Prolongamento
“Até um ato criminoso pode ser serviço público”, diz Snowden sobre Rui Pinto
2021-07-15 18:15:00
Ex-analista da NSA lamenta que os denunciantes tenham de passar pela "autoimolação"

Edward Snowden, o ex-analista da NSA que denunciou o esquema de vigilância sobre os cidadãos montado pela agência de informação norte-americana, publicou um testemunho, em vídeo, a defender Rui Pinto, informático que responde em tribunal no âmbito do processo Football Leaks.

Arrolado como testemunha por Rui Pinto, Snowden lamentou que os sistemas judiciais ainda condenem os denunciantes a uma “autoimolação”, em vez de analisarem as informações que possam ter sido obtidas de forma ilícita (como as reveladas pelo próprio Snowden) de acordo com o “interesse público” que possam ter.

“Até um ato criminoso pode ser um ato de serviço público. O resultado final de qualquer ato de denúncia é encontrado nas suas consequências. Não se trata de como nos deparámos com o caso, mas sim até onde o caso nos levou”, explicou.

“A direção da nossa viagem é relevante e deve ser considerada. Mas no final nós julgamos um ato social pelos seus resultados sociais. Acredito que, no caso do Rui Pinto, não há dúvida de que as histórias reveladas suscitaram interesse público e espero que concordem comigo”, reforçou o ex-analista da NSA.

Aludindo às informações reveladas por Rui Pinto em assuntos como Football Leaks e Luanda Leaks, Snowden realçou que uma denúncia provoca uma “tensão” entre “o valor criado” pela sua divulgação e “a lei estabelecida”.

“Até as leis mais perfeitas, criadas pelos legisladores mais conhecidos, nunca conseguirão captar todas as variantes e complexidade das circunstâncias que dão origem ao ato de denúncia”, complementou.

Quando as denúncias mexem com os poderes ‘instalados’, como aconteceu com muitas das informações divulgadas por Rui Pinto, esses mesmos poderes vão fazer tudo para travar a investigação das alegadas irregularidades que foram denunciadas.

“Sendo direto, um ato de denúncia não pode ser qualificado ou desqualificado pelo cumprimento rigoroso da lei durante os atos de investigação de revelação. Em muitos casos, é impossível. Muitas vezes de forma deliberada, instituições e indivíduos com influência na sociedade têm todos os incentivos para impedir uma investigação das suas atividades”, frisou.

De acordo com Edward Snowden, “um ato de denúncia tem de ser julgado pelo facto de ser ou não do interesse público”, pois “o indivíduo e as suas circunstâncias, embora sejam materiais e relevantes nalguns contextos, não são o fator mais importante”.

“Entendo que alguns tribunais não se sintam confortáveis em abrir uma exceção para o ato de denúncia. Mas a natureza do ato é essa. É um ato excecional, que tem um custo. Em muitos casos, é um ato de autoimolação para aquele que denuncia”, concluiu o ex-analista que divulgou, através dos jornais The Guardian e The Washington Post, os programas de cibervigilância dos cidadãos conduzidos pela NSA.

Rui Pinto, de 32 anos, encontra-se a responder em tribunal, no processo Football Leaks, por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.