Prolongamento
A febre nada efémera dos Podcasts: uma nova forma de ouvir e discutir o futebol
2018-03-29 21:30:00
Os podcasts futebolísticos massificaram-se nos últimos meses preenchendo uma falha que estava ainda em aberto.

Em Portugal há uma nova forma de ouvir e discutir futebol. Bom, naturalmente não é exclusivo de Portugal, mas o nosso país acompanha a tendência mundial recente e cada vez mais os podcasts são os melhores amigos de todos aqueles que procuram uma visão alternativa e cada vez mais independente na análise ao fenómeno futebolístico. Com a massificação das novas tecnologias e uma cada vez mais fácil criação e difusão, os podcasts são cada vez mais um fenómeno da comunicação e do jornalismo independente. No que ao futebol diz respeito, Portugal atravessa neste momento um período dourado no que a podcasts diz respeito. Há para todos os gostos. Mais ou menos independentes. Mais ou menos ligados a clubes em particular. Eis a febre do podcast. 

Nascido há praticamente quinze anos, o fenómeno do podcast atingiu um estatuto de fenómeno de popularidade, especialmente, nos últimos meses. Principalmente, os podcasts dedicados a discutir e difundir informação futebolística. Em Portugal em especial, desde 2016 que o fenómeno dos podcasts se tornou parte integral do dia a dia de uma larga e significativa parte da audiência e procura da informação desportiva. Se as grandes empresas de comunicação foram transformando os seus programas de rádio, especialmente, cada vez mais em podcasts para garantir oferta ao nível do “on demand” e não somente para o público “live”, nos últimos meses assistiu-se em Portugal a uma criação quase massificada de podcasts independentes ligados ao futebol. Do futebol nacional ao internacional, abordando diferentes ângulos de informação, à discussão focada somente em determinados clubes, há podcasts para todos os gostos nos tempos que correm em Portugal. Um deles chama-se Linha Lateral e foi criado por Luís Cristóvão, comentador regular da MLS na Eurosport Portugal, e por Tiago Estêvão, analista português em vários órgãos de comunicação internacionais. 

“Por ser um ávido consumidor de podcasts sobre futebol, já há algum tempo que tinha esse projeto de criar um programa em português. Na época passada tinha feito alguns testes, com gravação à distância, e com o chegar da nova temporada pareceu-me que era altura de avançar com um podcast que pudesse preencher as seguintes necessidades: que se falasse de futebol sem entrar pelas questões que não tivessem que ver com o jogo, que fosse gravado com os participantes olhos nos olhos, que tanto pudesse incluir temas do futebol nacional, como do internacional. Tendo a sorte de ter o Tiago Estêvão por perto (ambos vivemos no Concelho de Torres Vedras), lancei-lhe o convite e logo ao primeiro teste começámos a encontrar o caminho para o tom da conversa, descontraída e informada. De resto, trouxe das minhas experiências anteriores o conhecimento e o equipamento que podia utilizar para gravar e tem sido um processo de aprendizagem muito completo: ver o jogo de maneira a estar preparado para falar sobre ele, entender formas de melhorar tecnicamente o programa, trabalhar bastante na divulgação do mesmo, quer em Portugal, quer no Brasil, onde também somos muito ouvidos”, explica ao Bancada Luís Cristóvão. 

Nascido em agosto de 2017, rapidamente o podcast Linha Lateral se tornou numa referência do podcasting futebolístico em Portugal. O episódio mais recente do podcast de Luís Critóvão e Tiago Estêvão alcançou o quinto lugar semanal dos podcasts desportivos na plataforma iTunes, sendo o podcast independente mais bem colocado no ranking já que apenas é superado pelo podcast da TSF, Jogo Jogado, liderado por Mário Fernando, João Rosado e Luís Freitas Lobo e pelo Football Weekly do britânico The Guardian. No top geral dos podcasts desportivos do iTunes, no que aos podcasts portugueses diz respeito, o Linha Lateral apenas perde para o Jogo Jogado da TSF, para o Grandes Adeptos da Antena 1, para o Sporting160 e para o Entrelinhas, também da TSF, comandado por João Ricardo Pateiro. Ou seja, os podcasts independentes como o Linha Lateral e o Sporting160 são cada vez mais populares ao ponto de rivalizarem com podcasts de órgãos de comunicação bem estabelecidos no mercado. Superam mesmo nomes como o Planisférico ou o Jogo Limpo do Jornal Público. 

