O International Football Association Board (IFAB), responsável pelas regras do futebol, propôs recentemente seis medidas novas para uma verdadeira revolução nas leis do jogo. A ideia é, segundo a FIFA, tornar o jogo mais justo e atrativo para os adeptos, mais fluído e com mais golos. Ideias polémicas e que não recolhem a adesão do painel que Bancada reuniu para um debate sobre as mudanças propostas. É a essência do futebol que pode estar em causa, defendem. Uma revolução que traria uma visão radicalmente diferente daquilo que é o jogo como o conhecemos atualmente. A raiz do jogo estaria colocada em causa, dizem.
A alteração mais radical passa pela possibilidade de reduzir o tempo de jogo de 90 minutos para 60 úteis, com paragens do cronómetro sempre que existirem interrupções. Outra alteração marcante proposta pelo International Board passa pela atribuição de golo sempre que a bola for desviada indevidamente com a mão sobre a linha de baliza, em vez de penálti, como acontece atualmente. O organismo que gere as leis do jogo coloca ainda a hipótese de autorizar que os jogadores possam passar a bola a eles próprios na marcação de pontapés de canto ou de livre. Penalizar com a marcação de penálti o guarda-redes que toque com a mão uma bola após um passe deliberado de um companheiro de equipa também está entre as propostas do IFAB.
Paulo Alves, treinador do União da Madeira, Fernando Alexandre, jogador do Moreirense, e Pinto Correia, antigo árbitro internacional e membro do painel de especialistas do Casos.pt, estão de acordo: são medidas arrojadas que podem colocar em causa a essência do jogo, mostrando-se mais adeptos das recentes alterações a serem já testadas, como a introdução do vídeoárbitro, a quarta substituição permitida apenas no prolongamento e um novo sistema no desempate por penáltis.
Mas vamos ao Debate Bancada:
- Alteração no tempo de jogo, passando de 45’ + 45’ para 30’ +30’. Em vez dos atuais 45 minutos por cada parte do jogo, seriam contabilizados apenas 30 minutos, mas de tempo útil. Ou seja, o cronómetro estaria parado em cada interrupção do jogo, como bolas fora, faltas ou golos, à semelhança do que acontece noutras modalidades, como o basquetebol ou o hóquei em patins, por exemplo.
- Fim ao tempo de compensação. Se a primeira medida for aprovada, deverá terminar o tempo de compensação. Assim que terminar o tempo cronometrado, o árbitro dará por terminada a partida à primeira interrupção no jogo, ou seja, quando houver uma falta, a bola sair de campo ou, eventualmente, um golo.
Para o treinador Paulo Alves, a redução do tempo de jogo útil acabaria por ter muita influência na maneira como os treinadores teriam de abordar o jogo, sobretudo a nível físico e psicológico, mas também tático. Para o técnico do União da Madeira, a ideia faz sentido como uma tentativa, em teoria, de terminar com o antijogo, mas propõe antes outra alteração para minimizar um dos flagelos do futebol atual. “O guarda-redes, à segunda entrada da equipa médica, teria de ser substituído, porque, reconheça-se, a maioria das lesões são simuladas. Isto numa fase inicial, porque à posteriori até poderia ser qualquer jogador substituído, ou mesmo ser expulso, por simular a lesão”. O antigo árbitro internacional Pinto Correia concorda em teoria com Paulo Alves, mas acrescenta que na prática tem dúvidas que esta seja uma boa medida. “Ela esconde um problema real. Os árbitros não estão a dar o tempo de compensação devido. E se vão parar o cronómetro como no futsal, por cada falta ou bola fora, a que horas acabará um jogo? E as transmissões televisivas, o que aconteceria?”, questiona-se Pinto Correia que alerta que uma partida com 60 minutos de tempo útil pode prolongar-se por mais de duas horas. O jogador Fernando Alexandre é taxativo: “Isso vai originar uma grande confusão e desvirtua o que é a essência do futebol. Vai haver sempre lesões, paragens. Pode-se controlar isso, dando o devido tempo de compensação dentro dos 45’+45’.” “O tempo de compensação para o público tem sempre um grau de incerteza, a possibilidade de uma equipa ainda recuperar de um resultado adverso”, acrescenta Paulo Alves.
- Evitar golo com a mão passa a ser golo em vez de penálti. Caso um defesa evitasse um golo ao cortar a bola com a mão em cima da linha de baliza, o árbitro daria de imediato golo em vez de marcar penálti.
Todos os participantes neste debate Bancada estão de acordo. Esta é uma ideia que desvirtua a essência do futebol. “Golo é golo”, diz Paulo Alves, acrescentando: “para ser golo a bola tem de entrar na baliza na totalidade. Estar a falar de uma situação em que não entra é subverter a raiz do jogo”. “Uma ideia estranha”, assevera Fernando Alexandre. “Se a bola não entra, não percebo porque terá de ser golo, não tem lógica”. Pinto Correia corrobora: “o penálti faz parte da essência do futebol, e neste caso a lei atual é a mais correta: o jogador tem de ser expulso e tem de ser assinalado penálti".
