Quem é Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica? Para muitos, Luís Filipe Vieira é o presidente que salvou o Benfica, recuperando o clube da falência. Para outros tantos, a biografia de Luís Filipe Vieira passa pelos inúmeros casos e processos em que foi suspeito ou arguido.
Aliás, é bom recordar que Luís Filipe Vieira renunciou à presidência do Benfica na sequência da Operação Cartão Vermelho, que investiga as suspeitas de corrupção desportiva.
Antes, LFV saiu ileso do Saco Azul do Benfica e da Operação LEX, do caso dos Vouchers ao Mala Ciao, do processo e-Toupeira à investigação sobre a falência do BES, sem esquecer ainda um dos processos judiciais ligados ao BPN e o famoso caso dos Emails.
Assim, esta biografia de Luís Filipe Vieira é um retrato da carreira do dirigente que impulsionou a formação do Benfica e vendeu jogadores por valores absurdos, mas a quem os críticos não perdoam a falta de transparência e, dentro do próprio Benfica, a perda do pentacampeonato.
Luís Filipe Vieira: Biografia do presidente que criou o Benfica moderno
Como vimos, a história recente aponta duas versões bem diferentes do ex-presidente do Benfica.
Portanto, o melhor é começar pelo início. Luís Filipe Vieira nasceu em Lisboa, a 22 de junho de 1949. Começou a trabalhar com 14 anos e não demorou a entrar em negócios em atividades como pneus, construção civil e imobiliário.
Na verdade, Luís Filipe Vieira mostrou desde cedo uma capacidade negocial invejável. No início dos anos 80, um conceituado empresário nortenho, Gomes de Lourosa, apelidou Luís Filipe Vieira de ‘Kadhafi dos Pneus’. Gomes de Lourosa não perdoou a LFV por este dominar o mercado dos pneus.
Luís Filipe Vieira, o sócio do FC Porto
Por essa altura, Vieira ainda não fazia parte do futebol português. No entanto, em 1985 registou-se como sócio do FC Porto, ficando com o número 17.599. Isso aconteceu por proposta do irmão de Pinto de Sousa (ex-presidente do Conselho de Arbitragem) após LFV ter ido a Basileia para a final da Taça das Taças de 1984, que o FC Porto perdeu para a Juventus.
Porém, no mundo dos negócios, era cada vez mais falada a aproximação de Luís Filipe Vieira, cada vez mais conhecido na construção civil e no imobiliário, com Pinto da Costa, presidente do FC Porto desde 1982.
Nessa altura, Luís Filipe Vieira já era associado do Benfica e também do Sporting. Por motivos de saúde, Vieira precisou de “usar as piscinas” do Sporting, no Campo Grande, e optou por se registar como associado dos leões.
Do Alverca para o Benfica
A chegada de LFV ao futebol português tem como data 1991. Em maio desse ano, Vieira é eleito presidente do FC Alverca.
Durante uma década como presidente, Luís Filipe Vieira levou o clube da II Divisão (escalão correspondente à atual Liga 3) ao principal escalão. Por essa altura, conheceu o empresário de futebol José Veiga.
LFV finalmente exibia os seus dotes negociais no futebol português. Em abril de 2001, o presidente do Alverca anuncia a transferência de Pedro Mantorras, a grande estrela da equipa e da seleção sub-20 de Moçambique, para o Benfica.
A transferência de Mantorras colocou definitivamente Luís Filipe Vieira no principal plano do futebol nacional. Por um lado, marcou o início do distanciamento em relação a Pinto da Costa. Por outro, foi a primeira suspeição de corrupção desportiva a pairar sobre LFV.
Ainda nesse ano de 2001, Vieira assume funções como assessor da SAD do Benfica. Dois anos depois, seria eleito como 33.º presidente do Benfica.
Onde está o dinheiro da transferência de Mantorras?
