Silas avançou com um modelo competitivo para o Campeonato de Portugal que promove mais lugares de acesso ao play-off
“Modelos competitivos…está tudo ao contrário!”. É desta forma que Silas se refere ao atual quadro competitivo do Campeonato de Portugal (CP). Para o antigo internacional português, o modelo vigente é um passo de gigante para o incumprimento salarial e para a viciação de resultados, e sugere aumentar o nível de lugares de acesso ao play-off, estendendo, no tempo, a competição. Os jogadores, são os que mais falhas apontam à organização atual de uma competição que olha para o futebol profissional como o vizinho do lado com um carro novo. Já os clubes garantem que o espaço de manobra para mudanças significativas é reduzido e chegam a afirmar que o modelo proposto por Silas é indesejado. Porquê? Por não poderem pagar.
Não pode ser pá. Os clubes não aguentam isso. O Silas fala porque jogou a outro nível. Agora nesta divisão? Eu sei das dificuldades com que os clubes vivem. Andamos a brincar? Onde é que os clubes têm capacidade para pagar onze ou doze meses de ordenados? Para pagarem dez já se veem aflitos, quanto mais onze ou doze.
Esse modelo não tem hipótese nenhuma. Nem os dirigentes querem. Os clubes não querem. Quem cá está é que sabe as dificuldades que os clubes passam. É muito fácil chegarem ao fim do mês e perguntarem: ‘Está aí o meu?’ – ‘Está. Toma. Assina aqui em como já recebeste’ – isso é muito fácil, mas não querem saber como é que os clubes arranjam o dinheiro para pagar.
Não tem hipótese. Esse modelo não tem hipótese nenhuma.
Foi desta forma perentória que Rui Cunha, vice-presidente do 1.º Dezembro, respondeu ao Bancada quando lhe apresentámos a proposta de Silas para a alteração dos quadros competitivos do Campeonato de Portugal. Passo a explicar:
O estado das coisas
O Campeonato de Portugal está dividido em cinco séries (A, B, C, D e E). As séries A, B e C são entendidas com as séries “mais a Norte” e as restantes são as séries “mais a Sul”. Em cada uma destas séries participam 16 equipas. Destas 16, apenas a primeira classificada de cada série garante uma vaga para o play-off de acesso à Segunda Liga. A estas cinco equipas apuradas automaticamente juntar-se-ão as três melhores segundas. Ou seja, dos oitenta clubes que iniciam a competição apenas 10 por cento chega a abril com a porta do futebol profissional ainda aberta.
Este modelo, é, para Silas, meio caminho andado para o incumprimento salarial e, como consequência, a viciação de resultados. O facto de tão poucos lugares permitirem acesso ao play-off origina que, à entrada do último terço do campeonato, existam muitos clubes sem objetivos concretos. Isto leva a um desinvestimento dos clubes, situação que acaba por atingir a frágil posição dos jogadores que, com contratos não reconhecidos, veem-se obrigados a abandonar a prática de futebol para poderem subsistir.
Solidário com a precária situação dos jogadores está Ludgero Castro, treinador do Marítimo B, que revelou ao Bancada lamentar “a situação complicada pela qual muitos jogadores passam”. Segundo o técnico insular, o receio sentido por Silas é uma realidade. Ao Bancada, Ludgero afirmou que “os clubes que percebem, a determinada altura da época, que não vão para cima, nem para baixo, deixam mesmo de pagar aos futebolistas”, acrescentado ainda que “não gostaria de estar na pele destes jovens jogadores.”
O alerta lançado por Silas, e o qual Ludgero Castro nos garantiu ter fundamento, foi nos confirmado também por dois jogadores. Marco Bicho e João Lima conhecem a realidade a que os jogadores do Campeonato de Portugal estão sujeitos. Para Bicho, atualmente a representar o Oriental, “o modelo atual é propício ao incumprimento contratual, uma vez que os clubes abusam do facto de os contratos não serem profissionais ou declarados” e garantiu já ter assistido a “variadíssimos casos em que os jogadores são corridos a meio das épocas.”
