A terceira eliminatória da Taça de Portugal, a disputar-se na próxima semana, está a ser marcada pelas visitas dos três grandes a clubes de menor expressão do interior do país e por toda a logística que estas deslocações acarretam. Em Oleiros corre-se contra o tempo para que seja possível a receção ao Sporting e o presidente da ARC Oleiros, Miguel Martins, desabafou com o Bancada: “Sinto-me um pouco magoado com as exigências do Sporting. Mas estamos a fazer um esforço enorme para que tudo corra bem e para que consigamos transformar o dia do jogo como um dia histórico para o Concelho de Oleiros.”
Aquilo que deveria ser a festa da Taça transforma-se numa corrida contra o tempo para que estes pequenos clubes de parcos recursos possam cumprir com as exigências do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e realizar o sonho dos habitantes em ver de perto as grandes equipas do futebol português. Depois dos ditames do sorteio as vistorias ao Campo Municipal de Oleiros encontraram alguns problemas que terão de estar resolvidos até sexta-feira, caso contrário o jogo será em Coimbra.
Quando, no sorteio, o Sporting calhou em sorte à Associação Recreativa Cultural de Oleiros, a disputar a série C do Campeonato de Portugal, Miguel Martins foi invadido “por um misto de sentimentos”. Primeiro sentiu “um enorme contentamento”, mas logo de imediato esse estado deu lugar a um sentimento de “enorme responsabilidade por tudo o que obriga receber o Sporting Clube de Portugal em Oleiros”. Agora, o presidente da ARCO - é assim que o clube é conhecido na região -, apela à sensibilidade de todos os envolvidos:
“As pessoas têm de ter um pouco de sensibilidade, e julgo que tem faltado alguma nesta situação. Estamos no interior do país. O Sporting não vem ao distrito de Castelo Branco há muitos anos, há aqui muitos sportinguistas, isto seria um prémio para muita gente, para o concelho e para esta gente do interior. Como o próprio nome indica o Sporting não é só de Lisboa, é o Sporting Clube de Portugal e nós temos aqui muitos sportinguistas que fazem grandes esforços para ir ver o Sporting a Alvalade.”
Um dos obstáculos apontados pelos responsáveis do Sporting encontra fundamento no piso do Estádio Municipal de Oleiros. Um relvado sintético que preocupa os dirigentes leoninos tendo em conta os riscos que poderão correr os atletas em véspera de uma partida para a Liga dos Campeões, em Turim, frente à Juventus. Preocupação que Miguel Martins rebate com a falta de manifestação pública por parte do Sporting em relação ao relvado sintético onde os jogadores que estão ao serviço da Seleção Nacional vão defrontar a Andorra.
Colocação do relvado sintético no Estádio Municipal de Oleiros
No mesmo comprimento de onda está Natan Costa, treinador da ARC Oleiros, que apela ao bom senso dos envolvidos e alerta para o “significado social que ultrapassa aquilo que é apenas um jogo de futebol” e lembra que Jorge Jesus, tendo ele jogado no Benfica de Castelo Branco e no Juventude de Évora, possa também se sensibilizar para a importância que este tipo de acontecimentos tem nas regiões do interior. O líder técnico da ARCO vai mais longe: “O próprio presidente do Sporting, antes de ser presidente dirigia uma fundação de solidariedade social e que entenda a importância que isto pode ter em termos sociais.”
Para o treinador Natan Costa, residente em Proença-a-Nova, a realização do encontro em Oleiros é também uma forma de “colocar” no mapa a zona interior do país que muitas vezes se sente “desprotegida e abandonada”, não só pelos movimentos naturais das pessoas que procuram mais e diferentes oportunidades noutras zonas do país, “mas também devido aos incêndios que mais uma vez devastaram a região.” A proximidade com os acontecimentos de Pedrogão Grande é muita e são eventos desta natureza (jogo de futebol) que podem, de alguma forma, alegrar um povo abatido.
As ideias da FPF esbarram no IPDJ
A Federação Portuguesa de Futebol condiciona o sorteio para que os clubes da Primeira Liga tenham de visitar os clubes de menor expressão. A ideia seria promover a deslocação das equipas mais mediáticas a locais do país onde normalmente o futebol de primeira linha não costuma chegar. Esta ideia esbarra, no entanto, nos regulamentos do IPDJ sobretudo nas questões relacionadas com a segurança de todos os intervenientes, o que torna, segundo Miguel Martins, “tecnicamente impossível criar todas as condições exigidas para receber os clubes da Primeira Liga.”
Com a vistoria decisiva marcada para sexta-feira, o presidente da ARCO está “otimista” quanto à realização do encontro em Oleiros, uma vez que, “tanto o clube como a Câmara Municipal de Oleiros não se têm poupado a esforços desde a última vistoria” no sentido da receção ao Sporting vir a ser uma realidade. Caso contrário o jogo realizar-se-á no Estádio Cidade de Coimbra, o que até poderia ser mais vantajoso, economicamente falando.