Como referido, a transferência de Mantorras do Alverca para o Benfica esteve na origem da primeira suspeita a envolver o ex-líder das águias. O clube da Luz pagou 5 milhões de euros, mas só metade da verba terá entrado nos cofres do Alverca.
Mais tarde, o Alverca entrou em insolvência e a Polícia Judiciária entrou em campo, realizando buscas para apurar todos os contornos da transferência de Mantorras. Dos 5 milhões pagos pelo Benfica, metade foi parar a uma conta offshore.
Em 2006, a propósito das buscas relacionadas com esse caso, Vieira admitiu publicamente a hipótese de renunciar. “Honestamente, já nem tenho vontade de continuar no Benfica”, afirmou LFV numa entrevista à SIC.
O caso Mantorras seria arquivado no ano seguinte.
Vieira e o roubo do camião
Por outro lado, Vieira já tinha problemas com a justiça ainda antes de desempenhar funções no Benfica.
Em 1993, Luís Filipe Vieira foi condenado pelo roubo de um camião, facto que aconteceu em 1984.
O Tribunal da Boa-Hora condenou Vieira a 20 meses de prisão. O empresário não chegou a cumprir a pena porque beneficiou das leis de amnistia de 1986 e 1991.
O mais curioso desta situação? Quem revelou publicamente que Vieira roubou um camião foi Pedro Guerra, jornalista d’O Independente que depois seria chamado pelo presidente do Benfica para dirigir os conteúdos da BTV.
Luís Filipe Vieira no Apito Dourado
Quando se fala nas escutas do Apito Dourado, de imediato surgem os nomes de Valentim Loureiro e Pinto da Costa. Todavia, Luís Filipe Vieira também foi apanhado nas escutas do Apito Dourado.
Em setembro de 2006, o jornal Público revelou parte da transcrição da escuta em que o presidente do Benfica veta quatro árbitros para a meia-final da Taça de Portugal: Lucílio Batista, António Costa, Duarte Gomes e Pedro Proença.
“O João... Pode vir o João”, disse Luís Filipe Vieira a Valentim Loureiro, nessa conversa transcrita pela Polícia Judiciária (PJ) e revelada pelo Público. E o jogo em causa teve como árbitro João Ferreira.
Na condução do processo Apito Dourado, o procurador Carlos Teixeira incluiu escutas a Valentim Loureiro e Pinto da Costa, entre outros dirigentes, mas não a escuta com Luís Filipe Vieira.
As suspeitas de corrupção envolvendo o Alverca
À margem do processo Apito Dourado, no ano de 2007 o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, foi investigado pela PJ devido a suspeitas de corrupção no tempo em que era líder do FC Alverca.
De acordo com uma denúncia anónima investigada pela PJ e revelada à época pela SIC, a PJ investigou jogos da época 1998/99. Nessa temporada, o FC Alverca salvou-se da despromoção e quem acabou por descer de divisão foi o Beira-Mar.
Em páginas de um documento da PJ revelado pela SIC, é referido em particular o jogo do FC Alverca com o Campomaiorense, que seria adversário direto na luta pela manutenção. Entenda-se que o Campomaiorense terminou esse campeonato com 37 pontos (13º classificado), o FC Alverca com 35 (15.º) e o Beira-Mar com 33 (16.º classificado e lugar de despromoção).
O texto, em papel timbrado da PJ, referia que “o melhor goleador do Campomaiorense simulou uma lesão e abandonou a partida”.
Além disso, no lance do golo de Mantorras (0-1, resultado final), “o defesa [do Campomaiorense] que estava à sua frente mergulhou para o chão, numa queda digna de qualquer palhaço”, refere ainda o documento.
No entanto, a PJ não deu seguimento à investigação.
Luís Filipe Vieira, 33.º presidente do Benfica
Mas regressemos ao ano de 2003. No dia 3 de novembro, LFV é eleito presidente do Benfica, sucedendo a Manuel Vilarinho. No histórico do clube, Vieira é o 33.º presidente do Benfica.
