Saltou à vista de Manuel Fernandes, foi lançado às feras por Carlos Alberto Silva e aprendeu como fugir aos defesas contrários com Paulo Fonseca. Esta é a história de Diogo Fonseca, o vice-campeão europeu sub-19 por Portugal que esteve três meses a dormir na cave do Estádio do Bessa, que um dia chegou ao Jamor para jogar uma final da Taça de Portugal e que no domingo vai defender as cores do Praiense no encontro com o SC Braga em mais uma eliminatória da prova rainha do futebol português.
A vida de um futebolista dá realmente muitas voltas. A de Diogo Fonseca, então, é um caso sério. O próximo episódio da carreira deste avançado de 33 anos vai contar-se no domingo, no Estádio Municipal de Braga, e a ocasião é a quarta eliminatória da Taça de Portugal, a prova rainha do futebol luso. Diogo Fonseca sabe que a tarefa que o espera, a ele e aos colegas do Praiense, do Campeonato de Portugal, é hercúlea.
Aliás, segundo o próprio Diogo Fonseca, em conversa com o Bancada, disse, sem qualquer tipo de pejo, que “o SC Braga é a equipa que melhor futebol joga em Portugal neste momento”, mas que nem por isso a equipa açoriana vai entrar na Pedreira com medo. Pelo menos é assim que Diogo Fonseca vai encarar o jogo. Mais um jogo de uma longa carreira que começou em 2002 ao serviço do Santa Clara e logo treinado por um dos maiores pontas de lança da história do futebol português: Manuel Fernandes.
“Foi o mister Manuel Fernandes que viu qualidades em mim para ser jogador profissional, nem 18 anos tinha. Sendo ele um dos pontas de lança mais conceituados da história do futebol português era com muito interesse que eu ouvia o que ele me tinha para dizer. Foi sem dúvida um grande treinador que marcou o início da minha carreira.”
Diogo Fonseca na final da Taça de Portugal, no Jamor, frente ao FC Porto, em 2006. Os auis e brancos venceram por 1-0
Deixou Carlos Alberto Silva à espera quase uma hora e ainda foi comparado a Ronaldo, o Fenómeno
Sob o comando técnico de Manuel Fernandes, Diogo Fonseca foi ganhando os primeiros minutos na Primeira Liga, o primeiro contacto com o futebol profissional. Mas foi já sob a regência do mítico Carlos Alberto Silva que Diogo Fonseca se estreou a titular. E não foi num jogo qualquer. Foi frente ao FC Porto, no antigo Estádio das Antas, num encontro que poderia valer o títulos aos dragões. O dia foi inesquecível para o jovem, mas nem nem tudo correu às mil maravilhas. Pelo meio ganhou uma comparação com Ronaldo, ‘O Fenómeno’.
“Foi o falecido Carlos Alberto Silva que me deu a oportunidade de me estrear pela primeira equipa do Santa Clara, com 18 anos.
Íamos jogar o jogo do título do FC Porto no antigo Estádio das Antas. Foi a primeira época completa do José Mourinho e se o FC Porto garantisse a vitória contra nós sagrava-se Campeão Nacional.
Um par de horas antes do jogo eu estava no meu quarto, com o meu colega de quarto que era o Kali. Eu dava-me muito bem com o Kali e com o Fernando, os dois angolanos, foram praticamente os meus dois padrinhos no futebol profissional.
Eles gostavam muito de brincar comigo, eu era um miúdo de 18 anos. Nesse dia do jogo com o FC Porto, entra o Fernando pelo quarto dentro, já depois de termos lanchado, e diz-me: ‘olha, o mister quer falar contigo, está lá em cima à tua espera’. Mas as partidas que eles me pregavam eram tantas que eu pensei cá para mim: ‘este gajo está na tanga comigo’ e disse-lhe: ‘Oh Fernando vai gozar com outro’ e fiquei na minha deixei-me estar.
Passado meia hora bate-me à porta o adjunto, o Eurico Gomes, e pergunta-me: ‘Então miúdo? O que estás a fazer aqui?’. Eu fiquei um bocado atrapalhado sem saber o que dizer e ele disse: ‘Então tens o mister lá em cima à tua espera há já três quartos de hora’ . E foi aí que percebi que não era brincadeira.
Quando lá cheguei ele disse-me que ia ser titular, com aquele sotaque dele: ‘minino’, como está está você? Comeu bem? Descansou bem? É só para lhe dizer que vai jogar de início. Não fique nervoso, mas - não sei se você sabe - eu já treinei o FC Porto e fui campeão, sei bem o ambiente daquele estádio e o túnel das Antas é mesmo hostil, mas não fique nervoso’.