“Poderíamos muito bem ter ido para o Estádio Cidade de Coimbra, iam talvez 10 mil pessoas, 15 mil, 20 mil, sei lá. E não tínhamos este trabalho todo. Nem nós nem a Câmara que tem feito um esforço enorme. Além de ainda podermos garantir um lucro, caso o jogo fosse em Coimbra, que nos salvaguardasse o resto da época e até talvez nos reforçássemos tendo em vista a permanência no Campeonato de Portugal”, explicou Miguel Martins.
É na luta pela permanência do Campeonato de Portugal que se encontra a realidade desta modesta agremiação do distrito de Castelo Branco que está há apenas dois anos nos campeonatos nacionais e nunca antes o clube tinha sequer marcado um golo na Taça de Portugal quanto mais pensar em chegar à terceira eliminatória da competição e poder defrontar um dos grandes clubes do futebol luso.
Para Natan Costa tudo o que está a acontecer é o consumar do desejo máximo de um clube como a ARCO quando o tema é a Taça de Portugal: “a mensagem de motivação que é passada aos jogadores na primeira e segunda eliminatórias da Taça é esta mesma. A possibilidade de ter o nosso nome numa bolinha dentro da tombola e depois ter a pontinha de sorte de poder defrontar uma equipa grande.” E foi mesmo isso que aconteceu. Mas antes disso há outro enorme desafio no caminho do ARCO e tem um nome: União Leiria.
A equipa da cidade do Lis lidera a série C com cinco vitória em outras tantas jornadas e para o ARC Oleiros, a luta pela permanência obriga a que os jogadores se tentem abstrair do encontro com o Sporting para a Taça e a estarem focados no jogo de domingo. Foi isso, aliás, que explicou, ao Bancada, Ivan Fidalgo, um dos jogadores da equipa de Oleiros, garantindo que “por agora o campeonato é o mais importante” e “só depois” se pensará no jogo para a Taça frente ao Sporting.
O jovem jogador sabe, contudo, do interesse mediático que a partida diante do Sporting suscita como, aliás, ficou evidente no dia em que o sorteio se realizou: “No dia do sorteio chegámos ao treino, à tarde, e estava já lá a CMTV, foi um momento divertido. E é sempre bom para a região e para os habitantes de Oleiros, era muito bom que o jogo se realizasse aqui”, atirou o extremo que tem sido uma das primeiras opções no ataque da ARCO.
As funções do presidente da ARCO e o 4x3x3 ne Natan
E é com base no interesse mediático que regressamos ao desabafo do presidente Miguel Martins que nos garantiu que o clube de Oleiros não foi tido nem achado relativamente à data e hora da realização da partida com o Sporting, afirmando que “são decisões cozinhadas” para servir os interesses de alguém que não os clubes pequenos, e explicou porquê: “Nós não fomos consultados por ninguém antes da decisão de o jogo ser jogado na quinta-feira à noite ter sido tomada”, começou por revelar.
Miguel Martins, à esquerda, a receber o prémio de Melhor Dirigente do Ano da Associação de Futebol de Castelo Branco
“A FPF alegou que tem obrigações com os parceiros televisivos: a Sporttv e a Olivedesportos. 60 por cento do plantel da ARC Oleiros trabalha durante o dia e que se juntam às 19h30 para irem treinar. Alguns jogadores vão ter de pedir aos patrões para na quinta-feira saírem às 17h para virem jogar com o Sporting. Mas nós aceitamos isso. Só queremos que o jogo se realize aqui em Oleiros”, afirmou o GNR de profissão que nos contou ainda as dificuldades que por vezes enfrenta como presidente de um clube parco em recursos:
“O presidente do Oleiros faz comida para os jogadores se for preciso. O presidente do Oleiros vai a uma clínica com os jogadores e for preciso. O presidente do Oleiros adianta dinheiro do bolso dele quando é preciso, é esta a realidade de um presidente de um clube desta dimensão. É feito um esforço enorme aqui. E tudo o que temos conseguido não foi a assobiar para o ar, foi conseguido com muito trabalho e determinação, acima de tudo”, assegurou um presidente que guiou o clube aos únicos títulos da sua história.
Atualmente na nona posição da série C do campeonato de Portugal, a equipa de Natan Costa dispõe-se em, normalmente, num 4x3x3 “com uma nuance aqui e ali”, revelou o treinador que afirmou, ainda, não pensar alterar sobremaneira a forma de jogar da sua equipa para o jogo diante do Sporting, até porque, segundo o técnico de 38 anos, “mudar a identidade da equipa neste jogo só podia dar mau resultado”. O facto de o Sporting muito provavelmente não utilizar os jogadores habituais é um “fator de imprevisibilidade” de acordo com Natan que deixou ainda muitos elogios à forma como Jorge Jesus trabalha os lances de bola parada.
Já Ivan Fidalgo classificou a receção da ARCO ao Sporting como o teste mais duro da equipa orientada por Jorge Jesus antes da viagem a Turim. E depois riu-se.