E nesse histórico, logo antes de Vilarinho, aparece um outro nome bem conhecido dos benfiquistas: João Vale e Azevedo, o advogado que mais tarde seria condenado em vários processos de burla.
Ora, uma das vítimas de Vale e Azevedo foi o próprio Benfica. Quando Vilarinho assumiu a liderança dos encarnados, o clube estava perto da insolvência.
Para recuperar o Benfica, Vilarinho foi buscar o então presidente do FC Alverca. Vieira entrou como gestor para o futebol e, dois anos volvidos, seria eleito presidente do Benfica.
O presidente que salvou o Benfica
Para a história, Luís Filipe Vieira fica registado como o presidente que salvou o Benfica. Não apenas na área financeira, mas também no capítulo desportivo.
Na verdade, além de uma situação financeira caótica, o Benfica não era campeão nacional de futebol desde 1994, quando o presidente era Manuel Damásio (que seria sucedido por Vale e Azevedo).
Seguindo os passos da recuperação do clube iniciados por Vilarinho, Luís Filipe Vieira avançou para a criação do centro de estágio. Uma decisão que se revelou fundamental, pois o talento proveniente do Seixal seria essencial para o regresso aos títulos e ainda permitiria vendas milionárias.
Com LFV na presidência, o Benfica chegaria por fim ao tetracampeonato, igualando os rivais Sporting e FC Porto. Porém, falharia o assalto ao pentacampeonato, que continua a ser um feito inédito para os dragões. E isso também aconteceu com Vieira na presidência, como veremos em detalhe mais abaixo.
Títulos de Luís Filipe Vieira
Com jogadores da formação e várias contratações certeiras de LFV, o Benfica voltou aos títulos.
No palmarés do presidente Luís Filipe Vieira constam (entre outros troféus):
7 Campeonatos (2004/05, 2009/10, 2013/14, 2014/15, 2015/16 ,2016/17 e 2018/19), incluindo o tetracampeonato 2013-2017; 3 Taças de Portugal (2003/04, 2013/14 e 2016/17); 7 Taças de Liga (2008/09, 2009/10, 2010/11, 2011/12, 2013/14, 2014/15 e 2015/16); 5 Supertaças (2005, 2014, 2016, 2017 e 2019).
O Benfica também chegou por duas vezes à final da Liga Europa, durante a presidência de Vieira, mas perdeu ambas para Chelsea (2012/13) e Sevilha (2013/14).
Os treinadores de Luís Filipe Vieira
A história regista também Luís Filipe Vieira como o presidente que mais tempo esteve à frente do Benfica: 18 anos.
E, como é natural, foram muitos os treinadores que passaram pela Luz durante as quase duas décadas de reinado de LFV.
Listar todos eles seria alongar este texto para além do necessário. Nesta biografia de Luís Filipe Vieira, importa realçar os técnicos que mais marcaram a vida do clube durante os vários mandatos do presidente.
José Antonio Camacho: O espanhol é o responsável pelo primeiro título do presidente Vieira no futebol, com a Taça de Portugal de 2003/04; Giovanni Trapattoni: A velha raposa do futebol italiano garante ao Benfica o primeiro campeonato (2004/05) desde 1994, quebrando um jejum de 11 anos; Fernando Santos: O ‘engenheiro do penta’ do FC Porto foi despedido à primeira jornada da Liga 2007/08, com Vieira a assumir mais tarde que foi o seu “maior erro enquanto presidente do Benfica”; Jorge Jesus: Após ganhar o campeonato de 2009/10, Jesus é o técnico que oferece a Vieira os dois primeiros títulos do tetracampeonato 2013-2017. No entanto, seria protagonista de uma saída polémica e de um regresso ao Benfica ainda mais controverso; Rui Vitória: O técnico dos juniores foi promovido com a saída de Jesus e completou o tetracampeonato. Todavia, não resistiu às vendas feitas por Vieira (como Ederson, Lindelof ou Nélson Semedo) e falhou o pentacampeonato; Bruno Lage: Outro técnico que subiu da formação para orientar a equipa principal, Lage conseguiu o sétimo e último título da longa presidência de Luís Filipe Vieira.