“O que projetos como o podcast Linha Lateral demonstram é que existe um público para um conteúdo mais exigente. Não é preciso ir pelo mais fácil e básico, teres opinião bem informada é uma necessidade. Nós oferecemos isso. Da mesma forma que vários outros projetos independentes, mais focados na atualidade dos clubes, demonstram que mesmo aí se pode fazer coisas com muita qualidade e de maneira bastante mais respirável”, diz-nos Luís Cristóvão que não acredita que esta seja uma febre momentânea e que acabe por perder fulgor daqui a pouco tempo. Para o comentador da Eurosport, o fenómeno do podcasting veio suprimir uma falha deixada em aberto pela evolução natural da rádio em Portugal, algo que não sucedeu no mercado britânico, por exemplo, onde rádios como a BBC Radio 5 ou o Talksport continuam a manter uma audiência fiel e os próprios podcasts que dessas rádios surgem são alguns dos mais populares do universo podcast. 

Começámos sem grandes expetativas, mais a querer mostrar aquilo que nós sabíamos ser capazes de fazer e é muito bom continuar a receber feedback de muita gente que nos ouve, que se interessa e que participa 

“Não creio que seja momentâneo, pelo mundo inteiro existem muitos podcasts, o que, para mim, dá resposta sobretudo a algo que deixou de existir em Portugal, por exemplo, que é a rádio falada. Praticamente não há conversas de conversa na rádio. Logo, através de um app, podes criar a tua própria rádio, escolhendo os podcasts que preferes e a música que preferes. Em termos de mercado, é uma oportunidade grande que está em aberto. Se olhares para o panorama noutros países, o mercado dos podcasts já foi agregado aos grandes meios de comunicação, são as grandes empresas de média que possuem também os seus podcasts. Em Portugal, ainda estamos no momento dos projetos independentes. Continuam a aparecer novos projetos, o que acho que é salutar, porque criam também uma rede interessante de partilha de conhecimento”, acrescenta ainda Luís Cristóvão. 

O criador do podcast Linha Lateral explica-nos também o que foi necessário para colocar o podcast no ar. É mais fácil do que à primeira vista pode parecer. “Fazemo-lo com os meios mínimos. Um microfone de alguma qualidade, um programa grátis de gravação e edição de áudio, uma plataforma de distribuição do feed pela generalidade das apps disponíveis. De resto, tem sido também uma aprendizagem para aprender a misturar melhor os sons, a ter uma qualidade um pouco superior, a perceber quais as melhores formas para o gravar e para o distribuir. Mas mantemos o ambiente ‘low-fi’, não negamos que gravamos o episódio em casa (ou em espaços públicos), não abdicamos de estar à vontade para demonstrar que é uma conversa entre duas pessoas que percebem do assunto. Um dia, poderemos evoluir para um formato com melhores condições a todos os níveis, mas, para isso, vamos precisar que alguém acredite em nós para dar esse salto”. 

Mesmo o processo criativo e linha editorial do projeto foi fácil de estabelecer: “Temos desde o início alguns temas em carteira que queremos trazer para o podcast. Queríamos ter alguns programas sobre análise do jogo, sobre estatística, por exemplo. E vamos conseguindo fazê-los e ter, até, muito interesse do nosso público (o que foi uma surpresa). Por outro lado, aproveitámos algumas oportunidades, como fazer uma semana especial da MLS, em Outubro passado, com o apoio à divulgação do Eurosport, ou puxando de temas de atualidade nas equipas que nos interessam mais. Tentamos manter o futebol nacional presente, pelo menos num programa a cada três, e depois vaguear pelas coisas que gostamos. Os chamados episódios intemporais, como este último sobre a criação de uma ‘biblioteca de livros sobre futebol’ demonstram que, para além de analisar o jogo, estamos sempre a tentar alargar o nosso conhecimento”, assegura-nos Luís Cristóvão. 

O nosso foco é a conversa apaixonada sobre o futebol, não há muita ciência - até porque não somos especialistas, um de nós é formado Ciência Política e atualmente trabalha no sector dos transportes, o outro é sociólogo e está a elaborar o doutoramento 

Quem alinha pelo mesmo diapasão de Luís Cristóvão são os criadores do podcast Matraquilhos, um dos mais recentes a ser criado em Portugal. Tanto Pedro Fragoso, como Pedro Barbosa, acreditam que esta não é uma febre passageira ou efémera. É, acima de tudo, o preencher de uma falha deixada em aberto pelos media tradicionais. “Ambos achamos q não se trata de uma febre. Achamos que dificilmente será um fenómeno de massas, principalmente em Portugal, mas tem todas as condições para ser tendência nos próximos anos. Dito isto, também não achamos que haja apenas essa necessidade de sair dos media tradicionais. É certo que em Portugal discute-se muito mal o futebol, não é à toa que escolhemos para nome de programa ‘tudo menos arbitragem’, é uma provocação. Agora, há ainda muito bom jornalismo desportivo em Portugal e nós sabemos onde está e os nossos ouvintes (ou pessoas q correspondem ao perfil que achamos de nossos ouvintes) também o sabem. Dito isto, não temos a falsa modéstia q não achar o nosso programa mais interessante para um adepto de futebol do que aqueles variadíssimos programas de TV que só discutem foras de jogo e frames. Ali não se discute o jogo, nem a nível tático, nem emocional, nem histórico, zero”. 

