Chegada à seleção da Argentina é o culminar de uma carreira em ascensão de um treinador ‘workaholic’
O dia longínquo em que o jovem treinador argentino Jorge Sampaoli subiu ao topo de uma árvore para ver um jogo de futebol, depois de ter sido expulso, marcou-lhe o destino. Haveria de estar destinado para subir a carreira a pulso até um dia chegar ao topo. Esse dia chegou quando no passado dia 1 de junho foi apresentado oficialmente como novo selecionador da Argentina, com um contrato válido para os próximos cinco anos. “Era uma grande ambição. Sempre sonhei com isto, e agora foi realizado”, disse o treinador, de 57 anos, que brilhou ao serviço da seleção do Chile, onde venceu uma Copa América, em 2015, curiosamente derrotando na final a Argentina, e já esta época, no primeiro ano na Europa, conduziu o Sevilla FC ao 4º lugar da Liga espanhola e ao acesso ao play-off da Liga dos Campeões.
Sampaoli parece ser o homem certo para treinar uma seleção com talentos ofensivos tão bons (Di María, Agüero, Icardi, Dybala e, claro, Messi) e que nunca teve alguém que soubesse explorar isso. Alguém que soubesse equilibrar a equipa, sem perder a vertigem ofensiva. Atacar com força, defender com agressividade, eis a filosofia de Sampaoli que não vira a cara aos obstáculos que tem pela frente. “As dificuldades são reais, a Argentina não está em posição de apuramento”, disse o novo selecionador, referindo-se ao quinto lugar na fase de qualificação sul-americana, lugar que obriga a um play-off contra uma seleção da Oceania, enquanto os quatro primeiros se apuram diretamente. Sampaoli, que se encontra desejoso de formar “uma equipa que respeite a história e defenda as cores do país”.
Olá Sevilha, meu nome é Jorge…Jorge Sampaoli
Seis meses depois de iniciar a primeira aventura europeia, o treinador argentino, de 56 anos, já tinha conquistado jogadores, adeptos, clube e cidade, mas também a seletiva imprensa espanhola. A equipa andaluz entrou para a segunda metade da La Liga a desafiar o “estabelichment” personificado em Real Madrid, Barcelona e Atlético de Madrid, os três crónicos candidatos ao título espanhol.
Quando Sampaoli foi anunciado em Julho de 2016 como a aposta do Sevilla para substituir Unai Emery, a comunicação social espanhola alinhou na desconfiança pela inexperiência europeia do técnico argentino mas, aos poucos, perante os resultados da equipa andaluz, foi mudando de opinião.
Um importante, e significativo triunfo diante o Real Madrid, no Sánchez Piuzjuán, que terminou com uma série dos merengues de 40 jogos sem perder, estabeleceu uma nova ordem num dos campeonatos mais mediáticos do planeta. “Jogam bom futebol, lutam, colocam intensidade em tudo o que fazem”, elogiou Zidane após a derrota. Sergio Ramos segredou ao técnico argentino: “ Tu tens os ‘huelvos’ no sítio. És um ‘grandíssimo’ treinador .
Os media também não se retraíram em elogios e apontaram o Sevilla como candidato ao título espanhol. “A melhor contratação de La Liga”, escreveu a Marca sobre Sampaoli. “O Sevilla deu um murro na mesa”, asseverou o diretor do as, Alfredo Rolaño.
O treinador da moda dotava o Sevilla de uma alma ganhadora, e depois de ter sido campeão das américas tentava sê-lo agora na Europa. Chegam a compará-lo ao flautista Hamelin, por ter feito renascer o mago Hasri, recuperado N’Zonzi e acrescentado golo ao tango de Vietto.
A equipa, no entanto, foi perdendo o folgo ao longo da segunda volta e a ‘troika’ (Real Madrid, Barcelona e Atlético de Madrid) levou a melhor acabando o Sevilla por terminar em quarto lugar. Mas a marca de Sampaoli estava registada na edição 2016/17 da Liga espanhola.
Sampaoli no Sevilla bateu o pé aos grandes de Espanha (Foto Alejandro Garcia/EPA)
Como quem vê futebol em cima de uma árvore
Mas, afinal, quem é esta personagem do futebol, de baixa estatura, careca, braços musculados, fanático do ginásio e das tatuagens – conheceu a mulher num ginásio no Chile quando treinava o 0’Higgins. Era a rececionista… – que em janeiro de 2016 estava a discutir com Guardiola e Luis Enrique o título de melhor treinador do mundo e bateu o pé aos grandes de Espanha no último campeonato?
