Prolongamento
Abílio e João Novais. De pai para filho. A arte de saber marcar livres
2017-12-12 20:30:00
"Até é parecido comigo a rematar, mas bate com mais força", refere o antigo médio de FC Porto, Belenenses e Leixões

Abílio e João Novais. Pai e filho. Duas gerações bem distintas, o mesmo talento para marcar livres diretos. Será esta uma virtude inata ou decorre do treino, da aprendizagem? O Bancada foi à procura da resposta. "Posso sugerir algumas coisas, mas não lhe ensinei nada. Isso nasce com o jogador e depois tem de ser aperfeiçoado nos treinos, mas sem exageros", refere o antigo centro campista de FC Porto, Leixões e Salgueiros, entre outros, definindo a forma como o filho marca os lances de bola parada nas imediações da grande área. "Até é parecido comigo a rematar, mas bate com mais força. O João sabe bater com a parte interior do pé, mais em jeito, mas também com o peito do pé, um pouco mais distante da grande área. Eu marcava mais com a parte interior do pé  mas de vez em quando enganava-me (risos) e batia com mais força. Ainda marquei alguns golos assim. O Constantino costuma dizer em jeito de brincadeira que antes do Cristiano Ronaldo o fazer já eu batia livres em força."

Foram vários os jogos que Abilio, atual treinador do Sport Clube de Canidelo, da Divisão de Honra da Associação de Futebol do Porto, decidiu desta forma, pelo que é com orgulho reforçado que o ex-médio, que por vezes jogou adaptado ao lado direito da defesa, vê o filho ter sucesso como sucedeu no Rio Ave-Moreirense da última jornada em que decidiu o jogo ao minuto 89. "É um orgulho muito grande vê-lo despontar ao mais alto nível. Não estou surpreendido, porque tem valor e seria apenas uma questão de oportunidade. O Miguel Cardoso tem-lhe dado confiança e isso facilita o trabalho. Agora, o importante é ter humildade, ter os pés bem assentes no chão."

Confiança é palavra chave na família. Foi precisamente o que João sentiu nos segundos que antecederam a marcação do livre. "Senti confiança nas minhas capacidades", afirma o jovem médio, de 24 anos, destacando a importância do feito para o coletivo liderado por Miguel Cardoso. "O mais importante foi ter alcançado um triunfo que este grupo já merecia". Os dois golos de João Novais valeram o sexto lugar da classificação geral da Liga, a par do Vitória de Guimarães, a cinco do "europeu" SC Braga.

Será o golo de livre apontado ao Moreirense o mais belo da carreira de João Novais? O pai diz que não. E lembra o remate certeiro mais bonito do filho. Com uma história curiosa pelo meio. "Eu estava a treinar os juniores do Boavista e na altura ele era júnior do Leixões e jogámos um contra o outro. A minha equipa estava a ganhar por 4-2 e o João marcou dois livres e empatou o jogo a quatro golos. Nesse jogo, ele marcou três dos quatro golos do Leixões, o últimos dos quais através de um livre espetacular apontado aos 90+3 através de um remate fortíssimo. No final, disse-lhe: "Hoje, não jantas em casa."

Golos bonitos também não faltaram na carreira de Abílio, que marcava com frequência na conversão de livres diretos. E foi precisamente desse modo que fez os dois golos mais bonitos da carreira, os dois golos que elege sem muita dificuldade. "Lembro-me de um no Estádio da Luz, era o Neno o guarda-redes do Benfica. O Salgueiros empatou através de um golo meu, que garantiu a continuidade na primeira divisão. Foi um golo de que gostei muito, do lado direito, na parte lateral da grande área. Mas o mais bonito foi o que marquei em Campo Maior ao Estrela da Amadora, na época treinado pelo selecionador nacional, Fernando Santos. Já aos 90 minutos, em vez de cruzar, como pedia o Carlos Manuel que era o meu treinador na altura, optei por rematar direto e a bola entrou. Ganhámos por 2-1."

Agora é tempo de Taça de Portugal para João Novais e o adversário chama-se Benfica. "Espero que o Rio Ave efetue um grande jogo e consiga vencer", afirma Abílio, fazendo votos de "mais um grande momento" para o filho. "É um jogo difícil para as duas equipas. Tanto é difícil para o Rio Ave como para o Benfica, pois o Rio Ave está a praticar um excelente futebol."

E como é que o pai define o filho como futebolista? "O João é bom em termos técnicos, tem qualidade de passe e uma excelente visão de jogo. Não é muito de fintas, mas decide rápido e quando recebe a bola já sabe o que vai fazer a seguir. Tanto pode jogar a 6 como a 8", sustenta.

Abílio António Gomes Novais, atualmente com 50 anos, teve uma vasta carreira, do FC Porto ao Leixões, passando por Belenenses, Campomaiorense e Salgueiros, mas é uma referência incontornável da história leixonense. Participou na campanha que conduziu o clube à 1.ª Divisão, em 1987/88, jogou no escalão principal, então como defesa direito, tendo depois rumado ao F. C. Porto, em 1989/90. No verão de 2001, quando jogava no Aves, aceitou o desafio de voltar ao Leixões. Já a médio, brilhou novamente, participando no histórico percurso do clube rumo à final da Taça de Portugal. Esteve depois na Supertaça e na Taça UEFA. Antes do meio da época de 2002/03, a convite do então presidente José Manuel Teixeira, abandonou a carreira de treinador e substituiu Carlos Carvalhal no comando da equipa leixonense.

 

"O dom", segundo André Cruz

André Cruz, um dos maiores especalistas na marcação de livre diretos que passaram por Portugal, sublinha que para se bater bem livres diretos é preciso ter esse dom e trabalhar. Trabalhar muito. "Tendo essa apetência, se se treinar todos os dias a marcação, as coisas acabam por sair naturalmente. É preciso é trabalhar muito, pois assim certamente que o jogador tem condições para fazer mais golos", afirma, reforçando: "Em 1989 fiz um golo muito lindo pela seleção do Brasil frente à Itália na vitória por 1-0 e as pessoas ainda hoje me perguntam: como se faz, como se marca um golo daqueles? E é como digo: além do dom natural é preciso trabalhar muito. O Rogério Ceni, guarda-redes que marcou muitos golos de livres, é a prova disso mesmo, da importância do treino, da tentativa de aperfeiçoar sempre, de tentar fazer sempre melhor."

Os melhores em Portugal

No campeonato português, Yacine Brahimi, do FC Porto (ver vídeo em baixo), surge à cabeça dos mais eficazes na marcação de livres diretos. Portugal vive no entanto uma razia de especialistas, com raras exceções. No Benfica, há Jonas, que converte em golo oito por cento dos disparos que faz de fora da área na conversaõ de livres diretos, enquanto o Sporting "descobriu" Mathieu, que marcou desta forma ao CD Tondela, relevando uma boa percentagem de eficácia: um golo em quatro tentativas.

Os melhores a nível internacional

A nível internacional, os astros maiores do futebol mundial, Cristiano Ronaldo (ver vídeo em baixo) e Lionel Messi, até neste particular fazem a diferença. Mas há outros nomes como Pjanic, Hulk, Bale, Willian, Çalhanoglu, Erikssen, James, Rooney e Di Natale, que marcam com regularidade e têm aproveitamento acima da média através deste recurso.

O futebol mundial perdeu, no entanto, três grandes especialistas num passado recente. Estamos a falar de Steven Gerrard, Andrea Pirlo e Xabi Alonso, três "monstros" neste tipo de ação.