Prolongamento
Futebol moderno mudou os avançados, os laterais, os médios e os centrais
2017-07-04 19:35:00
Hoje em dia, os treinadores pedem coisas diferentes aos seus jogadores

Só os treinadores que não percebem nada disto é que ainda usam pinheiros”, diz Álvaro Magalhães, treinador de futebol e ex-internacional português. Será? Já lá vamos.

Em “things have changed”, Bob Dylan canta que “as coisas mudaram” e se o Nobel da Literatura o diz, quem somos nós para contrariar? A verdade é que, no futebol moderno, as coisas mudaram mesmo. Atualmente, pede-se aos jogadores coisas diferentes das que se pediam há uns anos. As obrigações dos futebolistas de cada posição são outras e os requisitos para se ser de topo nessa função, também.

Com a ajuda da música, podemos percebê-lo. Começamos pelos médios.

Under Pressure”, dos Queen, e “You’re The Man”, de Marvin Gaye

Hoje em dia, quer-se que o chamado “trinco” ou “pivot” do meio campo saiba colocar a equipa a jogar e que seja ele o primeiro e principal jogador a iniciar o processo ofensivo.

You’re The Man [tu és o homem]”, dizia Marvin Gaye, e dizem agora muitos dos principais treinadores do mundo. Ao médio defensivo, esse, cabe-lhe ouvir Queen e saber jogar “Under Pressure [sob pressão]”, tirando a bola das zonas de pressão e sabendo pisar um terreno que, no futebol moderno, cada vez é mais pressionado pelos adversários: o da saída de bola.

Se o médio defensivo arriscar muito nesta fase do jogo, fica mais exposto a perdas de bola em “zonas proibidas”. No entanto, se tentar dar qualidade nessa fase de construção, permitirá que a equipa possa ter mais jogadores em zonas adiantadas, que haja verticalização logo na primeira fase de construção e, sobretudo, permitirá que a equipa consiga sair, com bola “limpa”, quando os adversários pressionarem a sua zona de início de processo ofensivo.

Posto isto, fica a questão: o médio defensivo deve jogar simples e entregar as despesas de criação a jogadores mais adiantados e mais evoluídos do ponto de vista técnico ou deve ser, ele próprio, o primeiro a colocar a equipa a jogar?

Em declarações ao Bancada, Álvaro Magalhães, histórico jogador e treinador português, foi claro: “O médio defensivo deve iniciar a ação ofensiva. Tem de saber defender, mas tem de ser ele a iniciar a ação ofensiva, com qualidade técnica e criatividade. Isto é que é futebol”.

O futebol moderno pede que o número 6 seja um jogador com capacidade na saída de bola. Neste aspeto, podemos destacar os principais médios do futebol europeu.

Médios defensivos das 20 primeiras equipas do ranking da UEFA

Destes 20 jogadores, 15 podem ser considerados jogadores fortes na saída de bola, sendo que apenas Gabi, o benfiquista Fejsa, Javi Garcia, o portista Danilo e Coquelin são jogadores menos criativos. Desses 15, sete são mesmo os principais responsáveis pelo início da construção de jogo ofensivo nas suas equipas (Xabi Alonso, Busquets, Verrati, Weigl, N’Zonzi, Fred e Dier) e são eles a assumir a missão de usar a sua qualidade técnica para criar, para retirar a bola das zonas de pressão e para colocá-la “limpa” nos pés dos jogadores mais ofensivos.

Matic e Dier são os casos mais “forçados”, dado que dividem as despesas do meio campo com Kanté e Wanyama, respetivamente, alternando, durante o jogo, os momentos em que ora sai um para a transição e para a pressão alta, ora sai outro.

Recordemos Marvin Gaye para dizer que, num futebol em mudança, “You’re The Man”, caro médio defensivo, “You’re The Man”.

“One Tree Hill”, dos U2, ou “Pinheirinho de Natal”

Recordam-se da frase de Álvaro Magalhães sobre os avançados “pinheiros”? É agora o momento da análise.

Primeiro, um cenário: defesa ou guarda-redes bate para o meio campo adversário. Avançado baixa um pouco, ganha a bola de cabeça e coloca-a num dos corredores. O extremo vai à linha e cruza. Avançado finaliza. Isto diz-lhe alguma coisa? Aos mais antigos, talvez. Aos mais novos, deve soar a futebol básico, rudimentar e já pouco visto. E é isto mesmo. O “kick and rush” britânico ou “long ball” está em extinção, talvez desde que nomes como Zola, Bergkamp ou Cantona começaram a mostrar um futebol diferente, nos relvados ingleses, o berço do futebol.