Vieira sobre Rui Vitória: “Foi uma luz que me deu”
Desta lista de seis treinadores que se destacaram durante os 18 anos de Vieira como presidente do Benfica, Rui Vitória é um caso excecional.
O técnico que completou o ‘tetra’ do Benfica provou uma velha máxima de que, no futebol português, a verdade de hoje é a mentira de amanhã. Primeiro, FLV teve uma “luz” para manter Rui Vitória apesar da contestação, mas depois despediu o treinador com a promessa que iria deixar “saudades”. Mas já lá iremos.
Em 2015, quando Jorge Jesus se mudou para o rival Sporting, Vieira surpreendeu ao promover o técnico dos juniores. Rui Vitória já tinha levado o modesto Fátima à II Liga, mas ainda era quase desconhecido no futebol nacional.
O primeiro ano de Rui Vitória à frente do Benfica começou mal, com a derrota na Supertaça diante do Sporting de Jorge Jesus, mas terminou com os encarnados a festejarem o tricampeonato.
A segunda temporada foi ainda melhor, com o Benfica a chegar ao tetracampeonato. Contudo, o sonho transformou-se em pesadelo no terceiro ano. Rui Vitória não resistiu aos maus resultados e saiu em janeiro de 2019, apesar das promessas de Vieira.
Vieira: “Ainda vão ter saudades do Rui Vitória”
Afinal, o presidente do Benfica tinha prometido, dois meses antes, que Rui Vitória ficaria no cargo “até ao fim da época”.
“Foi uma luz que me deu. [Rui Vitória] é o homem certo no lugar certo e vamos ver se o tempo dirá se tenho razão ou não”, afirmou Luís Filipe Vieira, numa conferência de imprensa em novembro de 2018.
Dois meses após essas declarações, Vieira foi ao programa de Cristina Ferreira justificar a saída de Rui Vitória. E foi nesse momento que deixou uma profecia.
“Saiu porque considerámos que não era solução para o Benfica. Colocou o lugar à disposição e concordámos. A saída foi pacífica. Ainda vão ter saudades do Rui Vitória”, disse Luís Filipe Vieira.
Vieira agarra sócio pelos colarinhos
Para muitos sócios do Benfica, Rui Vitória foi penalizado pela falta de investimento no plantel. Por essa altura, várias vozes respeitas do universo encarnado criticaram publicamente Vieira por privilegiar os negócios sobre a vertente desportiva.
No entanto, foi um sócio desconhecido que tirou LFV do sério. Numa assembleia geral em setembro de 2019, um associado pediu mais transparência no Benfica. Vieira não gostou da intervenção e, após proferir alguns insultos, aproximou-se desse associado e agarrou-o pelos colarinhos.
Como é óbvio, as imagens do incidente dominaram as conversas nos dias subsequentes, agravando o ambiente em torno de um Benfica que tinha acabado de falhar o pentacampeonato e se via envolvido no processo e-Toupeira.
Do Jorge Jesus que “não serve” ao “regresso consensual”
Apesar de tudo, o treinador mais marcante nos 18 anos da presidência de Luís Filipe Vieira é Jorge Jesus. Aliás, Jorge Jesus é o treinador com mais títulos no Benfica (10), todos conquistados nos mandatos de Vieira.
Jesus iniciou o tetracampeonato, mas a meio saiu para o rival Sporting. Depois de muitas acusações trocadas na praça pública, Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus fazem as pazes e o técnico regressa à Luz.
