Prolongamento
Dois guarda-redes na retoma de uma rivalidade clássica
2021-10-17 10:10:00
Diogo Costa e Rui Patrício dão continuidade ao legado de históricos como Ricardo, Baía, Damas e Bento

O guarda-redes Diogo Costa, de 22 anos, registou a primeira internacionalização no amigável com o Catar, em outubro de 2021. Campeão europeu sub-19 e sub-17 e vencedor de uma Youth League (pelo FC Porto), o jovem guardião tem vindo a ser apontado, nos últimos anos, como o futuro dono de uma posição que tem sido ocupada por Rui Patrício de forma indiscutível.

O 'problema' de Diogo Costa é que Rui Patrício tem 'apenas' 33 anos. Se o guarda-redes da Roma continuar a jogar ao mais alto nível por alguns anos, Portugal volta a ficar servido de dois guardiões de topo. É o retomar de uma rivalidade clássica, dos tempos em que a seleção tinha dificuldades em marcar presença nas grandes competições.

O facto é que Portugal sempre teve guarda-redes de eleição. A transferência de Vítor Baía, em 1996, apenas tornou visível essa qualidade. Os 6,5 milhões de euros que o Barcelona pagou ao FC Porto tornaram Baía no guardião mais caro de sempre, projetando a escola portuguesa de guarda-redes no mundo. Isto aconteceu nos anos 1990, recorde-se: agora, o recorde é de Kepa, que em 2018 rumou ao Chelsea por 80 milhões.

Vítor Baía foi outro indiscutível na baliza da seleção, relegando a concorrência para o papel de figurantes. Mas as alternativas eram também de topo. Quim, Neno, Rui Correia, Nuno Espírito Santo, Moreira, vários foram os guardiões de qualidade que se viram relegados para o banco. Mas Baía terá sido uma exceção: mesmo Ricardo, que lhe sucedeu entre os portes da seleção e se tornou indiscutível para os selecionadores, teve entre os adeptos bastante resistência.

A rivalidade nas balizas portuguesas é bem anterior a Baía. Remonta aos anos 1980, pelo menos. E insistimos nesse 'pelo menos' porque não abundam os registos anteriores a essa época, para além de que esses registos poderiam ter sido condicionados por ordens de um regime não democrático. Ainda assim, basta recuarmos aos anos 1980 para os adeptos com mais idade se lembrarem de dois nomes míticos (por ordem alfabética, para não ferir suscetibilidades): Bento e Damas.

Em 1986, Portugal qualificou-se para o Mundial do México. Uma rara presença da equipa nacional nas grandes provas internacionais. Para guardar a baliza, o selecionador José Torres chamou Manuel Bento, indiscutível no Benfica, e Vítor Damas, indiscutível no Sporting. Jorge Martins, do Belenenses, também foi convocado, mas para fazer sombra aos dois 'monstros'.

Bento tinha ganho a posição no Euro84, aproveitando o facto de Damas estar na altura a jogar em Espanha. Nessa época, era difícil acompanhar os jogadores no estrangeiro e Damas perdeu projeção. No entanto, se jogasse Damas e Bento fosse suplente era considerado normal. Portugal, à época, tinha bem menos compromissos e a escolha habitual era Bento. Damas acabaria por fazer dois jogos no Mundial de 1986 (Polónia e Marrocos) após uma lesão do rival, titular na partida de estreia (com Inglaterra).

Manuel Bento representou a seleção em 63 ocasiões e durante muito tempo deteve o recorde de 1299 minutos sem sofrer qualquer golo. Damas somou 29 internacionalizações e era tão bom que até os adeptos de clubes rivais o tratavam por 'Eusébio das balizas'.

Portugal regressaria às grandes competições em 2002, com Vítor Baía como indiscutível. No Mundial da Coreia e Japão, o então jogador do FC Porto fez sentar no banco Nelson Pereira, titular do campeão Sporting, e Ricardo Pereira, que na época anterior tinha sido campeão pelo Boavista.

Numa decisão de Scolari que à data gerou forte polémica, Baía foi excluído do Euro2004. Ricardo Pereira assumiu a baliza de Portugal, mas muitos preferiam ver Quim, então a principal alternativa. Ricardo só começou a tornar-se indiscutível a partir do Mundial de 2006, com Quim a ficar definitivamente na sombra e Paulo Santos, do SC Braga, a ser a terceira opção.

Um ano depois, Ricardo trocaria o Sporting pelo Bétis. Na baliza de Alvalade surgiu então um jovem promissor, Rui Patrício. Tão promissor que iniciou nova rivalidade. Lançado por Paulo Bento no Sporting, Rui Patrício seria lançado por Paulo Bento na seleção, em 2010, e aproveitaria o declínio do rival, Ricardo Pereira, para se afirmar como indiscutível, a partir de 2011. Já poucos se lembram que, nos primeiros tempos, a alternativa a Rui Patrício na seleção acabou por ser Eduardo.

Agora, Rui Patrício vê Diogo Costa chegar à equipa principal, depois de ter sido campeão europeu sub-19 e sub-17 por Portugal. O guardião da Roma parte em vantagem, tanto mais que agora é fácil acompanhar as carreiras dos jogadores no estrangeiro, mas tem os exemplos de lendas como Damas e Ricardo Pereira: o tempo não para e, neste caso, joga a favor do jovem Diogo Costa.