Os U2 celebrizaram a música “One Tree Hill [colina da árvore]”, enquanto Paulo Sérgio, em 2007, quando treinava o Sporting, falou de pinheiros. “Falta-nos um pinheiro com 1,90 metros, que lhe possamos acertar com a bola na cabeça e ela vá para dentro da baliza", disse, à data, o treinador português.

A última década tem marcado uma mudança nos modelos de jogo e nas formas de chegar ao golo, mas também naquilo que se pede aos pontas-de-lança. Ou será que agora já só lhes devamos chamar “avançados”? O futebol tornou-se um jogo de espaço, movimento, dinâmica, transições e troca de bola, o que complica a vida dos “pinheiros” de área. Os avançados do futebol moderno devem ser capazes de criar as suas próprias oportunidades e, em última análise, de colocar a própria equipa a jogar.

Só os treinadores que não percebem nada disto é que ainda usam pinheiros. Já no meu tempo havia jogadores de grande mobilidade como Nené, Chalana, Jordão, Manuel Fernandes… um avançado tem de se movimentar”, defende Álvaro Magalhães, ao Bancada, antes de detalhar: “eu nunca tive pinheiros desde que sou treinador principal, sempre tive jogadores de grande mobilidade. Mesmo no Benfica, quando jogava [década de 80], tínhamos o Manniche, que melhorou as suas capacidades e era um jogador que se movimentava muito, não era aquele jogador parado que as pessoas acham”.

Valery Gazzaev, treinador russo, sobre Hulk: "Ele responde a todos os critérios que se exigem a um avançado moderno. Pode jogar em todas as posições do ataque, é muito forte a nível individual e, além disso, marca bastantes golos". Já Carlo Ancelotti considera que "Dybala é um avançado moderno, que combina atitude com dinamismo”.

“Nas décadas de 60, 70, 80 e até 90, quando cheguei a Inglaterra, todos os clubes tinham pontas-de-lança. E refiro-me àqueles que conseguem cabecear e direcionar a bola. Temos menos, agora. Na Alemanha foram ao Mundial com o [Miroslav] Klose, que tem 35 anos”, recorda Arsène Wenger.

Paremos para dois parágrafos que resvalam para o exercício opinativo, mas que permitem ilustrar a opinião destes treinadores.

O melhor protótipo de avançado moderno é, possivelmente, Kün Aguero. O argentino do Manchester City, além de tremendo finalizador (nomeadamente de cabeça, apesar da sua baixa estatura), é um avançado capaz de vir buscar bola, de cair nas alas, de dar profundidade, de jogar em apoio (apesar de baixo, é muito forte fisicamente) e de criar soluções através da sua qualidade técnica e velocidade. Nada que se assemelhe a um “pinheiro” ou a um avançado só de área, preocupado apenas em finalizar o que os outros criam.

Outro exemplo curioso é o de Robert Lewadowski que, para muitos, é o avançado mais completo da atualidade. O polaco combina força física com técnica, dinamismo, movimentação, velocidade considerável – sobretudo para a sua altura –, e um estilo de jogo difícil de controlar. Um defesa mais baixo e mais rápido perderá no duelo físico, enquanto um defesa alto e forte perderá na constante movimentação e dinamismo do polaco. Ainda sobre Lewandowski, é interessante perceber como é que um avançado com aquela estatura se adaptou, no Bayern, ao futebol de... Pep Guardiola. Só a versatilidade e variedade de recursos do polaco permitiriam encaixar-se tão bem no futebol de posse (e passe), toque e constante movimentação que o treinador espanhol procura implementar nas suas equipas.

Se isto não o convenceu, temos um exemplo bem mais categórico. Os dois maiores goleadores do futebol atual não são pontas-de-lança e, até determinada fase das carreiras, nem avançados deveriam ser considerados. Falamos de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Os dois “extraterrestres” do nosso futebol são finalizadores de excelência, que gostam de partir de outras zonas do terreno: Ronaldo do corredor esquerdo e Messi do direito. Ambos, no entanto, com muita liberdade (sobretudo o argentino), passando pela zona central. Reforce-se: passando nessa zona, não “estacionando”.