O ponto zero da história do “sampaolismo” remete-nos para 1996 quando o atual treinador do Sevilha FC orientava o modesto Alumni de Casilda, um dos pequenos clubes da pequena localidade que o vira nascer há 36 anos, e que dista 50 km de Rosário, cidade de Lionel Messi, mas também de Marcelo Bielsa. Expulso do banco durante um jogo, decidiu subir a uma árvore para continuar a ver as incidências da partida e dar indicações aos jogadores (ver foto abaixo). Esse impulso apaixonado, que retrata ainda hoje a saudável obsessão de Sampaoli pelo futebol, iria transformar a vida dele.
Expulso num jogo na Argentina, o jovem Sampaoli subiu a uma árvore para continuar a ver o jogo (Foto: d.r)
Um diretor do Newell’s Old Boys, impressionado com a paixão de Sampaoli pelo jogo, decidiu contratá-lo para o Argentino, um clube filial do gigante de Rosario, da Primeira B Metropolitana. Surgiu, assim, a oportunidade de aprender com o seu ídolo e inspirador, Marcelo Bielsa, à altura treinador do Newell’s. As conferências de imprensa de El Loco eram autênticas lições de vida para “El Zurdo”, nome pelo qual Sampaoli era conhecido enquanto jogador.
El Zurdo e um sonho interrompido aos 19 anos
Aos 17 anos, o jovem Sampaoli já era um dos jogadores-referência das camadas jovens do Newell’s Old Boys. Lateral-esquerdo aguerrido, veloz e de boa técnica. A vida, porém, pregou-lhe uma partida. Aos 19 anos, viu-se obrigado a abandonar o futebol. Uma fratura exposta da tíbia e do perónio roubou-lhe o sonho de uma vida. Mas tinha um sonho ainda maior: ser treinador de futebol. E começou a estudar. Marcelo Bielsa era o seu ídolo. Ele próprio se intitulava um “bielsadependente”. Chegava a correr pelas ruas de Casilda, na província de Santa Fé, ouvindo num walkman as conferências de imprensa do atual treinador do Lille.
E foi subindo a pulso. Iniciando a peregrinação, até ao cume da montanha.
Aos 40 anos, Sampaoli teve a primeira experiência num clube mais a sério (Salaíto, da Primeira B Metropolitana), até que em 2002 foi convidado para orientar o Juan Aurich, histórico do Peru. Fica no Peru durante seis anos, onde treinou ainda o Sport Boys, o Coronel Bolognesi e o Sporting Cristal. Ao serviço do Bolognesi, conta-se um episódio revelador da personalidade de Sampaoli. Às 5 horas da madrugada, ligou para Luis Hernándes, titular da equipa, para lhe dizer que tinha encontrado o erro de marcação que originou o golo do adversário que ditou a derrota da equipa.
No final de 2007 foi convidado para orientar o O’Higgins, um dos principais clubes da liga chilena. Foram dois anos de altos e baixos. Acabou despedido por causa dos maus resultados. Meio ano depois, seguiu-se nova aventura. Foi treinar o Emelec, do Equador. Começou a somar resultados e elogios. Foi vice-campeão e fez uma Libertadores interessante. Em junho de 2010, a IFFHS considera o Emelec como a melhor equipa do mundo nesse mês.
Universidad de Chile. A grande mudança
No final desse ano, deu-se a grande mudança na vida de Sampaoli. A “árvore” era cada vez maior. Mas nada que o impedisse de a subir. Assina pela Universidad de Chile e em dois anos sagra-se tricampeão chileno, ganha a Copa sul-americana e chega às meias-finais da Libertadores em 2012, apenas perdendo para o histórico Boca Juniores.
O estilo de jogo da ‘La U’ encantava, naqueles que foram os melhores anos da história da equipa de Santiago. Linhas adiantadas, pressão alta e saídas rápidas para o ataque mereciam os elogios da crítica. E as ideias de Sampaoli começavam a causar impacto. A pressão alta era algo que encantava os téoricos. E que, na prática, produzia resultados.
Na segunda metade de 2012, surge um convite irrecusável: treinar a seleção do Chile, substituindo Claudio Borghi, o treinador que havia sido contratado para o lugar do seu ídolo, Marcelo Bielsa, após o Mundial 2010.
