Prolongamento
Manuel Fernandes descobriu José Mourinho e conta como o lançou
2021-09-10 09:40:00
Mourinho vai cumprir o milésimo jogo nos bancos no domingo, na receção da Roma ao Sassuolo

O “valor extraordinário” de José Mourinho para exercer funções técnicas foi descoberto pelo ex-jogador, treinador e dirigente de futebol Manuel Fernandes na época 1988/89, quando ambos se conheceram no Vitória de Setúbal.

“Eu treinava a equipa principal e ele orientava os juniores. Na altura, havia o campeonato de reservas, que também era importante, e eu precisava sempre de metade dos juniores para jogar com as reservas. Assim, assisti a muitos treinos dele e conversávamos sobre os atletas que poderia indicar para as reservas. Fui começando a gostar da sua forma de trabalhar e lidar com os miúdos”, lembrou à agência Lusa a antiga ‘glória’ do Sporting.

Manuel Fernandes ficou mais uma época no Vitória de Setúbal, então na I Liga, e rumou no verão de 1990 ao Estrela da Amadora, convidando o jovem sadino, a caminho de cumprir 26 anos, a assumir o primeiro cargo técnico em equipas seniores como adjunto.

“A primeira pessoa que me lembrei para trabalhar comigo foi ele, mesmo sendo professor do ensino secundário e estando a dar aulas numa escola em Alhos Vedros. Respondeu-me logo: ‘‘mister’, é para já. Peço uma licença sem vencimento e vou trabalhar consigo’”, rememorou, a caminho de um emblema que atravessava a melhor fase da sua história.

Dois meses depois de uma inédita conquista da Taça de Portugal, sob orientação do antecessor João Alves, o Estrela da Amadora perdeu a Supertaça Cândido de Oliveira frente ao FC Porto e estreou-se nas provas europeias, via Taça das Taças, afastando os suíços do Neuchâtel Xamax, mas ‘caindo’ perante os belgas do Liège na segunda ronda.

Manuel Fernandes e José Mourinho trabalharam na Reboleira até janeiro de 1991, sendo rendidos por Jesualdo Ferreira, que não evitaria a despromoção dos ‘tricolores’ à II Liga, na qual voltariam a cooperar na segunda metade de 1991/92, ainda que à distância.

“Fui para a Ovarense, mas ele voltou a dar aulas e não pôde ir. Disse-lhe para ver jogos dos adversários que iria defrontar. De 15 em 15 dias, ia com a mulher dar uma volta por Castelo Branco, Covilhã e Viseu. Trazia-me um relatório elaborado de tal forma que nem precisava de me preocupar com nada. Já mostrava que era diferente dos outros”, notou.

No verão de 1992, Manuel Fernandes regressou ao Sporting como treinador-adjunto e ajudou o então presidente dos ‘leões’ José Sousa Cintra a definir o sucessor de António Dominguez, procurando interromper um longo ‘jejum’ de títulos de campeão nacional.

“Começámos a ver que perfil de treinador que queríamos e disse-lhe que gostava de ter um treinador inglês. E assim foi. Fomos ver os treinadores que estavam livres, reparámos que o Bobby Robson acabava contrato com o PSV Eindhoven e viajámos para os Países Baixos. Falámos com ele, viu que o projeto era interessante e aceitou logo”, enquadrou.

Consumada a contratação do ex-selecionador inglês e bicampeão holandês, Manuel Fernandes convenceu José Sousa Cintra a juntar à equipa técnica José Mourinho, que “dominava muito bem a língua inglesa” e “tinha impressionado através do seu trabalho”.

“Quando o escolhi, sabia que iria tirar dividendos, porque ele era mesmo bom. O José sabe que fui importante no lançamento da carreira dele, porque nunca sabemos o que aconteceria nesta vida desportiva. Muitas vezes, as oportunidades não aparecem, mas mostrou que a merecia e teve sucesso muito grande. O que fica é a amizade. Para os amigos, nunca há gratidão. Fiz aquilo que a consciência me mandou”, reconheceu.

Os dois adjuntos assinaram por duas épocas, mas duraram praticamente ano e meio, saindo juntamente com Bobby Robson, despedido pelo líder do Sporting na ‘ressaca’ da eliminação da terceira ronda da Taça UEFA diante dos austríacos do Casino Salzburgo.

“O Robson já sabia que podia ir para algum clube e de certeza que combinou com o José que queria levá-lo para adjunto. E assim foi”, referiu Manuel Fernandes, que foi logo treinar o Campomaiorense, enquanto ‘Mou’ e o inglês, falecido em 2009, conquistariam dois campeonatos, uma Taça de Portugal e duas Supertaças no FC Porto (1994-1996).

Essa dupla seria aposta dos espanhóis do FC Barcelona em 1996/97, celebrando uma Taça das Taças, uma Taça do Rei e uma Supertaça, mas separou-se com o regresso de Bobby Robson a Eindhoven, viabilizando que o setubalense iniciasse na Catalunha uma colaboração de pouco mais de duas épocas com o reputado holandês Louis van Gaal.

“Ainda hoje está no auge da carreira e a treinar equipas de alto gabarito. Há muito mérito dele, mas não me surpreende. Além de metódico, era muito bom na liderança e isso tem peso muito grande no sucesso. Acho que não sairá das quatro maiores ligas europeias, mas sei que ser selecionador português é um objetivo seu, mas mais à frente”, concluiu.

José Mourinho, de 58 anos, vai cumprir o milésimo jogo nos bancos no domingo, na receção da Roma ao Sassuolo, em jogo da terceira jornada da Liga italiana, 21 anos depois da estreia como treinador principal pelo Benfica, em 23 de setembro de 2000.