Portanto, nesta biografia de Luís Filipe Vieira vale a pena recuperar algumas declarações do então presidente do Benfica sobre o treinador Jorge Jesus:
Setembro de 2016: “É um excelente profissional e um bom treinador, mas o meu treinador é o Rui Vitória. (...) Ninguém vai esquecer o Jorge Jesus. Quando ninguém o queria, alguém o agarrou e ele acabou por ganhar. Se calhar se não fosse isso ninguém sabia quem era o Jorge Jesus. Com o Jorge Jesus não podíamos ter o Benfica que planeamos, ele não serve para este Benfica. Com ele era impossível planear a três anos” Setembro de 2022: “O Jorge já tinha contactos com o Sporting quando ainda era treinador do Benfica. (...) Ele voltou para o Benfica não por ideia minha, mas consensualmente. Eu sugeri, queria ganhar e entendemos que ele era o ganhador rápido. Perdemos tudo naquele ano e todos queriam que ele fosse embora. Eu queria que ele ficasse. Agora não, foi consensual o regresso. O Tiago Pinto foi o único que disse que íamos fazer mal”.
Na segunda passagem pelo Benfica, Jorge Jesus não conquistou um único título, apesar de Vieira ter gastado mais de 120 milhões de euros em reforços.
Do caso VPN
Ao de leve, já foi abordado nesta biografia de Luís Filipe Vieira o processo e-Toupeira. Mas antes desse caso houve outras situações suspeitas a envolver o presidente do Benfica.
Para começar, o caso da fraude do BPN. Um caso que o juiz do processo classificou mesmo como “a maior burla da história da Justiça portuguesa julgada até ao momento”, durante a leitura da sentença, em 2017.
No âmbito do processo BPN, Luís Filipe Vieira foi constituído arguido por burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Todas essas acusações foram arquivadas.
Ao caso dos Vouchers
No entanto, a primeira polémica mediática com o então presidente do Benfica foi o caso dos Vouchers. Uma cortesia oferecida pelo então presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, em 2015.
Num programa de comentário, Bruno de Carvalho revelou que o Benfica oferecia brindes a árbitros, delegados e observadores, em todos os jogos na Luz. Uma oferta que acontecia também nas partidas da equipa B.
Essa oferta era composta por um kit que incluía uma camisola de Eusébio e vouchers para jantares no restaurante Museu da Cerveja.
Kit Eusébio, uma cortesia de 600 euros
Na sequência dessa revelação, o Benfica deixou de oferecer o “Kit Eusébio”. Mas a polémica durou anos. Aliás, basta notar que, em 2020, essa oferta foi avaliada em 600 euros.
Nas contas da PJ, o Benfica gastou mais de 14 mil euros em vouchers. Todavia, essa oferta não era crime, pois a lei do regime de responsabilidade penal no desporto foi alterada em maio de 2017.
Em 2023, Vieira e os outros arguidos do caso dos Vouchers – Benfica, Rui Costa, Paulo Gonçalves e Domingos Soares de Oliveira – viram o processo ser arquivado por falta de indícios.
Paulo Gonçalves condenado no e-Toupeira
A propósito de Paulo Gonçalves, outro processo mediático que levou à constituição de Luís Filipe Vieira como arguido foi o caso e-Toupeira.
Em 2018, Paulo Gonçalves – que era assessor jurídico da SAD do Benfica – subornou um funcionário judicial, José Augusto Silva, para ter acesso a processos envolvendo o clube e/ou o seu presidente (Luís Filipe Vieira), assim como processos relativos a Sporting, FC Porto e árbitros, entre outros.
À data, Paulo Gonçalves era reconhecido como um braço direito de Vieira. Entre outros exemplos, basta lembrar que o advogado representava o Benfica nas reuniões da Liga.
No final de 2018, a juíza Ana Peres decidiu não levar Luís Filipe Vieira a julgamento, nem o Benfica. A juíza de instrução considerou que nem o Vieira, nem o Benfica sabiam das ações do “subalterno” Paulo Gonçalves.