Já João Lima diz viver numa incerteza constante. Planos? Não faz. O jovem central do 1.º Dezembro revelou sentir-se “à mercê das vontades dos clubes e de eventuais mudanças de um momento para o outro”, como por exemplo, “o facto de não haver uma subida em vista e o desinvestimento começar”. E quem são os primeiros a pagar? “Os jogadores”, respondeu Lima acrescentando ainda ser “uma realidade aceite”, uma vez que as alternativas escasseiam.

Silas é o primeiro da esquerda em cima e Marco Bicho o primeiro do esquerda em baixo quando ambos representavam o CD Cova da Piedade
A proposta de Silas: mais equipas apuradas para o play-off
Silas recorreu à realidade da Segunda Divisão b espanhola para refletir o modelo que idealizou para o Campeonato de Portugal. O antigo jogador, que chegou a atuar na Premier League ao serviço do Wolverhampton, pensou numa competição com quatro séries de 18 equipas – totalizando as mesmas 72 que estarão em competição na próxima edição do CP – onde a principal mudança estaria no número de lugares que permitiriam o acesso ao play-off de apuramento para a Segunda Liga. Deixariam de ser apenas oito equipas apuradas para serem 16, quatro em cada série.
Quem concorda com a projeção de Silas é Natan Costa, ressalvando que o aspeto fundamental a realçar é o aumento de atratividade que o novo modelo poderia suscitar, não dúvida, contudo que o incumprimento salarial é uma realidade que advém do vazio competitivo originado por uma perda prematura de objetivos. O treinador da ARC Oleiros – último adversário do Sporting na Taça de Portugal – sabe do drama diário por que muitos clubes atravessam:
“Por exemplo na Série C, a UD Leiria em princípio deverá ficar em primeiro. Mas depois há um conjunto de equipas – o Lusitano FC, o Águeda, O Benfica de Castelo Branco, o Anadia, o Gafanha – que investiram com a ilusão de chegarem pelo menos ao segundo lugar. E depois vai chegar a uma altura que vão perceber que já não vai dar. E o que é que acontece a seguir? Vão desinvestir, se calhar deixam de pagar, mandam os jogadores embora…é um problema.”
Mas é, para Natan, a valorização do Campeonato de Portugal a questão central nesta proposta apresentada por Silas: “E depois do ponto de vista do produto, torna-se mais apelativo. Mais competitividade até ao fim. E tem a ver com a questão do produto, que é a seguinte: ao haver mais equipas a lutar por algum objetivo, há mais interesse por parte dos adeptos. Ou seja, vai haver mais gente nos campos.”
A posição dos clubes: “Não queremos”
Ora bem. É aqui que regressamos à reação dos clubes. Quisemos saber, num primeiro instante, o que pensam os dirigentes sobre a proposta de Silas. Mais lugares de acesso ao paly-off, mais interesse mediático, mais público, redução do incumprimento salarial, etc. E a resposta que obtivemos foi clara. É tudo muito bonito, mas é incomportável.
O presidente do Felgueiras 1932, Reinaldo Teixeira, e o diretor desportivo da UD Leiria, Marco Couto, são ambos da opinião que se devia acabar com os play-offs. Para os dois dirigentes os campeonatos são provas de regularidade e como tal os primeiros classificados deveriam ser premiados pelo comportamento nos respetivos campeonatos. Ou seja, para ambos, deveria adotar-se o modelo que operou durante os anos das Segundas B, onde os líderes das três zonas (Norte, Centro e Sul), garantiam automaticamente a subida à Segunda Liga.
Segundo Reinaldo Teixeira “não cabe na cabeça de ninguém haver uma competição com 80 clubes onde só dois é que sobem”, o dirigente sugere voltar “à formula antiga” de apenas três séries com subidas para os primeiros classificados. Esta opinião é, aliás, partilhada por Marco Couto. O dirigente do UD Leiria não entende “como se pode penalizar uma equipa que andou sempre na primeira posição durante a primeira fase sujeitando-a a eliminatórias no fim da competição.”
Para além desta questão e, como já vimos no início desta peça, existe um drama que a grande maioria dos clubes do Campeonato de Portugal enfrenta diariamente: cumprir com as responsabilidades perante os jogadores. A proposta lançada por Silas promove um aumento de equipas a disputar o play-off de oito para 16 equipas. O que, inevitavelmente, provoca uma extensão na competição. Atualmente os clubes pagam na generalidade dez meses de ordenados aos jogadores e garantem ser incomportável arcar com mais um mês de salários.
