Prolongamento
As redes sociais são uma arma que os jogadores desempregados ainda usam pouco
2017-07-21 20:15:00
A dependência do agente ainda se nota, mas os jogadores sem clube têm outros meios à disposição para arranjarem clube

"Rescindi o contrato que me ligava ao Vicenza até junho de 2018. Atualmente, sou um jogador livre. Estou bem fisicamente, posso jogar a alto nível durante dois anos. Quem me contratar fará um grande negócio, sou um profissional sério e forte”, escreveu recentemente Cristian Zaccardo, campeão do Mundo pela Itália, no LinkedIn, plataforma especializada em apresentar perfis profissionais dos utilizadores. Aos 35 anos, e depois de terminar contrato com o Vicenza, da série B italiana, foi esta a estratégia utilizada pelo jogador italiano para tentar arranjar emprego.

Em Portugal, a estratégia de utilizar as redes sociais para arranjar emprego ou promover carreiras só agora se vai propagando, mas ainda de forma tímida. Uma pesquisa Bancada no Linkedin por 'jogador de futebol', por exemplo, dá 3950 resultados mas não é sinónimo de todo de estar à procura de emprego. E basta alguém ter jogado futebol num clube amador, que aparece na pesquisa.

O Sindicato dos Jogadores de Futebol Profisisonal (SJPF), que este ano vai para a sua 15ª edição do Estágio do Jogador, tem sido a ajuda mais visível a jogadores sem contrato. A taxa de empregabilidade do Estágio do Jogador é de 61%, segundo dados revelados pelo próprio Sindicato. Nas 14 edições anteriores, dos 893 jogadores que participaram, 529 foram colocados. Números que para o presidente do SJPF Joaquim Evangelista "são muito positivos, se comparados com outras atividades".

Atento ao fenómeno das redes sociais como ferramenta de promoção da carreira de um jogador, e que pode ser útil para conseguir-se um contrato profissional, o Sindicato convidou Paulo Rossas para uma aula de formação aos jogadores participantes na 15ª edição do Estágio do Jogador deste ano, sob o tema "Redes Sociais e Promoção do Jogador".

Paulo Rossas, head of social media, e antigo gestor das redes sociais do Benfica entre 2011 e 2013, explicou aos futebolistas sem contrato quais as potencialidades que devem aproveitar. "O paradigma da comunicação está a mudar e o jogador de futebol tem de estar atento. Os clubes recorrem cada vez mais a redes sociais, como o LinkedIn, o Twitter e o Facebook para procurarem jogadores e, por isso, os atletas têm de ter a sua página e contarem a sua história", aconselhou o especialista aos jogadores presentes.

Para que isso ocorra, os atletas devem explorar os pontos fortes das novas tecnologias. "É muito importante fazerem-se notar, dizendo quem são, onde estão e onde querem chegar. As redes sociais são o sítio perfeito para isso e os futebolistas devem utilizá-las para ampliar o seu sucesso". E dá exemplos: "O Pedro Correia, que está no estágio, fez a formação no Benfica e está no desemprego. Se fizermos uma busca no Google, não existe nada sobre ele, a carreira, a vida, a não ser em sites como o zerozero.pt ou o foradejogo.net. Do Silas, não há história dele. Foi um jogador que acabou tarde a carreira, foi comparado ao Totti, mas não há na net uma prova real de quem ele é".

                                       Paulo Rossas explica aos jogadores desempregados a necessidade de se fazerem notar nas redes socias (Foto SJPF)

O próprio Silas, de 40 anos, que é o treinador da equipa do Sindicato, reconhece a importância das redes sociais para a carreira de um jogador ou de um técnico, como ele, que quer seguir essas pisadas. "Os jogadores na sua maioria não tinham muito esse hábito de autopromover a carreira, mas eu também não tinha. Nunca é tarde para aprendermos aquilo que pode servir-nos como uma mais-valia. As redes sociais são ferramentas muito boas que se nós soubermos usar nos podem ser muito úteis, seja em que idade for. Inclusive, já recolhi algumas dicas do Rossas que já estou a usar, e não usava", conta Silas.

O fundamental é os jogadores "contarem a sua história, dizer quem são, darem-se a conhecer. Os jogadores têm de fazer-se notar. Não podem ter medo de o fazer", reforça Paulo Roussas. E volta a dar outro exemplo, pela positiva. "Falo sempre do caso do André Perre, do Famalicão. Ele coloca tudo nas redes sociais. Ele não está à espera. Cria o seu próprio conteúdo".

“Os clubes e os jogadores estão viciados nos empresários, mas acredito que num futuro próximo as contratações passarão a ser feitas pela redes sociais” (Paulo Rossas)

A pouca utilização das redes sociais por parte dos jogadores para promover as carreiras deve-se, segundo Rossas, a uma só razão: "Os clubes e os jogadores estão viciados nos empresários mas acredito que num futuro próximo as contratações comecem a ser feitas com mais frequência pelas redes sociais". E recorda que em França já há uma aplicação parecida com o Tinder, um aplicativo que permite que as pessoas consigam localizar pessoas para possíveis encontros românticos, mas aplicado ao futebol, numa relação entre clubes e jogadores.