Regressamos aos factos e mostramos-lhe os avançados das 20 primeiras equipas do ranking UEFA:

Destas 20 equipas – e mesmo considerando que algumas utilizam um sistema com dois avançados –, apenas seis (Juventus, Arsenal, Schalke, United, Leverkusen e Zenit) têm jogadores típicos de área. Há ainda o caso particular do Benfica, que usa um jogador de área, Mitroglou, mas sobre o qual, segundo Álvaro Magalhães, as pessoas estão enganadas.

“Ele não é nenhum pinheiro. Apesar do que se pensa, o Mitroglou é um jogador de grande mobilidade e que não se fixa na área. Ele movimenta-se, cai nas alas e arrasta os defesas, abrindo espaço para o Jonas”, explica.

Como vemos, os principais clubes estão repletos de avançados modernos, num lote que ainda poderia comportar nomes como Lacazette, Morata, Rashford, Rooney ou Milik.

Mas onde param, afinal, os avançados de área? A era de jogadores como Gerd Müller, Ian Wright, Raúl, Shearer, Trezeguet, Klose, Van Nistelrooy, Jardel, Shevchenko ou Inzaghi já lá vai.

Nos “pinheiros” do futebol atual poderemos dizer que sobram apenas jogadores como Lukaku, Mario Gomez, Benteke ou Peter Crouch que, aos 36 anos, tem estado em grande no Stoke, tendo atingido, já em janeiro, a marca dos 100 golos na Premier League. Fugindo do protótipo de “pinheiro”, mas mantendo o de jogadores de área, há ainda espaço para casos raros como Higuaín, Falcao, Bacca ou Chicharito. Sobram poucos, sobretudo nas principais equipas.

Voltando à “One Tree Hill”, dos U2, e ao “pinheirinho de Natal”, de Paulo Sérgio, será justo dizer que, no futebol moderno, este tipo de jogador é visto como uma solução de recurso. O próprio Paulo Sérgio, em 2007, não pretenderia o tal jogador de área para roubar o lugar a Liedson. A ideia seria ter um jogador capaz de, em determinadas alturas do jogo ou contra determinados adversários, dar sequência a um “kick and rush” à portuguesa.

Como nos foi explicado e como os números mostram, o futebol moderno pede um avançado capaz de finalizar, sim, mas também de jogar, participar, contribuir e criar.

“Lonely Avenue”, de Ray Charles

No capítulo dos extremos, começamos já pelo quadro das 20 primeiras equipas do ranking europeu.

Destas 20 duplas de extremos – há que considerar os casos particulares de Chelsea e Juventus, que utilizam um sistema de três centrais, com laterais a fazer todo o corredor –, dez são compostas por jogadores que atuam, preferencial e habitualmente, a partir do corredor contrário ao seu pé predominante. Das dez que sobram, apenas três jogam com os dois extremos do lado “certo” (Benfica, PSG e o caso particular do Tottenham, com Eriksen pouco agarrado ao corredor direito).

No lote destacado, faltam ainda Coutinho, Mahrez, Hulk ou Yarmolenko, jogadores que também jogam, habitualmente, do lado contrário ao seu pé predominante. Por outro lado, como exceções, destacam-se o canhoto Douglas Costa, que não tem problemas em jogar no corredor esquerdo, e o destro Willian, que o faz no direito.

Destes números e da observação do futebol atual, conclui-se que, agora, os extremos já não apostam em ganhar a linha para cruzar, mas sim de procurar movimentos interiores em condução, em rutura, com bola, sem bola, para aplicar meia distância ou para penetrar na área adversária. Está "na moda" fazer movimentos interiores e cantar Ray Charles, deixando uma “Lonely Avenue [avenida bandonada]”, no corredor, esperando que o lateral a ocupe (falaremos dos laterais mais à frente).

Mas, afinal, as equipas beneficiam desta procura exaustiva do jogo interior? E os avançados?

"Um extremo pode vir para dentro e conseguir cruzar na mesma. Não é por aí. Dou-lhe o exemplo do Manniche, que jogou comigo no Benfica. Nessa altura já havia alguns extremos de pé trocado, como o Chalana, e o Manniche, que não era um pinheiro - era muito móvel -, conseguia finalizar. Tal como acontece com o Jonas, no Benfica, que consegue aparecer, com os movimentos do Mitroglou", explica Álvaro, antes de dar um exemplo mais contemporâneo.

“O esquerdino no lado direito vai para dentro e dá-lhe uma paulada, a cortar. Lembra-se do Simão? Isto era o que fazia o Simão do lado contrário. Antes de um jogo com o Sporting, eu disse-lhe ‘vais para dentro e dás-lhe o corte’ e ele fez um grande golo, que nos deu o 3-3”, conta.