“Olhe o que é estarem as 16 equipas nos play-offs. Dessas 16 só duas é que sobem, ou três que fosse. As outras 14/13 equipas chegam ao fim dos play-offs com um mês a mais de ordenados a pagar e sem receitas. Se é isso que querem, a FPF que crie um fundo para ajudar os clubes que não sobem”, explicou-nos Reinaldo Teixeira que lembrou ainda que as receitas da bilhética “mal cobrem os custos da organização dos jogos.” Silas sugere que a Federação Portuguesa de Futebol procure formas de rentabilização do play-off. Por exemplo, “procurar um canal de televisão que queira transmitir os jogos decisivos e com as receitas ajudar os clubes.”
O modelo atual obriga os jogadores a pararem cerca de quatro meses
Outro problema apontado pelos jogadores e treinadores ao atual quadro competitivo é o tempo de paragem que os jogadores estão obrigados a enfrentar. Com a temporada a começar em agosto e a terminar em abril para 90 por cento das equipas que iniciam a competição, significa que pela frente os jogadores têm cerca de quatro meses de paragem. É um grande revés, como explicou ao Bancada, Marco Bicho.
“No futebol a repetição de práticas é uma vertente muito importante, eu sou licenciado em Educação Física, sei bem do que falo. Se os jogadores pararem de competir e de treinar durante quatro meses atrasam a evolução. Ao obrigares que estes jogadores parem de forma prolongada é uma machadada nas possibilidades destes jogadores, porque depois os clubes profissionais deixam de vir buscar jogadores nestas condições”, explicou.
Também do ponto de vista dos treinadores, tanto tempo de paragem não pode ser benéfico. Quem nos conta é Ludgero Castro. Segundo o técnico que tem no Marítimo B uma forte componente de formação, obrigar os jogadores a pararem quase quatro meses é um estrangulamento na evolução dos jovens futebolistas:
“Aqui no Marítimo B, que trabalhamos mais para a formação, eu acabar o campeonato em abril fico muito tempo parado, não é bom para estes jogadores que estão em períodos de evolução. Mesmo que fiquemos mais duas semanas “a encher chouriços” depois da época acabar o treino já não igual. O empenho já não é igual. Mesmo quando chamamos jogadores para virem treinar à experiência nesse período é difícil fazer a avaliação porque o empenho dos que cá estão não é o mesmo”, reforçou.
Marco Bicho compara a paragem entre o fim e o início da competição com uma lesão grave. Há perda de prática que se reflete no desenvolvimento técnico dos jogadores, há perda de massa muscular que não é possível recuperar no período de pré-época e há obviamente a questão financeira: é um longo período sem receberem um ordenado:
“Eu estou a recuperar de uma lesão, tive parado quase dois meses com uma rotura parcial do cruzado, o que não é bom. Agora imagina estar parado três ou quatro meses, isso equivale a uma lesão grave. Os jogadores perdem muita massa muscular se pararem tanto tempo, depois quando recomeçam os treinos têm de a recuperar.
“Há muitos jogadores nestes escalões a ganharem 500 ou 600 euros, depois chegam aos meses em que não recebem dos clubes e têm de arranjar empregos a receberem talvez 700 euros. Mas começam a declarar, a ter uma segurança que nos clubes não têm, muitos deles depois não se sentem motivados a voltar a jogar”, lamentou.
Ludgero Castro não tem dúvidas de que o facto de a competição acabar em abril é um descanso para os dirigentes. Significa menos encargos: “Mas o problema é que há clubes que não se importam. Há dirigentes de clubes que querem que a competição acabe cedo e assim já não têm de pagar o resto do ano.”
Para Rui Cunha, vice-presidente do 1.º Dezembro, a questão tem de ser encarada com pragmatismo: “Os jogadores queixam-se de ficar tantos meses sem competir? Ok, mas veja bem, os campeonatos que temos são estes. Não podemos agradar a gregos e a troianos”.
“Os jogadores são o bem mais valioso do futebol, sem eles os dirigentes não têm clubes para gerir”, foi desta forma que Silas e os restantes jogadores concluiram as conversas que encetaram com o Bancada.