Pedro Fragoso e Pedro Barbosa explicam ao Bancada que a criação do Matraquilhos não exigiu propriamente um grande investimento técnico. Só um jingle apropriado, claro está. “Um microfone, inserir o som numa plataforma para podcast e criar o genérico/single de abertura, criação do Pedro Barbosa”, e voilá. Foi tudo o que foi preciso, dizem-nos. 

“O Matraquilhos surgiu da maneira mais simples possível: somos dois amigos que sempre que estavam juntos falavam quase exclusivamente de futebol. E sobre vários aspetos: Táticos, históricos, políticos, etc. Acontece que ambos somos ouvintes assíduos de vários podcasts, nacionais e internacionais, de futebol, desporto ou sobre outros temas, como política, história ou viagens. Portanto, fizemos a questão um ao outro: e se criássemos um podcast onde podemos debitar os nossos sentimentos em relação a este fenómeno de uma forma mais estruturada? Aqui entramos nos desafios. Obviamente que nas nossas conversas pré-podcast o sumo da conversa era pouco, porque vagueávamos muito, um assunto puxava outro, que puxava outro... e a certa altura estávamos a falar do Boca Juniors quando o tema inicial tinha sido a luta pela subida no Campeonato de Portugal, zona norte. O podcast obriga-nos a ser mais disciplinados. E nós gostamos desta disciplina. Mas não pretendemos impor dogmas. Nós, por exemplo, não abordamos muito a vertente tática, que é algo que nos media não vemos muito e que há em diversas redes sociais quem o faça de forma belíssima em Portugal. O nosso foco é a conversa apaixonada sobre o futebol, não há muita ciência - até porque não somos especialistas, um de nós é formado Ciência Política e atualmente trabalha no sector dos transportes (Pedro Fragoso); o Pedro Barbosa é sociólogo e está a elaborar o doutoramento”, explicam-nos. 

Os criadores do Matraquilhos vão ainda mais longe e partilham com o Bancada o porquê de teres estruturado o podcast da forma como o fizeram: “Decidimos criar 3 programas diferentes por uma razão simples: as nossas conversas iam bater sempre a três sectores. Atualidade, memória e mundiais. Por isso, e em vez de em todos os programas termos um espaço dedicado a um destes 3 segmentos, decidimos criar 3 programas. Achámos que os programas daquela forma seriam muito extensos e algo confusos. Assim temos programas mais curtos e os ouvintes sabem ao que vão quando descarregam o programa. Sabemos que perde o efeito surpresa mas foi uma opção. A nível de planeamento, o programa ‘Matrioskas’ é o único pensado a médio prazo porque tem um objetivo temporal bem definido. Os outros são criados de semana para semana - o de atualidade, ‘Tudo menos arbitragem’, vive do momento, apesar de querermos fugir um pouco às discussões que estão muito gastas noutros sítios e trazer coisas diferentes. O ‘Baú’ é também algo que nos vai surgindo espontaneamente, não tem um rumo definido. Poderemos, no futuro, ter programas mais estruturados, como falar sobre política e futebol, que são dois temas que nos dizem muito”. 

O Linha Lateral e o Matraquilhos são dois dos podcasts independentes nacionais que vão trilhando o seu caminho numa cada vez maior oferta de podcasta futebolísticos em Portugal. Uma oferta que dá para todos os gostos. Os portistas têm ‘A Culpa é do Cavani’, os sportinguistas têm o ‘Sporting160’, os benfiquistas têm o ‘Conversas à Benfica’ ou o ‘Benfica FM’ e principalmente a nível generalista não falta oferta. Além do Linha Lateral e do Matraquilhos, podcasts como o Jogo Jogado, o Jogo Limpo, o Planisférico, o Entrelinhas, o Grandes Adeptos, o Linha de Passe, o No Mundo dos que são grandes e o Nas Orelhas da Bola, bem como o podcast da RealFevr começam já a fazer parte do dia a dia de muitos ouvintes e nem podcasts em inglês sobre futebol português, como o 'Benfica Podcast' - um dos mais antigos em sobre futebol português, existindo há seis anos -, o 'Portugoal' ou o '3Tugas' faltam. Lá por fora, a oferta é ainda mais extensa e no mercado de língua inglesa, espanhola ou do português do Brasil, não falta escolha ao ouvinte. Mesmo que o enfoque pretendido sejam as divisões secundárias de Inglaterra ou o futebol mexicano - culpado, admito. 

A febre do Podcast chegou, por isso, para ficar e dificilmente alguém acredita tratar-se de uma questão puramente momentânea. Preencheu-se um nicho de mercado que estava em falta e encontrou-se uma forma diferente de analisar o fenómeno futebolístico à boleia das facilidades permitidas pelas novas tecnologias. Se ainda não apanhou a febre do Podcast, pode estar para breve.