Na formação que deu aos jogadores desempregados, Paulo Rossas alertou, no entanto, para os perigos das redes sociais e invocou o caso do jovem Sergi Guardiola Navarro que foi do sonho ao pesadelo em apenas seis horas. Depois de assinar contrato com o Barcelona, para jogar na equipa B, o jogador acabou dispensado. Uma série de comentários pró-Real Madrid e anti-Catalunha, feitos no Twitter, em 2013, foi a razão invocada para a rescisão de contrato prematura.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato, diz que o uso das redes sociais na procura de emprego é "da responsabilidade de cada um, e não temos nada contra. O que nos preocupa é o impacto negativo das redes sociais na vida dos jogadores, daí aconselharmos como devem usar o Facebook ou o Twitter". "Os jogadores têm de perceber a globalidade do futebol atual e estarem familiarizados com as novas tecnologias. É evidente que há riscos associados. A forma como as usamos é que podem colocar em causa uma carreira", acrescenta o líder do Sindicato, lembrando que hoje em dia "tudo o que os jogadores dizem é escrutinado".

O próprio Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) lançou um portal que pretende ser uma plataforma que procura responder ao problema de desemprego promovendo as ofertas de trabalho e colocando em contacto os diversos agentes desportivos. http://portaldojogador.pt/.

Ganhar forma para estar pronto para a chamada

Nesta 15.ª edição do Estágio do Jogador não faltam caras conhecidas, como os médios João Coimbra, formado no Benfica e que entretanto arranjou clube; Celestino, formado na Academia de Alcochete, e Paulo Regula, que despontou no V. Setúbal. E o próprio Silas participou na iniciativa do SJPF para atletas sem contrato em 2015 como jogador. Todos os jogadores têm uma história de vida para contar, mas o objetivo está mais focado para o futuro, para arranjarem um clube. E nada melhor do que encararem a equipa do Sindicato como se de um clube a sério se tratasse e, se não ainda muito ativos nas redes sociais, pelo menos já têm o perfil criado no portal do Sindicato.

É o caso de Pedro Correia, atualmente com 30 anos, lateral direito/esquerdo que foi formado nas escolas do Benfica e passou por clubes como Olhanense, Fátima, Vitória de Guimarães e Académica e jogou em Espanha no Racing Ferrol e em Itália no Crotone.

O jogador tem o seu perfil criado no portal do Sindicato - http://portaldojogador.pt/?pt=jogadores&op=detail&id=pcorreia926 – a que acrescenta ainda vídeos no youtube e dvd’s pessoais, como formas estratégicas de se dar a conhecer. “Mas também tenho amigos a ajudarem-me no passa a palavra”, acrescenta, tendo no entanto uma certeza. “o futebol são momentos, como na vida. Há que encarar esta fase como mais um desafio e encarar o futuro com otimismo”.

“Prefiro treinar na equipa do Sindicato que tem pessoas competentes e preparadas para nos ensinar, e nos fazem sentir como se de um clube a sério fosse, do que treinar sozinho ou com um personal trainer, ou ficar à espera que o telefone toque” (Pedro Correia)

Enaltecendo a utilidade do Estágio do Jogador, pelo facto de "permitir que estejamos em atividade enquanto não conseguimos uma colocação", Pedro Correia explica que preferiu treinar na equipa do Sindicato do que o fazer sozinho ou com um personal trainer, "ou ficar à espera que o telefone toque". Pedro Coreia confessa que o objetivo é "arranjar o mais depressa possível um clube", mas diz que não está obcecado com isso. "Tenho a convicção de que isso vai acontecer. Caso contrário não me levantava todos os dias às sete da manhã para vir treinar".

O defesa de 30 anos agradece a ajuda do Sindicato dos Jogadores. "O trabalho do Sindicato tem sido notável e nós jogadores não podemos ter vergonha de vir treinar aqui. Por vezes, olham para nós como desempregados, como jogadores descartados, mas não é nada disso. Isto funciona como se de uma equipa a sério fosse, uma montra para voltarmos a jogar num clube. Temos de levar isto a sério", resume Pedro Correia o sentimento de todos os jogadores que fazem parte desta 15ª edição do Estágio do Jogador.

"Estou livre. Interessados enviem mensagem"

No mundo novo maravilhoso das redes sociais, há uma empresa portuguesa que criou uma aplicação para ajudar futebolistas desempregados a encontrar uma novo clube, uma espécie de 'Linkedin' do futebol.

'In The Market' (no mercado, em português) é o nome da aplicação que a portuguesa ITSector lançou em 2016 para facilitar o contacto entre atletas desempregados e treinadores. Qualquer jogador, treinador ou olheiro pode criar gratuitamente um perfil, introduzir o currículo, indicando, no caso dos jogadores, a idade, em que posição joga ou que clubes já representou.

Cristovão Morgado, responsável pelo departamento de 'mobile' da empresa, diz que a aplicação está mais virada para os campeonatos secundários, até porque na I Liga "Já está tudo controlado pelos empresários". Por isso, o objetivo é de chegar aos jogadores das divisões distritais "que precisam de se mostrar".

