Açorianos tiveram arranque avassalador na Segunda Liga, somando quatro vitórias em quatro jogos
Quatro jogos, outras tantas vitórias. Todas elas com carimbo iraquiano. Osama Rashid apontou um golo em todos os triunfos do Santa Clara, tendo dado um contributo decisivo – a par do brasileiro Thiago Santana, que foi contratado esta época ao Vitória de Setúbal – para a liderança do clube açoriano ao fim de quatro jornadas da Segunda Liga. Após duas passagens pelo primeiro escalão na viragem do século e depois de mais de dez temporadas estabelecido no segundo escalão, o Santa Clara assume-se agora como candidato à subida. Tanto pelos resultados, como pela ambição manifestada pela estrutura do emblema de Ponta Delgada.
“Nunca escondi que o objetivo este ano era a subida”, começa por assumir ao Bancada Carlos Pinto, técnico do Santa Clara. “Pelo contrário, assumimos a candidatura desde o primeiro momento”, refere. A mesma ideia é transmitida pelo diretor desportivo, Diogo Boa Alma. “Desde a primeira hora, antes de a época começar, que assumimos o objetivo de lutar pela subida de divisão”, revela-nos. E o começo de época tem mostrado que a candidatura dos açorianos é mesmo para ser levada a sério.
A ideia passa por repetir as temporadas de 1998/99, que marcou a estreia do clube no segundo escalão e que terminou logo com a subida de divisão pela mão de Manuel Fernandes, e de 2000/01, onde Manuel Fernandes, primeiro, e Carlos Manuel, depois, conseguiram devolver o clube de São Miguel ao primeiro escalão, após uma época de estreia mal sucedida – ficaram no último posto em 1999/00. Semelhanças entre essas temporadas e o presente? Na altura, o Santa Clara também teve arranques invencíveis: em 1998/99 esteve cinco jogos sem perder, somando quatro empates e uma vitória; em 2000/01 estiveram quatro jogos sem perder, com três vitórias e um empate.
“Recordo-me de um início bastante positivo, principalmente da primeira vez, porque era a estreia na Segunda Liga e começámos muito bem.”, afirma Paulo Figueiredo ao Bancada. O internacional angolano esteve no clube durante oito épocas e coincidiu nessas duas subidas de divisão, apontando o “fator casa” como o segredo do sucesso. “Fomos muito regulares em casa e isso é muito importante. No segundo ano, por exemplo, só tivemos um empate em casa, o resto foi só vitórias [16 triunfos e um empate 2-2 frente ao Leça]. O fator casa é muito importante para conseguir a subida”, salienta o antigo médio.
No entanto, o segredo da presente temporada tem sido “o compromisso”. É Carlos Pinto quem o revela. “O segredo tem sido a união, a disponibilidade diária, o trabalho árduo que estes jogadores têm demonstrado, dia após dia, treino após treino, no sentido de melhorarmos a cada dia que passa, a cada treino que passa. Por isso, numa palavra, podemos definir este inicio de época como sendo de compromisso”, explica-nos.
“Podemos enumerar várias virtudes desta equipa, mas há duas, de facto, que se destacam das restantes, que é a qualidade individual dos jogadores que compõem o plantel e os comportamentos por eles demonstrados até ao momento, nunca alterando os mesmos e mantendo sempre a mesma humildade que nos vai acompanhar até à reta final”, assegura o técnico, antes de confessar ter um outro objetivo secundário em mente: “Queremos chegar aos 41 pontos no final da primeira volta, com os pés bem assentes no chão, nunca fugindo da nossa realidade e tendo consciência que é um objetivo bastante difícil de alcançar, mas os comportamentos deste grupo permitem-me estar descansado em relação a isso”.
Internacional iraquiano com escola e mercados alternativos
Os quatro golos de Rashid em quatro encontros – mais um na Taça da Liga, onde curiosamente o Santa Clara acabou eliminado na segunda ronda frente à UD Oliveirense, na única partida em que o médio de cariz ofensivo não marcou – têm sido o cartão de visita da turma açoriana na nova época. Ele que chegou ao clube na temporada passada – fez três golos em 17 jogos -, proveniente dos búlgaros do Lokomotiv Plovdiv. Mas, antes disso, o internacional iraquiano já tinha passado por Portugal, ao serviço do Farense.
“Ele foi oferecido por um empresário na altura”, recorda-nos Jorge Paixão, técnico que começou a temporada 2015/16 ao serviço do clube algravio. “Não o conhecíamos, mas era internacional jovem holandês e internacional A pelo Iraque. Logo aí, as credenciais apontavam para que fosse um jogador com qualidade. Algo que viemos a constatar. É um bom jogador e grande profissional. Taticamente é conhecedor do jogo, com técnica e que chega facilmente a zonas de finalização. Finaliza bem e tem uma boa meia distância”, enumera o técnico, de 50 anos.
Os elogios ao jogador, de 25 anos, também são feitos pelo diretor desportivo do clube açoriano. “Não tenho a mínima dúvida de que é um jogador de Primeira Liga. O estranho é os clubes não estarem atentos e ainda nem sequer terem tentado aproximar-se dele. Tem tudo para chegar mais longe”, aponta. Foi precisamente no Farense que o talento de Rashid lhe saltou à vista. “Fez uma grande época no Farense, apesar da descida de divisão, onde apontou sete golos. Entrei para o Santa Clara a meio dessa época, assisti ao final de época do Rashid e tentei trazê-lo no início da última época para cá”, lembra.