O processo e-Toupeira foi concluído em fevereiro de 2023, com a condenação de Paulo Gonçalves e José Augusto Silva. Como referido, Vieira não foi a julgamento: segundo a juíza, o presidente do Benfica não tinha conhecimento do que o seu assessor fazia.
Caso dos Emails: Benfica nega e depois acusa
Agora, esta biografia de Luís Filipe Vieira prossegue com a maior ‘bronca’ a envolver o antigo presidente do Benfica: o caso dos Emails. Depois do Sporting ter lançado o caso dos Vouchers, era a vez do FC Porto revelar problemas de Luís Filipe Vieira e do Benfica com a justiça.
Em junho de 2017, o diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, começou a revelar emails trocados por responsáveis do Benfica, como Paulo Gonçalves e Pedro Guerra, com árbitros, responsáveis da arbitragem e delegados da Liga. O objetivo, segundo o responsável portista, seria criar um esquema de corrupção na arbitragem “para beneficiar o Benfica”.
Porém, na primeira reação, o Benfica de Vieira negou a existência desses emails. Dias mais tarde, o Benfica admitiu que esses emails existiam, acusando o FC Porto de ter “truncado” o conteúdo deles. E, passados alguns dias, acusando os responsáveis portistas de acesso ilegítimo e violação de correspondência.
Vitória para Vieira com Francisco J. Marques condenado
Certo é que, na sequência dos emails revelados, a PJ começou a investigar uma eventual “rede de influência” montada pelo Benfica para influenciar a arbitragem. Ou seja, foi dessa investigação que surgiu o processo e-Toupeira.
Ao mesmo tempo, o Benfica de Luís Filipe Vieira conseguia importantes vitórias judiciais também neste caso dos Emails. Em junho de 2023, seis anos após o primeiro email revelado, Francisco J. Marques foi condenado por violação de correspondência agravada ou telecomunicações e ofensa a pessoa coletiva.
Vieira arguido, agora na Operação Lex
Ora, enquanto se via envolvido no caso dos Emails e no e-Toupeira, Luís Filipe Vieira foi constituído arguido em outro processo: a Operação Lex.
Em janeiro de 2018, na sequência de uma investição envolvendo José Veiga, o Ministério Público (MP) acusou Luís Filipe Vieira de recebimento indevido de vantagem. Segundo a PJ, o então presidente do Benfica teria prometido ao juiz Rui Rangel um cargo de relevância nas águias para que este intercedesse em seu favor num processo de natureza fiscal.
Na verdade, Rui Rangel é verdadeiramente o principal arguido da Operação Lex. Todavia, as alegadas trocas de favores com o então presidente do Benfica levaram a que LFV também acabasse envolvido no processo.
Além disso, também José Veiga, principal aliado de Vieira no sucesso do FC Alverca na década de 90, é arguido neste processo, que está ainda em curso. Por envolver juízes desembargadores (entretanto afastados da magistratura), o processo corre agora no Supremo Tribunal de Justiça.
Saco Azul do Benfica
Outro processo que ainda corre na justiça – e no qual Vieira é arguido – é o caso do Saco Azul do Benfica.
O processo começou em 2018, mas só em 2020 é que LFV foi constituído arguido, tal como Domingo Soares de Oliveira. Estes dois ex-dirigentes do Benfica estão acusados do crime de fraude fiscal, por suspeitas de terem lesado o fisco em 600 mil euros.
Em causa estão faturas pagas pelo Benfica em 2016 e 2017, no valor de 1,8 milhões de euros, por serviços de consultoria alegadamente fictícios. O MP acredita que o Benfica terá usado em dinheiro, levantado em numerário, para outros pagamentos.
Mala Ciao
Agora a propósito de pagamentos, tem mais uma investigação envolvendo Luís Filipe Vieira e o Benfica. Desta vez, trata-se do Mala Ciao.