A tendência do “vir para dentro” faz com que as equipas cruzem menos – a missão de fazer cruzamentos, há alguns anos, pertencia aos alas – e que esse recurso, agora, seja mais usado pelos laterais.

Consequência: os avançados são servidos com bolas pelo chão, com passes de rutura ou, por vezes, com cruzamentos pelo ar, mas na direção da baliza, a pedir um leve desvio ou um “pentear de bola”. Raramente são servidos com cruzamentos vindos da linha, que lhes permitam atacar a bola de frente ou, no máximo, numa posição lateral. 

Há quem defenda que esta moda dos extremos com jogo interior já é um excesso, mas também há quem defenda que o futebol moderno beneficia com a capacidade dos alas de participar mais na circulação de bola e na criação de superioridade em zonas interiores, e não apenas de partir “para cima” do defensor, para ganhar a linha e tirar cruzamentos.

O facto – que está relacionado com o que já falámos na secção dos avançados modernos – é que se torna difícil servir um “pinheiro” com jogo interior e passes de rutura, tal como é difícil servir um avançado móvel, versátil e irrequieto apenas com cruzamentos, mesmo que venham “açucarados”.

Seja ou não apoiante dos extremos de “pés trocados”, impõe-se a pergunta: sente a falta de Ryan Giggs, Luís Figo e David Beckham?

“Technique”, de Pat Boone, ou “A Rose Is Still A Rose”, de Aretha Franklin?

Momento Trivia no Bancada:

O que é um defesa central?

- Opção 1 (à antiga): jogador grande, duro, agressivo, eficaz e pouco preocupado com pormenores técnicos e em colaborar para a qualidade ofensiva da equipa.

- Opção 2 (moderna): jogador rápido, não necessariamente grande, versátil, com alguns recursos técnicos e boa saída de bola.

Não temos uma resposta definitiva, mas tentaremos lá chegar. Dirão os mais perspicazes que o defesa central perfeito saberia misturar um pouco de ambas as opções. O facto é que os centrais tecnicistas são cada vez mais apreciados, por vezes em detrimento dos “centralões” fortes de antigamente. O defesa do futebol moderno terá a “Technique [técnica]”, de Pat Boone, ou, tal como “A Rose Is Still A Rose [uma rosa ainda é uma rosa]”, um defesa ainda é um defesa?

Os mais puristas dirão que a célebre escolha entre deixar passar a bola ou o homem deve acompanhar qualquer defesa central. No entanto, o futebol evoluiu. Os defesas de topo são mais rápidos, o que lhes permite controlar a profundidade e acompanhar os adversários, sem ter de recorrer à falta.

Ainda faz sentido, no futebol atual, ter um “centralão” duro e agressivo (ainda que eficaz), mas com dificuldades a nível técnico?

Um defesa tem de saber dominar e bola e entregá-la bem”, é assim, de forma assertiva, que Álvaro Magalhães olha para esta questão. "Mas pode haver, por exemplo, uma dupla com um central mais rápido e um mais lento. Completam-se", acrescenta.

A escolha, no entanto, não tem de ser limitada a estes dois tipos de jogador. A escola italiana, com nomes como Maldini, Baresi, Nesta ou Cannavaro, mostrou que o protótipo de defesa central pode ser combatido. Os três primeiros, apreciados pela classe e limpeza com que resolviam os problemas, podem ser enquadrados em casos “desviantes”, bem como o quarto, que, com uma estatura pouco habitual (1,76m) para um defesa central, juntava agressividade e excelente tempo de corte a uma tremenda capacidade de impulsão.

Passemos aos números, olhando para os defesas centrais das 20 principais equipas europeias

Os números são claros: do lote dos 40 centrais habitualmente titulares nas principais equipas, 27 são jogadores que encaixam no perfil de central com, no mínimo, alguma qualidade na saída de bola. Nos casos de nomes como Bonnuci, Sérgio Ramos, Hummels, Boateng ou Koscielny, “alguma qualidade na saída de bola” até soa a eufemismo.

Ainda deste lote de 27 defesas, 12 poderão ser considerados jogadores com bastante velocidade (Varane à cabeça), contrastando com os “centralões” mais lentos, físicos e fortes nos duelos.

Em suma, e olhando para o panorama atual, será justo dizer que, quem quiser ser um central de topo, terá de ser rápido e, acima de tudo, ser uma mais-valia na saída de bola, ajudando na primeira fase de construção.