Ainda assim, as tentativas de convencer o médio foram infrutíferas. “O Rashid não tem empresário e, apesar de ter insistido bastante, ele teve uma proposta do Iliev [antigo internacional búlgaro que atuou no Benfica, Marítimo e Salgueiros], que ia treinar um clube na Bulgária e o queria levar. Como o Rashid tinha tido uma má experiência no Farense, ficando com má imagem de Portugal e do futebol português, não quis aceitar a nossa proposta, acabando por ir para o Lokomotiv Plovdiv”, revela Diogo Boa Alma.
Contudo, não demorou muito até o Santa Clara conseguir convencer o médio a rumar aos Açores. “Depois de o Iliev sair do clube, ele teve alguns problemas e ficou a treinar à parte, acabando por rescindir em dezembro. Eu soube disso e acabei por conseguir trazê-lo em janeiro”, conta-nos o diretor desportivo do Santa Clara, antes de sublinhar que, “apesar de ser iraquiano e de jogar pela seleção, nasceu na Holanda e fez a formação no Feyenoord, ou seja, é um jogador com escola”, assegura Diogo Boa Alma. Já Jorge Paixão acredita que Rashid tem “qualidade para chegar a patamares mais altos, não a um grande, mas para jogar na Primeira Liga”.
Curiosamente, Rashid não é o único jogador do atual plantel do Santa Clara que vem de destinos menos habituais no futebol português. A ele juntam-se ainda um sul-coreano, um colombiano, um costa-riquenho, um salvadorenho e um iemenita. “A ideia passa por abrir portas a outros mercados. Procuramos jogadores de seleção e todos estes jogadores têm passagem pelas seleções, sejam jovens ou principais”, salienta o diretor desportivo do emblema de Ponta Delgada, antes de especificar o caso de Piñeda, que já neste verão representou El Salvador na Gold Cup, ajudando o seu país a chegar aos quartos-de-final da competição, perdendo apenas para o campeão Estados Unidos.
“Esperamos que tenham bons desempenhos e que nós tenhamos uma valorização desportiva deles mas também financeira. É isso que procuramos. Um clube como o Santa Clara precisa disso. Estou aqui há dois anos e no ano passado fizemos cinco vendas. Estamos a procurar ter sucesso desportivo, mas também valorizar os ativos. Esta aposta em mercados menos habituais insere-se nesse objetivo de encontrar jogadores de qualidade dentro do que o orçamento permite. Já tivemos o Hamdou, que é líbio e foi vendido ao Benfica – agora está no GD Chaves – e temos tido sucesso com os jogadores destes mercados”, explica-nos Diogo Boa Alma.
Evitar a repetição da última época
Estes arranques de temporada no Santa Clara já se tornaram habituais, até porque na última época o clube açoriano apenas foi derrotado à nona jornada. Tudo começou com cinco triunfos seguidos, um empate pelo meio e mais dois triunfos. Mas a saída de Daniel Ramos para o Marítimo após a sétima jornada, e, pouco depois, a ida do substituto Quim Machado para o Belenenses, acabaram por complicar a temporada ao clube, que só equilibrou após a entrada de Carlos Pinto, que substituiu Rui Amorim, a meio da temporada.
O emblema de São Miguel terminou no décimo posto a última época, mas manteve a estrutura e, agora, segue de evento em popa. “Há muitas equipas que se assumem candidatas a subir. Esta liga é muito equilibrada e todos podem ganhar a todos. Sabemos que este ciclo de invencibilidade vai ter de terminar, mas queremos prolongá-lo ao máximo e abrir o maior fosso possível, para depois entrar no campeonato normal, que é ganhar um jogo e perder ou empatar outro. Queremos lutar pela subida de divisão até às últimas jornadas. O presidente está aqui há três anos, o primeiro teve o objetivo da permanência, o segundo da consolidação orçamental e este ano é para apostar na subida”, resume Diogo Boa Alma.
Paulo Figueiredo está bem por dentro da realidade do clube, que promete “acompanhar para sempre”, referindo acreditar que o Santa Clara “tem as bases” para voltar ao primeiro escalão. “O clube já passou uma fase menos boa, mas agora as condições estão reunidas para voltar à Primeira Liga. Esse é o meu desejo e o que mais ambiciono para o clube. Neste momento as pessoas estão conscientes do que é preciso fazer e do que podem fazer para subir o Santa Clara e depois manter o clube por lá”, frisa, antes de recordar o que pensa que correu mal nas primeiras passagens [1999/00 e 2001/02 e 2002/03] do Santa Clara pela Primeira Liga: “Penso que a ida à Taça Intertoto ajudou à descida, na altura até fizemos duas pré-épocas e isso influenciou. Mas a irregularidade durante a época também ajudou”.
Por fim, Carlos Pinto acredita que em termos desportivos está tudo reunido para uma época de sucesso. “A nível desportivo acredito que sim, que estão reunidas as condições para podermos lutar por esse objetivo até ao fim”, afirma o técnico, de 44 anos. “Já a nível administrativo e de infraestruturas, o caso é um pouco diferente. Há coisas a melhorar e outras que estamos a tentar alterar, como, por exemplo, não podermos utilizar o estádio onde competimos, o facto de não termos estádio próprio para treinar, o facto de ser difícil o simples facto de conseguirmos fazer gelo no final dos jogos, mesmo quando se realizam três em oito dias. Há coisas que, com o tempo, com o empenho de todos, caminhando no mesmo sentido e na mesma direção, vamos tentar alterar e permitir dar todas as condições de trabalho aos jogadores”, remata Carlos Pinto.