- Penálti por atraso ilegal ao guarda-redes. Atualmente os atrasos ilegais ao guarda-redes são penalizados com livres indiretos. Nas novas regras, passariam a ser punidos com penáltis.
Pinto Correia não concorda e diz que estão a querer “banalizar” os penáltis, preferindo a punição de um livre indireto sobre o limite da linha da área de grande penalidade. “Se um atraso é penálti, então uma falta agressiva dentro da área são dois penáltis”, ironiza. Para Paulo Alves estas propostas da FIFA visam querer que o futebol seja “algo ofensivo”, “mas estão a esquecer-se da função dos guarda-redes e dos defesas que também são muito importantes no futebol”. Segundo o técnico do União da Madeira, “o livre indireto faz mais sentido” neste caso. Fernando Alexandre discorda dos parceiros de debate. “Até tem mais lógica. No presente, a lei beneficia o infrator ao ser assinalado um livre indireto que não é tão perigoso quanto um penálti”.
- Bola corrida nas faltas. Para a marcação de uma falta a bola deixaria de ter de estar parada.
“É muito giro, mas no campo ia dar uma grande ‘bagunçada’”, assevera Pinto Correia que diz que “o livre deve ser marcado com a bola parada”. Paulo Alves fala em “medida muito arrojada” que “iria tornar o futebol bastante confuso”. “As bolas paradas são fundamentais nos tempos que correm, trabalha-se muito essa vertente, e isso seria acabar com anos e anos de estudo. Não faz sentido”. Uma vez mais, Fernando Alexandre é de opinião contrária, e até acha positiva a ideia. “Talvez beneficiasse a equipa que atacasse e tornasse o futebol mais espetacular”, já que poderia aumentar a velocidade com que as faltas seriam marcadas e aumentava o efeito surpresa, admitindo, porém, que seria “uma situação estranha ao princípio”.
- Mudança na marcação das faltas ou cantos, com os jogadores a poderem seguir de imediato com a bola. Um jogador poderá sair a jogar numa marcação de faltas ou cantos. Acabaria a necessidade de passar a bola a um companheiro da equipa.
Pinto Correia defende a manutenção da atual regra e acha absurdo que esta ideia possa vingar. “Não se pode mudar a beleza do futebol. Há golos de bola parada que são espetaculares e dão cor ao futebol. Não podemos fazer do futebol um jogo de Speedy Gonzales”. Paulo Alves e Fernando Alexandre também não percebem esta medida. “Seria algo que alteraria muito o futebol, demasiado arrojado. Em última análise, tem de ser testado num campeonato ou no torneio juvenil. Mas tenho muitas dúvidas sobre a sua operacionalidade”, afirma Paulo Alves. “No futebol de hoje, as bolas paradas são de uma importância fulcral e isso iria mudar tudo. É muito arriscado”, assevera Fernando Alexandre.
Com algumas ideias a serem testadas atualmente, com o vídeoárbitro à cabeça, as quatro substituições e um novo sistema no desempate por penáltis, o nosso painel aprova as medidas, sem no entanto apontar alguns reparos, sobretudo ao vídeo-árbitro.
A maior justiça que o vídeoárbitro traz ao jogo é o suficiente para que os três participantes no debate Bancada estejam de acordo com a introdução da nova tecnologia no futebol. “Desde que não traga muitas paragens ao jogo, concordo. Há tanta discussão à volta de lances, que o vídeoárbitro pode acabar com esse ruído todo”, afirma Paulo Alves. “É importante para situações que podem originar grandes injustiças para uma das equipas. Ainda agora, no Europeu de sub-21, o vídeo-árbitro deveria ter intervedido após a expulsão caricata do Diogo Jota", considera Pinto Correia. “Só é usado de vez em quando. Ainda há muita confusão. Mas concordo com a sua introdução. Vem corrigir algumas injustiças”, defende Fernando Alexandre.
A introdução da quarta substituição, apenas no prolongamento, merece aprovação consensual. “Há jogadores que chegam a um prolongamento esgotados fisicamente, podem surgir lesões” e isso permite ao treinador “apresentar outras opções”, defende Paulo Alves.
Por fim, o novo sistema de desempate por penáltis, em que uma equipa marca sempre dois consecutivos, à exceção do primeiro, é do agrado de Pinto Correia. “Dá-se vantagem às duas equipas, que ficam assim em plano de igualdade nos penáltis”. Paulo Alves e Fernando Alexandre estão de acordo, por princípio, mas preferem "vê-lo testado mais vezes”.