Na temporada de 2013/14, o Benfica tinha mais de 100 jogadores nos quadros. A grande maioria não fazia parte do plantel encarnado: estavam emprestados a clubes como Vitória de Setúbal, Desportivo das Aves, Marítimo e Moreirense, entre outros.
Para o MP, o Benfica de Vieira estava a criar uma rede de influência para beneficiar de fatores desportivos. Esses jogadores emprestados tinham de ‘facilitar’ nos jogos contra o Benfica e, se o fizessem, seriam ‘recomprados’ pelas águias no final da época, beneficiando financeiramente os clubes que representaram nesse empréstimo.
O caso mais famoso do Mala Ciao foi Luís Filipe. O lateral brasileiro foi contratado em 2014, mas não chegou a jogar no Benfica. Em janeiro de 2017, foi emprestado ao Vitória de Setúbal. Num jogo entre esses clubes, Luís Filipe cometeu um penálti polémico, do qual resultou a vitória (2-1) do Benfica.
Esse resultado deu ao Benfica uma margem de quatro pontos (embora com mais um jogo) sobre o FC Porto numa fase decisiva da temporada. Posteriormente, o Benfica rescindiu com Luís Filipe, que assinou a custo zero pelo Vitória de Setúbal.
Inquérito ao Novo Banco
Nos muitos processos e casos com Luís Filipe Vieira, nem todos envolveram o Benfica. Porém, numa dessas raras situações, foi o próprio LFV a implicar o clube.
Isso aconteceu quando Vieira foi intimado a explicar-se na comissão parlamentar de inquérito à dívida do Novo Banco, o ex-BES.
Como dono de empresas como Promovalor e Imosteps, Vieira era o segundo maior devedor do BES. Porém, ao ser ouvido no Parlamento, Luís Filipe Vieira declarou-se vítima do seu mediatismo como líder do clube.
“Eu tenho a noção exata que estou aqui porque sou presidente do Benfica”, disse Luís Filipe Vieira, numa declaração prontamente repudiada pelos deputados da comissão, que lembraram as dívidas de 227,3 milhões de euros só do grupo Promovalor.
OPA do Benfica: “Melhor negócio de sempre” era ilegal
Por outro lado, Vieira foi questionado por essa comissão de inquérito sobre um outro problema em que ele mesmo tinha envolvido o Benfica: a OPA ilegal.
Em novembro de 2019, o clube Sport Lisboa e Benfica lança uma oferta pública de aquisição (OPA) para comprar as restantes ações da SAD do Benfica (já detinha a maioria do capital). O preço oferecido era 81,15 por cento superior ao preço de cada ação naquele momento.
De imediato, o valor da SAD do Benfica valorizou mais de 70%. No entanto, foi revelado (também logo de seguida) que o maior acionista individual da SAD era José António dos Santos.
Ora, José António dos Santos, conhecido por ‘Rei dos Frangos’, era um empresário famoso pela sua proximidade a Luís Filipe Vieira. E em 2017, dois anos antes da OPA, Vieira e António dos Santos fizeram uma sociedade no ramo imobiliário.
“Quando se faz alguma coisa no Benfica, as pessoas parece que pensam que há um negócio escondido. E não há negócio escondido nenhum”, reagiu Luís Filipe Vieira, garantindo que não havia qualquer conflito de interesses e insistindo que o Benfica fazia “o melhor negócio de sempre”.
Porém, a OPA do Benfica era ilegal. A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) chumbou a operação, após descobrir que o Benfica (clube) pretendia comprar as ações da SAD do Benfica com dinheiro da própria... SAD.
O Benfica contestou os argumentos da CMVM e retirou a oferta, alegando os efeitos da pandemia de covid-19, mas o estrago estava feito. Classificada como ilegal pelo regulador, a OPA do Benfica esteve também em discussão na comissão de inquérito do Novo Banco, devido aos financiamentos que Vieira (e também o seu amigo José António dos Santos) conseguira do BES.