Que nos perdoe Aretha Franklin, mas "uma rosa já não é uma rosa” e um defesa já não é [só] um defesa.

All Down The Line”, dos Rolling Stones, e “Lambreta”, de António Zambujo

“A primeira obrigação do lateral é defender”, dizia-se no futebol. Agora, diz-se uma coisa diferente.

Pedindo ajuda a Mick Jagger, Keith Richards e companhia, os laterais do futebol moderno devem jogar “All Down The Line [em toda a linha]” e é-lhes pedido um conjunto de características diferentes das pedidas no passado.

O lateral de hoje é capaz de fazer o corredor todo, desequilibrando no ataque e contribuindo na defesa. Pode ser um “comboio” – lateral robusto, potente e com capacidade de embalar ao longo da linh... perdão, All Down the Line – ou, caso não tenha este perfil físico, deve falar com António Zambujo e ter uma autêntica “lambreta”, usando velocidade, técnica e agilidade.

Acima disto, tenha “comboio” ou “lambreta”, seja robusto ou ágil, pede-se que o lateral moderno consiga desequilibrar no um contra um. Não ter de esperar pela ajuda do extremo para o dois contra um (conseguindo superioridade numérica naquela zona), tal como explica Álvaro, distingue alguns dos melhores laterais do Mundo, no futebol moderno. Em linhas gerais, são estes os requisitos para ser um “lateral da moda”.

Ensina-se tática e posicionamento, mas é mais difícil ensinar técnica. Será este o ponto-chave da mudança nos laterais modernos?

Álvaro Magalhães concorda e explica: “É complicado ensinar técnica a um jogador que não a tem. É mais fácil ensinar capacidade defensiva a um jogador que já tem a parte técnica”.

“De médios-ala consegue-se fazer bons laterais. Um extremo está habituado a jogar no um contra um e quando é posto a lateral tem a vantagem de ver sempre o jogo de frente”, explica, antes de recordar um ex-jogador seu: “o Miguel, no Benfica, era um extremo e que foi posto a jogar a lateral direito”.

Ainda não está convencido? Falemos de números.

Dos laterais habitualmente titulares nas 20 primeiras equipas do ranking da UEFA (com dois laterais por equipa, estamos a falar de 40 jogadores), apenas onze podem ser considerados laterais defensivos, sendo que “damos de borla” Maxwell (que já foi um lateral mais ofensivo e que, na última época, dividiu o lugar com Kurzawa). Outros ficam de fora como Sidibé, Lichtsteiner, Aurier, Clyne, Bernat, Kimmich ou Coleman.

O suíço Ricardo Rodríguez (que já foi confirmado no AC Milan) e o alemão Philipp Lahm (que terminou a carreira) merecem menção particular, por serem, dos principais laterais do futebol europeu, aqueles que não se encaixam em nenhum destes perfis. O primeiro não é particularmente rápido, nem uma “besta” que embale pelo corredor. É sólido na defesa e, no ataque, um desequilibrador nato, com a sua qualidade técnica. Lahm, que já anunciou que a presente época será a última da sua carreira, é, provavelmente, o lateral mais completo e discreto das últimas décadas. Não sendo um “artista” – e muito menos um portento físico – consegue usar inteligência, critério com bola e cultura tática para desequilibrar quer no plano defensivo, quer no ofensivo. Noutro âmbito, e a título de curiosidade, destaque para o facto de o alemão, apesar de ser defesa, nunca ter visto um cartão vermelho, em mais de 750 jogos que disputou na carreira.

Em Portugal, Nélson Semedo, Grimaldo, Maxi Pereira, Alex Telles e até Layún são cinco laterais com grande propensão ofensiva. Mesmo no Sporting, uma equipa com já assumidas lacunas nas laterais, Jorge Jesus não abdicou de um Schelotto ou um Zeegelaar capazes de “comer” todo o corredor ou até da adaptação de um Bruno César com uma carreira de médio ofensivo.

A tendência geral, como vimos, é a de procurar laterais com técnica e capacidade de transporte e de desequilíbrio ou, em última análise, adaptar um jogador mais ofensivo e ensiná-lo a defender.

Por fim, um alerta: não vale dizer “isso é tudo muito bonito, mas se o Bale tivesse sido mantido a lateral, teríamos perdido um dos melhores extremos do Mundo”.

4000 palavras depois, entre defesas, avançados, extremos, laterais e médios defensivos, ouçamos Bob Dylan: “Things Have Changed” no futebol moderno.