O desinvestimento do Governo Regional no desporto e uma má formação do plantel ajudam a explicar a descida à 2ª Liga
O desinvestimento do Governo Regional da Madeira no desporto de há uns anos para cá, associado a uma série de erros na formação do plantel da época que agora terminou ajudam a explicar um pouco a descida do Nacional à II Liga, 15 anos depois do ano que marcou o regresso do CD Nacional à elite do futebol português. José Peseiro era então o treinador e no plantel estavam os desconhecidos Rossato, Paulo Assunção e Adriano Louzada, além de Jokanovic, Ivo Vieira e Filipe Gouveia – futuros técnicos na Primeira Liga. O presidente era, desde 1994, Rui Alves, um dos grandes obreiros da ascensão do Nacional. 15 anos volvidos, o clube alvinegro vê-se despromovido ao segundo escalão e o homem que durante duas décadas fora visto como figura intocável é agora apontado como o rosto do fracasso. Na formação do plantel e nas trocas de treinadores, vários foram os erros que marcaram a última campanha do clube e o somatório acabou por mostrar-se fatal. Diz a Lei de Murphy que “se algo pode correr mal, vai correr (mesmo) mal” e o Nacional versão 2016/17 fez jus à lei. Poucos previam no início do campeonato o desfecho que se acabou por verificar, numa época em que os madeirenses conheceram três treinadores diferentes. Uma época penosa a todos os níveis, acabando a equipa com a pior defesa e o pior ataque, tudo culminado com a descida de divisão.
Crítico da atual política das subvenções concedidas pelo Governo Regional aos clubes madeirenses de futebol, e ao desporto em geral, o presidente do Nacional, Rui Alves, associa o menor rendimento desportivo das equipas da Região – em dois anos seguidos, União da Madeira e Nacional desceram ao segundo escalão – , incluindo o próprio Nacional, aos sucessivos cortes nas ajudas de custo, reduzidas a metade, nalguns casos até menos, do verificado por exemplo em 2012. E o pior, argumenta o líder alvinegro, é que os clubes de futebol profissional, incluindo o Nacional, pagam mais à Região em impostos do que aquilo que recebem através dos contratos-programa.
“O Nacional subiu à I Liga em 2002 com uma subvenção de 1,5 milhões de euros e agora vai lutar pela subida com uma subvenção de 800 mil euros”, sublinhou Rui Alves na apresentação de Costinha como o treinador que procurará devolver o clube ao primeiro escalão do futebol português, onde foi cinco vezes à Taça UEFA/Liga Europa e por duas vezes terminou em quarto lugar (2003/04 e 2008/09). Recorde-se que o orçamento do Nacional na época 2016/17, que culminou com a descida de divisão, foi de 4,5 milhões de euros.
Planeamento da época
Em entrevista ao site do clube, Rui Alves assume a responsabilidade na descida de divisão do Nacional da Madeira e revela que a preparação da época foi mal planeada. “Não podemos fugir ao que é essencial, que o problema desta descida teve também a ver com o início do planeamento da nova época. Desde a forma como foi construído este plantel a como se escolheu todo o corpo técnico. Temos de encontrar aí razões para este desenlace”, afirma Rui Alves que aponta já ao futuro. “Agora temos de procurar reconstruir, pensar no futuro e tentar minimizar erros cometidos nos inícios das épocas que acabam por custar muito caro”, referiu o líder do clube da Madeira.
Sobre a formação do plantel, em entrevista ao Expresso, Manuel Machado, tem um ponto de vista diferente. O treinador que mais sucesso obteve ao serviço do clube alvinegro [ver quadro] deixa a entender que Rui Alves queria para a equipa jogadores de perfil mais técnico, enquanto ele pretenderia outro tipo de jogadores, mais fortes fisicamente. “Gosto de um futebol mais objetivo, mais vertical, e isso leva a que o praticante, para o desempenho desse tipo de futebol, tenha um conjunto de características. É preciso um jogar mais robusto e consistente do ponto de vista atlético e físico, mais pragmático no seu pensar do jogo, e esse tipo de jogador não é um jogador do norte do Brasil. Não será muito um jogador da Venezuela… Falo mais desse continente porque não temos acesso a trazer holandeses, alemães ou ingleses para Portugal”
O contexto da preparação para a época que agora terminou também não foi muito favorável ao Nacional. Para fazer face à saída de alguns jogadores carismáticos e importantes na equipa, como o guarda-redes Gottardi, o lateral-direito João Aurélio ou o avançado Soares, este para o FC Porto, o clube repetiu a aposta em mercados que deram bons frutos em anos anteriores: Moçambique e Norte de África e recorreu a alguns empréstimos dos grandes. Mas nomes como Bheu Januário, Hamzaoui ou Tobias Figueiredo não corresponderam às expetativas. E depois a sucessiva troca de treinadores também não. Foram três, numa só época. Manuel Machado, Jokanovic e João de Deus, revelador também de que as coisas não iriam terminar bem.