O resto é o que se sabe: levou o Chile ao Mundial de 2014, no Brasil (quando chegou a equipa estava em 7º na zona de qualificação sul-americana) onde deu cartas: venceu a campeã mundial Espanha (2-0), na fase de grupos, e foi eliminado pela seleção anfitriã, nos oitavos de final, apenas nas grandes penalidades (2-3; 1-1). Num arrojado 3-4-3 camaleónico, que também podia ser 5-3-2 ou 4-3-3, a seleção chilena ganhou a admiração do planeta futebol.
A consagração das ideias de Sampaoli chegaria em 2015. O Chile organizou a Copa America e com uma seleção bem trabalhada em termos táticos e com jogadores desequilibradores na frente como Alexis Sanches, Artur Vidal, Vargas ou Valdívia, ergueram o caneco, vencendo a Argentina na final, nos penáltis.
Sampaoli conquistou a Copa América ao serviço da seleção chilena, em 2015 (Foto Facebook)
Herói nacional no Chile, Sampaoli rejeitou os louros. Em nome dos seus princípios. “Vivemos numa sociedade demasiado individualista e eu prefiro realçar a importância do coletivo. O futebol tem-se transformado cada vez mais num negócio e aquilo que eu procuro é que os jogadores se sintam de volta à sua essência quando jogam pela seleção”. Na apresentação como selecionador argentino repetiu a mesma ideia de compromisso.
A história da árvore vai ficando para trás ao longo do percurso de Sampaoli, mas a metáfora mantém-se. O técnico chileno não pára de trepar na carreira. A 11 de janeiro de 2016, Sampaoli é a grande novidade na corrida para melhor treinador do ano concorrendo com dois técnicos da escola do Barcelona, Pep Guardiola (então no Bayern) e Luis Enrique. Este último vence, mas a presença de Sampaoli na short-list é já uma grande vitória para o treinador argentino.
Viciado pelo trabalho, em nome de uma ideia
“San Paoli”, como também lhe chamam na bancada, é um homem simples, modesto, obcecado, dedicado ao máximo, exigente, e comprometido a uma ideia. Porque, como diz, “os sistemas podem-se discutir, podem ser modificados [e com ele, os sistemas mudam…] mas a ideia é que nunca pode mudar”.
Diz quem com ele convive profissionalmente que é um zeloso pela privacidade do seu trabalho e avesso a entrevistas. “Ele é extremamente meticuloso. Zela muito pela privacidade do seu trabalho e é viciado por ele”, comentou o jornalista Cesar Campos, do diário “Las Ultimas Noticias”, de Santiago, o único a conseguir entrevistar Sampaoli fora do Centro de Treinos da Universidad de Chile durante a passagem do técnico pelo clube.
“Eu sou antisocial, não só com a imprensa, mas com todos. Dói-me muito o comportamento humano da atualidade. O egoísmo, o individualismo exagerado. E a necessidade de os meios de comunicação social criarem polémicas por tudo e por nada. Não participo disso, não leio, nem ouço. Excluo-me”, afirmou em entrevista ao jornal “El Mercúrio”, em 2011.
Carlos Bilardo, campeão do Mundo em 1986, como selecionador da Argentina, tem opinião contrário sobre Sampaoli. Criticou de forma duríssima a possibilidade do ex-treinador do Sevilha poder vir a treinar a seleção das pampas. “Não serve nem como diretor técnico, nem como pessoa!», afirmou Bilardo, citado pela imprensa argentina e espanhola; e continuou na crítica: “Se Sampaoli vier para a Argentina, apanho um barco e vou para o Uruguai. Felizmente não tenho relação com ele; é amigo de dois ou três jornalistas chilenos, que lhe deram a mão”.
No mediático futebol espanhol, e com o sucesso do Sevilla, tornou-se impossível ficar indiferente ao trabalho deste treinador obsessivo-compulsivo, que vai agora orientar a seleção argentina, capaz de explicar ao pormenor o funcionamento do adversário. Sampaoli respira futebol 24 horas por dia. O vício pelo trabalho (é um ‘workaholic’) e a intensidade com que se dedica a tudo explicam uma das patologias de que padece. Sofre de insónia, dorme no máximo cinco horas por noite. E gostava que não fosse assim. “Para dar à mente o descanso de que necessita para estimular a criatividade”, diz.
Mas enquanto mantiver esta energia (e, somenos importante, uma boa ideia de jogo) que se estende ao banco durante os jogos, o futebol agradece. Messi e companhia também. Para já tem a missão de tentar qualificar a Argentina para o Mundial, depois na Rússia o topo aguarda-o. Mas subir a árvores e contemplar o futebol dali é com ele.