E o curioso é que foi ele que estreou o Ronaldo, fenómeno aos 16 anos no Cruzeiro e contou-me esse episódio. Que também tinha dito ao Ronaldo, aos 16 anos, para não estar nervoso antes da estreia com a camisola do Cruzeiro.
Em seis meses passei de treinar com os juvenis a estar a jogar no Estádio das Antas no jogo do título do FC Porto do Mourinho que jogava à bola que se fartava.”
O duelo com Chiellini
A carreira de Diogo Fonseca estava lançada e as chamadas às seleções jovens eram constantes. Em 2003 participou no Campeonato da Europa de sub-19, competição em que Portugal brilhou. A seleção lusa foi até à final onde viria a perder por 2-0 diante da Itália. Diogo Fonseca, que havia marcado um golo no primeiro jogo da competição, entrou aos 40 minutos para se cruzar com um dos melhores defesas do Mundo da atualidade: Giorgio Chiellini. Terá sido, o italiano, o defesa mais duro que Diogo Fonseca defrontou? Talvez não.
“O Chiellini quando o apanhei éramos muito miúdos, mas tenho de dar esse epíteto ao ‘Bicho’, o Jorge Costa. O Ricardo Carvalho também era difícil, mas era mais cavalheiro, ainda lhe abri o sobrolho numa disputa de bola. O ‘Bicho’ era um defesa com muita experiência, mais até do que a dureza de que muitas vezes se fala, ele distinguia-se pela experiência e matreirice.”
Dormir na cave do Estádio do Bessa
Mas desengane-se quem julga que a vida de um futebolista é um mar de rosas. A de Diogo Fonseca não foi. O atual jogador do Praiense, jamais esquecerá os momentos que passou no Boavista. Mas fá-lo com muito carinho, pese embora os imensos sacrifícios que teve de fazer aquando da passagem pelo clube da cidade do Porto, na altura a disputar a Segunda Divisão B. Isto depois de três temporada em Espanha, onde esteve ao serviço de Maiorca e Granada.
“Tinha acabado o prazo para assinar por equipas profissionais e o Boavista, que estava na Segunda B, abriu-me as portas. É um clube que guardo no coração com muito carinho, fiz uma grande época e de certa forma relancei a minha carreira. Poucas pessoas sabem disso, mas nesse ano o Boavista vivia uma crise muito grande. O clube não tinha dinheiro, não tinha sítio para alojar os jogadores e eu, sendo açoriano, sem sítio para ficar fiquei a dormir na cave do Estádio do Bessa durante três meses. Eu e o meu colega Jorge Rodrigues. Foi um sacrifício que tive de fazer por mim e pelo Boavista.”
Diogo Fonseca com as cores do Boavista
Dois anos após a passagem pelo Boavista, Diogo Fonseca cruzou-se com mais um grande treinador. O ponto de encontro foi o Aves que então orientado por um jovem Paulo Fonseca, atualmente a treinar o Shakhtar da Ucrânia. Este encontro de Fonsecas valeu a Diogo dicas que lhe serviram para o resto da carreira. É que o mister Paulo tinha sido um defesa duro de roer durante os tempos de jogador e se havia alguém indicado para ensinar um avançado a fugir aos ‘centralões’ este era o homem.
“Ele sempre que vê diz que nunca mais se vai esquecer de mim porque o filho dele tem o mesmo nome: Diogo Fonseca. Foi um treinador que me ensinou muito, porque quando era jogador era defesa-central, então sabia muito bem quais eram as dificuldades dos defesas e as formas como os avançados conseguiam bater os defesas.”
Para além dos treinadores que marcaram e moldaram a carreira de Diogo Fonseca, o jogador lembrou que foi ajudado pelas pessoas certas nos momentos em que mais precisou. Os empresários Pedro Cordeiro e Paulo Formosinho foram dois homens que marcaram a vida de Diogo Fonseca.
“O Pedro Cordeiro e o Paulo Formosinho foram dois homens muito importantes na minha carreira. O Pedro Cordeiro abriu-me as portas do CD Tondela depois de uma experiência na Tailândia, que não correu como eu queria, e o Paulo Formosinho que me deu a chance de representar um histórico clube português como o Boavista.”
No domingo poderemos ver Diogo Fonseca em ação, diante do SC Braga, em mais uma eliminatória da Taça de Portugal. O avançado descoberto por Manuel Fernandes, lançado às feras por Carlos Alberto Silva, com comparação com Ronaldo pelo meio e que se sagrou vice-campeão europeu sub-19 por Portugal. Ah! E que já esteve numa final da Taça de Portugal, no Jamor, mas que perdeu para o FC Porto, por 1-0, em 2006.