Há capacidade para sair da crise?
Rui Alves mostra-se otimista que o clube tem capacidade para sair da situação em que caiu, apesar de receber apenas 800 mil euros de ajuda do poder governamental. Uma coisa já se sabe. Para a próxima época, apenas 30 por cento do plantel transita, facto que não o preocupa: “Ainda bem que são 30 por cento. Se fossem 80 ou 90 por cento, éramos candidatos a descer à terceira divisão. Temos de transformar isso numa vantagem competitiva. Quando se é mau, quanto mais experiência tiver, pior fica. Se for bom, a experiência transforma-nos para melhor”, argumenta.
Manuel Machado, o treinador que iniciou a época cumprindo o terceiro ano consecutivo no clube, naquela que foi a terceira passagem pelo Nacional, com três apuramentos para a Taça UEFA e dois 4ºs lugares, não quer aprofundar o que poderá ter levado à queda do clube no segundo escalão do futebol português. “Tenho um grande respeito por toda aquela gente com quem trabalhei durante muito tempo. Seria até uma deselegância da minha parte, uma indelicadeza, estar a fazer juízos de valor sobre aquilo que correu bem ou menos bem. Por isso não vou falar sobre isso”, afirmou recentemente numa entrevista ao Expresso, antes de se remeter ao silêncio absoluto sobre o tema-Nacional. Em 2016/17, Manuel Machado estará no banco do Moreirense, naquele que é um regresso às origens do técnico natural de Guimarães.
O ex-treinador dos alvinegros revela, no entanto, na entrevista àquele semanário, alguns dos problemas com que o clube tem de se deparar ao longo de uma época desportiva, situação agravada ainda mais quando há um corte substancial nas ajudas governamentais. “Cobra-se muito, diz-se que o Governo Regional ajuda, mas aquilo que se dá recebe-se depois em dobro em impostos. Há muitas desvantagens. É o isolamento da ilha; as relações de proximidade entre os clubes locais – Nacional, União, Marítimo – também não são muito boas, e aquilo que se faz com frequência no continente, que é encontrar adversários a qualquer altura, não dá para fazer”. O desgaste das viagens, além dos custos e dos horários das companhias de aviação, são um problema. Machado exemplifica: “Para jogar às 16h00 num domingo, sai-se às 19h00 de sábado, para chegar ao Porto às 22h00. Mais bagagem, autocarro… Já não é horário para um atleta jantar e dormir de barriga cheia.
Manuel Machado aponta mais um conjunto de transtornos que assolam as equipas da Madeira. “Na pré-época, os clubes continentais têm seis semanas para fazerem o seu trabalho e criar momentos avaliativos duas vezes por semana. As equipas da Madeira têm de fazer duas semanas na Madeira, depois vir para cá duas semanas e fazer um compilado de jogos para fazer sete ou oito jogos em dez ou doze dias, o que não é a mesma coisa, e depois voltam a estar mais semanas sem competir, outra vez no isolamento da região autónoma”. “Há um conjunto de coisas que atrapalham a vida às equipas que são mais periféricas”, concluiu.
O futebol na Madeira já foi um jardim
O futebol na Madeira já foi um paraíso. Em 2012, por exemplo, Nacional e Marítimo, principais representantes do futebol madeirense, usufruiam de uma subvenção pública no valor de aproximadamente 2,5 milhões de euros/anuais, ao que se somava outros apoios destinados a ‘patrocinar’ as deslocações quando em competições regionais, nacionais e internacionais, somando-se depois prémios por atingir determinados objetivos, tais como a presença na Taça UEFA. Ao todo, ambas as equipas contavam com um apoio governamental na ordem dos 3 milhões de euros, uma injeção de capital que lhes permitia dormir descansados, desde que não cometessem grandes loucuras.
Numa altura em que o país vivia numa situação de quase bancarrota, a Madeira oferecia condições únicas para quem pretendia fugir à insegurança salarial que se vivia em muitos clubes nacionais. Na Madeira, os salários praticados pelo Nacional e Marítimo estavam ao nível de outros clubes do continente que se assumiam como candidatos às competições europeias. Num artigo divulgado pelo Correio da Manhã, à altura, aquele diário revelava as principias subvenções publicados no jornal oficial da Região Autónoma da Madeira (RAM), num total de cerca de 7.500.000 euros. – Clube Desportivo Nacional: 2.493.989 euros. – Marítimo da Madeira Futebol, SAD: 2.493.989 euros. – Clube Futebol União, Futebol, SAD: 1.246.995 euros. Quatro anos depois, a realidade mudou drasticamente. Números estes que hoje são metade do valor, e em alguns casos bem mais de metade.