Vieira reeleito presidente do Benfica
Toda a polémica da OPA ilegal, além dos outros casos suspeitos e processos judiciais já referidos nesta biografia, não impediram Luís Filipe Vieira de ser reeleito presidente do Benfica nas eleições de 2020.
Foi a votação mais renhida desde 2000, ano em que Vilarinho bateu Vale e Azevedo. Vieira recolheu 62,59 por cento dos votos, à frente dos 34,71 por cento de Noronha Lopes e dos 1,64 por cento de Rui Gomes da Silva.
Era o sexto mandato de Luís Filipe Vieira, que assim reforçou o seu estatuto de dirigente com mais anos na presidência do Benfica: 18 anos, pois acabaria por sair a meio desse mandato, renunciando após ser detido no âmbito da operação Cartão Vermelho.
Cartão Vermelho a Luís Filipe Vieira
Em julho de 2021, menos de um ano após ganhar pela sexta vez nas eleições do Benfica, Luís Filipe Vieira é detido no âmbito da operação Cartão Vermelho. Cerca de uma semana depois, Vieira renuncia a todos os cargos que ocupava no Benfica.
Luís Filipe Vieira foi constituído arguido, na operação Cartão Vermelho, por suspeitas de crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais, com prejuízo para o Estado Português e para o Benfica.
Segundo o MP, Vieira colocava determinados empresários a intermediar transferências de jogadores. As comissões que esses empresários ganhavam com esses negócios no futebol serviriam depois para comprar imóveis das empresas de LFV.
Um dos casos avançados na acusação é o de Pedrinho. Vieira é suspeito de ter indicado Giuliano Bertolucci para intermediar a compra do jogador brasileiro ao Corinthians. Três meses depois de Pedrinho ser apresentado como reforço do Benfica, Giuliano Bertolucci compra um imóvel à sociedade White Halls (de Luís Filipe Vieira) por 3,950 milhões de euros.
Na operação Cartão Vermelho foram investigadas as transferências de 55 jogadores, incluindo:
Weigl; Raúl de Tomás; Seferovic; Witsel; Talisca; Jonas; Samaris.
A queda de Luís Filipe Vieira
Com a detenção de Vieira, chegou ao fim a mais longa presidência do Benfica. Luís Filipe Vieira foi eleito pela primeira vez em 31 de outubro de 2003, tendo renunciado em 15 de julho de 2021.
Para a história, Luís Filipe Vieira fica como o presidente que salvou o Benfica. De uma situação de falência após Vale e Azevedo, o Benfica tornou-se num dos clubes mais valiosos do futebol europeu (23.º em 2016, de acordo com a auditora KPMG).
Na presidência de LFV, o Benfica fez vendas que deixaram o mundo do futebol com o queixo caído, como:
João Félix: 127,2 milhões de euros; Darwin Núñez: 80 milhões; Rúben Dias: 71,6 milhões; Ederson: 40 milhões; Witsel: 40 milhões; Raúl Jiménez: 38 milhões; Nélson Semedo: 35,7 milhões; Victor Lindelof: 35 milhões; Renato Sanches: 35 milhões de euros.
Todavia, Luís Filipe Vieira não resistiu mais às inúmeras suspeitas e polémicas. Dentro do próprio Benfica, LFV foi criticado pela frequência com que o clube era associado a situações menos transparentes.
A Vieira, o Benfica deve o centro de treinos no Seixal, a BTV e o museu, além da conclusão do Estádio da Luz. Durante a presidência de LFV, o Benfica conseguiu seis campeonatos, três Taças de Portugal, duas Supertaças e sete Taças de Liga.
Assim, Luís Filipe Vieira fica registado como o presidente que salvou o Benfica e também o único presidente do Benfica a ser detido num processo judicial. E a Vieira sucedeu o seu braço direito, Rui Costa, o príncipe de Florença.