A aplicação conta na atualidade com cerca de sete mil utilizadores, nacionais e internacionais, 90 por cento dos quais ligados ao futebol, que podem conversar entre eles num 'chat' ou publicar mensagens ou vídeos de jogos ou de golos marcados, que depois ficam acessíveis a todos através de um mural de notícias. O 'post' mais comum tem sido: "Estou livre. Procuro clube!"

"Temos até um treinador do Japão a querer vir treinar para a Europa", conta Cristovão Morgado.

 

 Média da taxa de empregabilidade do Estágio do Jogador é de 61%

Apesar deste maravilhoso mundo novo que vai irrompendo na tradição do futebol, o sítio perfeito dos jogadores sem contrato ambicionarem um contrato profissional continua, no entanto, a ser a iniciativa do Sindicato, o Estágio do Jogador, que vai na 15ª edição, e é o projecto com mais visibilidade. A taxa de empregabilidade do Estágio do Jogador é de 61%, segundo dados revelados pelo próprio Sindicato. Nas 14 edições anteriores, dos 893 jogadores que participaram, 529 foram colocados. Números que para o presidente do Sindicato Joaquim Evangelista "são muito positivos, se comparados com outras atividades".

Todos os jogadores podem fazer a sua inscrição no site do Sindicato. A candidatura é depois alvo de análise, sendo dada prioridade aos atletas que tiveram experiências na I e II Ligas. Os selecionados poderão depois colocar a informação que quiserem a respeito deles no site, na área portal do jogador, nomeadamente clubes representados, vídeos e outros dados.

Desde 3 de julho a 31 de agosto, jogadores sem contrato treinam-se no Estádio Nacional, sob a orientação de Silas. Para além de sessões de treino diárias, no Estádio Nacional, existe uma componente formativa, que se iniciou a 17 deste mês. Aulas que abrangem temas tão diversificados como coaching e desenvolvimento pessoal passando pelo curso de prevenção de lesões, scouting, educação financeira, nutrição ou redes sociais e promoção do jogador. "O Sindicato preocupa-se em dar aos jogadores competências desportivas mas também sociais, e por isso temos uma vertente formativa preocupada com a transição de final da carreira", explica Evangelista.

Dos 37 jogadores que começaram, três já arranjaram colocação. Mas há mais a caminho de receberem boas notícias. O médio João Vilela, formado no Benfica, assinou pelo Merelinense, equipa do Campeonato de Portugal, que na última época disputou até à última a subida à II Liga. João Coimbra chegou a acordo com o Trofense, também do Campeonato de PortugalPrio e Pedro Almeida, lateral direito de 24 anos, é reforço do Moura. "A finalidade do estágio é esta. E há outros na iminência de nos deixarem", regozija-se Silas.

Silas regressa ao Estágio do Jogador como treinador

Silas, ex-jogador do Belenenses e do U.Leiria, e que terminou a carreira de futebolista esta época, aos 40 anos, é o treinador do estágio de 2017, na linha de outros técnicos como Pedro Martins, atual treinador do Vitória de Guimarães ou Emílio Peixe, técnico das seleções jovens da Seleção.  O próprio Silas já participou no Estágio do Jogador em 2015 e aceitou de bom grado o convite do Sindicato para ser o treinador desta edição. Até porque ele quer seguir a carreira de técnico.

"Estou aqui para ajudar estes jogadores, mas penso claro seguir a carreira de treinador. Está a ser uma experiência muito boa para mim. Já tinha estado aqui como jogador e fui muito bem acolhido. Aceitei o desafio de ajudar, porque também acho que poderia acrescentar alguma coisa. Mudei um bocadinho o paradigma do que era a maneira de estar aqui e de trabalhar, porque acredito noutras coisas. É uma experiência que nos dá ferramentas importantes para o futuro, até ao nível das formações que temos tido". Silas tem como adjuntos Rebelo e José Pedro. José Carlos, antigo defesa-direito do Benfica é o coordenador do estágio e Pedro Barbosa é o padrinho da edição deste ano.

"É um contexto diferente do que se passa nos clubes. Nunca temos uma base para trabalhar, estão sempre a entrar e sair jogadores, mas é uma experiência muito boa, porque nos obriga a ter uma capacidade de adaptação fora do normal. Mas o objetivo é ajudar os jogadores a estarem num bom nível para poderem ser contratados. Procurámos passar conteúdos e ferramentas que lhes possam servir para o futuro".

Silas não partilha muito a ideia de que o Estágio do Jogador é só para manter a forma. "Comigo têm de jogar para competir a sério e tentar fazer bons resultados nos jogos-treino, pois só dessa forma vão conseguir valorizar-se", afiança.

A equipa do Sindicato já participou no Torneio FIFPro, que se realizou em Kunice, na República Checa. Perdeu com o sindicato checo por 3-0 e com o sindicato espanhol (AFE) por 3-1, mas o resultado é o menos importante. O jogo foi observado por vários olheiros internacionais, que retiraram notas durante os encontros e receberam os currículos dos jogadores portugueses sem contrato que se encontram no Estágio.