacientemente…